Por Josué Medeiros

Passados três meses das grandes manifestações juvenis que invadiram o mês de junho nas grandes cidades brasileiras, e após um 7 de setembro marcado por novos protestos e uma brutal repressão, a esquerda em geral – e o PT em particular – precisam responder, afinal, se as jornadas de junho foram positivas ou negativas para aquelas e aqueles que lutam pelas transformações sociais, pela construção de um sociedade justa e igualitária.

As jornadas de junho provocaram um terremoto no sistema político brasileiro e, a partir disso, múltiplas interpretações.

De um lado, no qual eu me incluo, aqueles que viram de forma positiva a ida de milhares de jovens às ruas, por entenderem que as reivindicações tratavam de temas caros à esquerda e aos socialistas, entre eles, direito à saúde e educação, direito à efetiva participação política, ao bem viver nas cidades, o repúdio à repressão policial e, inclusive, o combate à corrupção.

Do outro lado existem os que enxergam as jornadas como algo negativo, cuja pauta foi capturada pela elite, pela direita, a partir de uma crítica desqualificadora da política enquanto lócus da corrupção, que inclusive teria descambado para um protofascismo no episódio das agressões à chamada “esquerda tradicional”. A brutal queda de popularidade da presidente Dilma seria a demonstração mais cabal dessa nova tentativa de golpe por parte da direita. Boa parte do PT se colocou nessa posição.

Já é possível fazer um balanço das duas visões, e perceber que o que ficou de pé foi o medo daqueles que olharam pra junho negativamente, ou a esperança daqueles que festejaram e engrossaram as manifestações. E é aqui que os médicos e médicas cubanos (as) recém-chegados (as) adquirem uma importância não prevista.

Afinal, três meses depois, onde está o fascismo, o golpe da direita, a desqualificação definitiva da política? Se esses sentimentos e manifestações existem, e é óbvio que sim, eles eram e continuam sendo minoritários. Tal conclusão fica evidente com uma pesquisa simples no Facebook – instrumento importante de divulgação das jornadas de junho -, as atitudes de médicos de Fortaleza ofendendo um colega cubano e a fala preconceituosa da jornalista potiguar são repudiadas, em uníssono, pelos mesmos jovens que lotaram a Rio Branco, a avenida Presidente Vargas, avenida Paulista, o Largo da Batata.

A chegada dos médicos e médicas cubanos (as) é a cereja do bolo de uma alteração substantiva do debate político brasileiro. Antes de junho, só se falava em inflação, simbolizada pelo tomate. Depois das jornadas, os temas são “Mais Médicos” para atingir as periferias e áreas mais pobres; mais verbas para a educação, com a vinculação de verbas do Pré-sal; a reforma política com plebiscito popular; além dos debates de democratização da comunicação, potencialização das redes culturais horizontais, reforma da policia militar. Enfim, até a popularidade da presidenta Dilma voltou a subir.

As esperanças permanecem vivas, seguem alimentadas pelas ações políticas dos mais diversos atores e atrizes, movimentos e redes, partidos e governo federal, ao passo que os medos simplesmente não se concretizaram.

A sociedade brasileira não deu nenhuma guinada à direita, não eram 300 mil fascistas ocupando o centro do Rio de Janeiro, tampouco 100 mil direitistas tomando as principais vias de São Paulo.

Mais que isso, passados três meses, a agitação política se mantém. Tomando como exemplo as duas maiores cidades do país: no Rio de Janeiro as mobilizações continuam, com acampamentos permanentes nas casas do governador e do prefeito, nas sedes dos governos, dos legislativos estaduais e municipais; mobilizações dos moradores das favelas “pacificadas” contra o estado policial que surge após as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora); greves dos professores municipais, com apoio popular e adesão da categoria.

Em São Paulo, o Movimento do Passe Livre (MPL), organização/rede que puxou as primeiras mobilizações de junho, voltou às ruas, junto com o Sindicato dos Metroviários, para denunciar a corrupção no Metro operado pelo PSDB, há 20 anos no governo estadual.

Infelizmente, esse balanço não está sendo feito nem pelo PT nem pela maioria da militância petista. Os debates das eleições internas partidárias praticamente não falam mais das jornadas de junho, que só aparece para justificar a luta pela reforma política.

A reforma politica já era uma pauta importante para o PT antes das grandes manifestações, ainda que o partido continue sem saber muito bem como impulsionar, enquanto ator politico, esse processo de mobilização na sociedade. O que fica é a impressão que o PT efetivamente não se deixou afetar pelas mobilizações.

É preciso sair desse labirinto[1] com uma resposta positiva. As mobilizações de junho foram a certidão de nascimento de uma nova sociedade criada, justamente pelos êxitos e fracassos, pelas potencialidades e contradições dos dez anos de governo Lula/Dilma, cujos impasses e limites só serão superados com novos processos de mobilização, maiores e melhores do que junho, herdeiros daquelas inesquecíveis jornadas. 

O que não dá, definitivamente, é comemorar a chegada de médicos e médicas cubanos (as) e, ao mesmo tempo, temer as jornadas de junho. Sem os jovens nas ruas não teríamosteremos mais médicos, professores, democracia nas periferias, nos rincões, nas cidades.

Josué Medeiros é professor substituto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

[1]Ver Jean Tible,   O partido em seu labirinto? – O PT e as jornadas de junho