Em Recife, seminário aborda efeitos das mudanças climáticas no Nordeste
Evento trouxe desdobramentos sociais e ambientais na região a partir da crise climática

Na quarta-feira (3 de dezembro), foi realizado o seminário “Emergência Climática, Preservação e Desenvolvimento no Nordeste”, organizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) em parceria com o PT de Pernambuco. O evento ocorreu em Recife, na sede do Sintepe, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco.
Parte de uma extensa programação da FPA em torno da pauta ambiental, realizada ao longo do ano em diferentes capitais, o encontro reuniu ativistas, representantes de entidades da sociedade civil, organizações políticas e militantes do partido com o objetivo de debater o assunto com foco nas questões nordestinas, a partir dos impactos no semiárido e da necessidade de preservação da caatinga.
Ato político
A abertura do seminário foi realizada com saudações do presidente da FPA, Paulo Okamotto, e do vice-presidente, Brenno Almeida. Participaram da primeira mesa: Francisco Alexandre, superintendente da Sudene e conselheiro da Fundação; Edneida Rabêlo Cavalcanti, coordenadora-geral do Centro em Estudos e Dinâmicas Sociais e Territoriais da Fundação Joaquim Nabuco; e Saulo Dias Kalunga, secretário nacional de Meio Ambiente do PT.
A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado de Pernambuco, Ivete Caetano, contou que o tema das mudanças climáticas foi inserido nas últimas pautas de reivindicações da categoria por conta do aumento do número de casos de crianças e adolescentes que passaram mal em sala de aula devido às altas temperaturas.
Francisco Alexandre, superintendente da Sudene, falou do papel desempenhado pela autarquia no desenvolvimento regional. O superintendente ressaltou que a atuação abrange onze estados (com Minas Gerais e Espírito Santo) e 59 milhões de brasileiros. Além disso, Francisco Alexandre destacou os desafios da instalação e produção de energia eólica e comentou sobre o estabelecimento dos data centers verdes, com utilização de água de reuso para o resfriamento.
A diretora na Fundação Joaquim Nabuco, Edneida Rabêlo Cavalcanti, abordou a falta de regulamentação da energia eólica e os conflitos causados pelo modelo, assim como a preocupação em relação ao avanço da instalação dos data centers. Ela também disse que é necessário que as políticas de educação ambiental, principalmente nas escolas, sejam colocadas na perspectiva da urgência climática. “Precisamos abordar esse assunto como algo que já é urgente e não que ainda vai ser”, afirmou.

O secretário nacional do Meio Ambiente e Desenvolvimento do Partido dos Trabalhadores, Saulo Dias Kalunga, ressaltou a importância do diálogo com os trabalhadores sobre o tema do desenvolvimento, que, na opinião do secretário, ainda é bastante negligenciado e pouco explicado, de modo geral.
“Não temos mais que falar em transição, mas sim em transformação justa e, principalmente, popularizar a pauta, as pessoas que mais serão afetadas muitas vezes são as que estão mais distantes dos termos que utilizamos, as pessoas precisam saber exatamente o que está acontecendo”, defendeu o ambientalista.
Clima, seca e Direitos Humanos no Nordeste
Na segunda mesa do seminário, participaram: o secretário de Habitação do Recife, Felipe Cury; o especialista em desertificação, Aldrin Perez Marin, que é coordenador do Observatório da Caatinga e Desertificação e pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido; a advogada e ativista pela justiça climática Luciana Florêncio; o arquiteto e urbanista professor da UFPE Roberto Montezuma e o especialista em energia limpa João Cumarú, cientista político e assessor de relações internacionais do Consórcio Nordeste.

Especialista sobre o processo de desertificação, o nicaraguense que vive no Nordeste brasileiro há décadas, Aldrin Perez Marin trouxe dados relevantes que colocam o bioma da caatinga em destaque no equilíbrio ecológico do ecossistema do país. “Graças ao semiárido, o Brasil respira e graças à caatinga, o futuro floresce”, disse o pesquisador.
Marin conta que, apesar de representar apenas 10% da vegetação, a caatinga foi responsável por sequestrar 50% dos gases do efeito estufa no Brasil, entre 2015 e 2022. A grande eficiência demonstrada pelo bioma precisa ser uma pauta do governo federal na questão ambiental, na opinião do cientista.
Do ponto de vista dos programas sociais que alteraram a vida da população no território, o coordenador do Observatório da Caatinga e Desertificação e pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido, apontou as transformações ocorridas a partir do Programa de Cisternas. Criado na primeira gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o benefício fortaleceu a agricultura familiar da região.
Na área urbana, o secretário de Habitação do Recife, Felipe Cury, trouxe uma apresentação sobre a intergovernabilidade do tema das mudanças climáticas na capital pernambucana, que abrange questões como o risco de inundações e a elevação do nível do mar.
Cury explicou que a necessidade de planejamento de conjuntos habitacionais mais elevados, a princípio, parece um assunto do futuro, mas que, na verdade, já é bastante debatido atualmente. A cidade do Recife é a 16ª com maior vulnerabilidade às mudanças climáticas no mundo e, nesse sentido, o acesso à moradia digna está intimamente ligado à recuperação de diversas áreas da cidade.
A assessora da Cáritas para a região Nordeste 2 (que abrange Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) Luciana Florêncio colocou a importância da perspectiva da atuação da sociedade civil junto às políticas públicas de Meio Ambiente. “Nada para nós, sem nós”, lembrou a representante da organização. Ela citou a atuação da Cáritas enquanto assessoria técnica de representação dos atingidos por crimes socioambientais como em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e pontuou a ação realizada pela organização junto às populações afetadas pelos complexos eólicos no Nordeste.
A ativista abordou que, além da importância do reconhecimento dos direitos das pessoas que vivem nos territórios afetados, há ainda o entendimento jurídico de que a natureza é também um sujeito de direitos, e não apenas objeto de proteção, e assim, é necessário garantir sua existência, evolução e integridade.
O professor da UFPE Roberto Montezuma listou alguns exemplos de projetos de recuperação de áreas urbanas e pontuou, de maneira positiva, o modelo de cidade-parque, no qual a cidade do Recife se espelha para garantir sustentabilidade e adaptação às mudanças do clima. O urbanista falou da troca de experiências com cidades na Holanda, que também vivem o desafio do manejo das águas na malha urbana e ressaltou a participação popular como um dos pilares para o sucesso das políticas ambientais.
Autarquia interfederativa composta pelos nove estados da região, o Consórcio Nordeste foi criado em 2019 com a premissa de fortalecer o pacto federativo a partir da perspectiva da região e atuou fortemente no período da pandemia, na obtenção de suprimentos, entre outras políticas.
O cientista político João Cumarú, que atua como assessor de relações internacionais, apresentou as atribuições do consórcio e falou sobre o trabalho que realiza por meio da paradiplomacia (que é realizado por entidades subnacionais como estados, províncias e municípios) na cooperação e investimentos no mercado de carbono e para recuperação de áreas degradadas do semiárido.
