Dizer não. Dizer não a tudo e a todos com que não concordávamos. Dizer não sempre e a cada momento.

Não

Por Perseu Abramo
08/09/1961

Quando eu era estudante de ginásio tinha a maior parte de meus colegas entre aqueles alunos que se convencionou chamar de malcomportados, isto é, aqueles em quem o sentimento natural e espontâneo de rebeldia e independência próprio da idade ainda não foi sufocado subliminalmente pelo medo à autoridade, pelo respeito de legitimidade duvidosa a convenções cujas gênese e validade não são questionadas, ou, ainda, pela poderosa força coatora do instinto de sobrevivência física e psicológica às ameaças de violência, manifestas ou veladas.

É claro que, na época, não formulávamos dessa maneira nossos comportamentos individuais, nem chegávamos a compreender que eles, menos que comportamentos individuais, isolados e personalíssimos ? fracos e sem significado, portanto ? constituíam, na realidade, um poderoso e legítimo comportamento coletivo, plenamente justificado, existencialmente válido. Em alguns momentos, talvez, tínhamos disso uma pré-noção; em outros, uma intuição de que nós existíamos, e existíamos conjuntamente, menos do que como individualidade, como um grupo. Um grupo, não uma gangue, esclareço. Eram ? é claro ? momentos obscuros, mal delineados, apenas divisados. Mas desses momentos saíam manifestações coletivas que originavam uma ação ? uma ação que era condicionada pelo contexto social e etário em que o grupo se inseria: a fundação de um time de futebol, a criação de uma organização secreta que se reunia no pátio da escola para troca de informações sobre sexo ou o relato de aventuras fisiológicas mais imaginadas e desejadas que realmente vividas.

Uma dessas sociedades secretas, que assim se originou, ilegal e clandestina, foi secretamente denominada de “Turma do Não”. Não tinha estatutos, não tinha fichário de membros ou simpatizantes, sequer tinha objetivos muito bem estabelecidos. Havia apenas uma coisa que a definia e caracterizava: dizer não. Dizer não a tudo e a todos com que não concordávamos. Dizer não sempre e a cada momento. Não aos alunos bem aquinhoados que denunciavam os colegas em classe, não aos excessos dos encarregados de disciplina que não hesitavam em passar por cima do regulamento da escola para prejudicar os alunos com quem não simpatizavam.

Não à incúria de professores que preenchiam a ausência de talento com o excesso de matéria. Não às ridículas exigências das paradas e passeatas fascistas em honra aos ditadores e chefes militares ? estávamos na ditadura ? e não aos que não diziam não. E descobrimos que havia mil formas de dizer não: alto, baixo, depressa, devagar,sonoramente, sub-repticiamente, agressivamente, persuasivamente, às claras e às escuras, de viva voz e por escrito, veladamente sussurrado ou abertamente proclamado. Mas sempre não.

Era, bem se vê, uma típica manifestação de começos da adolescência. Mas era, pelo menos, uma manifestação. E hoje eu me lembro com orgulho e esperanças daquele tempo em que tínhamos a coragem de usar a dignidade do não.

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