Muito se fala sobre depressão e o quanto esta doença é a praga das sociedades pós-industriais. Muito se fala também sobre os efeitos, consequências e tratamentos, sob discursos que transitam em diversas abordagens: espiritual, patológica, psicológica e, ainda que todos usem o jargão de que esta é uma doença social, persistem as perspectivas que focam na individualidade de quem sofre a depressão.

Mas esse debate individual não me contempla e o próprio debate social precisa ser depurado; este fenômeno precisa ser olhado com uma lente de aumento para seus marcadores sociais: sobretudo o de raça e gênero. E aí eu sei que existe mesmo um monte de gente rica, branca, privilegiada sofrendo desse mal. Mas quem é que está levando suas angústias às últimas consequências? Quem mais está acabando com a própria vida por sentir que não cabe tanta dor num corpo só ou que não cabe permanecer vivo ou viva neste mundo impossível?

O suicídio não é um fenômeno fácil de ser monitorado. Os meios de comunicação só noticiam quando o caso envolve uma personalidade pública, e acho até correto que os suicídios individuais não se tornem um valor-notícia, mas quando vamos conversar sobre a epidemia de suicídios e quais territórios essa epidemia atinge prioritariamente.

Bom, partindo do pressuposto de que nosso povo está longe de ser maioria entre as personalidades públicas, pouco conhecemos dos dados sobre estas tragédias silenciadas pela correria do Capital. “Vida que segue”, é o que o sistema nos ensina. Segue pra que? Pra quem? Pra onde?

Falo da minha realidade. Nos últimos anos, 80% dos casos de que tive notícia foram de pessoas negras. Corpos negros abatidos por si mesmos como o sistema quer nos fazer acreditar. Eu tenho uma hipótese: o suicídio negro é a forma mais perfeita de genocídio. Nos matam e nos culpabilizam por isso, se escondem. O crime perfeito: aqui estão as provas.

“Todo culpado é negro, todo morto é negro”.

Nos roubam nossas perspectivas, direitos, autoestima e nos pedem que tenhamos esperança. Cada uma de nós que vai, empurrada no precipício da loucura pelas violências intermitentes de ser mulher, de ser preta, de ser rebelde, de ser dona de nosso destino, deixa uma marca devastadora entre os que ficam, e sua ausência também nos mata um pouquinho.

Quero falar de prevenção do suicídio porque essa praga está matando meu povo. “Vocês estão aplaudindo e eu tô me matando porra”, disse o Baco e diria Daléti sobre a insustentável dureza de existir sendo quem somos.

Quero denunciar que cada ação violenta praticada sobre nossos corpos é uma ação homicida e que o suicídio dos outros um dia também pode ser o seu. Resistir enquanto acordar; reagir enquanto respirar: é o que nos resta com o luto. Luta… e ser feliz, é cada vez mais uma utopia pintada de “Sonho Americano”.

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