No artigo a seguir, Jean Tible, professor de relações internacionais da Fundação Santo André, analisa as manifestações de rua e o surgimento do PT.

Por Jean Tible

 

Um terremoto político sacudiu o Brasil no mês de junho. E deve ser saudado. Milhões de pessoas foram às ruas sem nenhuma coordenação centralizada. Fato inédito, mudou o Brasil.

Parecem destacar-se três elementos no clamor das ruas: viver em cidades melhores; serviços públicos dignos; participação política. É de se notar que são pautas de esquerda (inclusive a crítica à corrupção que vem nesse contexto e não no bojo do escândalo do dito mensalão ou do julgamento da AP 470).

Nas ruas, uma mistura dos setores médios e da “famosa” classe C. Na última década o país viveu a ascensão de 40 milhões de brasileiros. Alguns, vidrados nos números e tabelas, não percebiam as pessoas de carne e osso, com subjetividades, desejos e lutas, presentes e por vir. Já tinham se manifestado no fim do chamado “efeito pedra no lago” (Franklin Martins) em 2006, reelegendo Lula, e na eleição de Dilma. Uma escolha eleitoral, mas que toma outra dimensão agora, com a presença massiva nas ruas, por mais mudanças.

Isto conecta o Brasil a outros movimentos no mundo (primavera árabe, indignados espanhóis, occupy wall street, revolta estudantil chilena, que se vayan todos argentino), apesar de nítidas diferenças: não foi em contexto de crise econômica, nem de ditadura, nem de perda total de legitimidade do sistema político que ocorreram as jornadas de junho. Outra especificidade marcante: Dilma como a primeira governante a tentar abrir-se às ruas.

Dilma tem, assim, a oportunidade de corrigir inexplicáveis erros de seu governo, a saber a interrupção de processos de experimentação política como os pontos de cultura, retrocessos na política de comunicação e no diálogo com os movimentos, além de um fechamento da perspectiva do que seria “desenvolvimento” (perceptível no trato com os povos indígenas).

Essas jornadas perturbam toda a esquerda tornada “tradicional”, da mais moderada à mais radical, haja visto o descompasso entre o ato do dia 11 de julho e as manifestações de junho. Apesar da importância das dezenas de organizações (e da sua pauta) que chamaram a paralisação nacional, constata-se sua parca vitalidade frente à precedente. A Plenária dos movimentos sociais, reflete o ciclo de lutas iniciado no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980. O Brasil, no entanto, mudou e tais organizações devem buscar dialogar com o “novo” que surgiu.

Não se trata de criar uma dicotomia novo/velho que se desdobraria em outra horizontal/vertical (até porque o novo pode se mostrar, em certos casos, tão ou mais vertical que o velho), mas de se transformar com uma nova geração e suas propostas. Mais de três décadas atrás quando uma transição “tranquila” para a democracia já estava acertada, novos personagens entraram em cena. Os sindicalistas ditos autênticos foram tratados pela então esquerda tradicional de irresponsáveis (atiçariam os militares) e despolitizados (sendo um sindicalismo de tipo “norte-americano”), mas sabe-se das conquistas que trouxeram esse terremoto-Lula e o evento-PT.

Ao surgir, o PT encarnou o “novo”. Teria virado “velho”? Não se ouvirmos seus principais dirigentes nas últimas semanas. Faltam, porém, ações práticas. Quais seriam? Abrir, por exemplo, um verdadeiro diálogo com os múltiplos novos setores. Um PT renovado. P, de partido, como espaço de articulação das lutas. T, de trabalhadores, da nova classe trabalhadora, os produtores em sua diferença: negros, mulheres, índios, jovens das periferias, camponeses, operários, trabalhadores da cultura, ativistas digitais. As últimas semanas indicam um desejo do comum, de reinventar as instituições “públicas” na oposição às cercas que impedem a vida na cidade (da polícia ao transporte). Outros sujeitos e outras pautas, não uma nova síntese, mas diálogo-lutas. Política.

 

Jean Tible é professor de relações internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André

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