A vitória do Syriza

No último domingo, a Grécia foi às urnas, garantindo uma vitória histórica para a Coalizão da Esquerda Radical, conhecida pelo acrônimo Syriza, rompendo com quatro décadas de monopólio da centro-esquerda (Pasok) e da centro-direita (Nova Democracia), desde o fim do regime militar em 1974.

Devido a um dispositivo do sistema eleitoral, que garante um bônus de 50 cadeiras ao partido mais votado, o Syriza alcançou 149 das 300 cadeiras no Parlamento grego. A formação do governo foi garantida pela adesão dos independentes gregos, partido de direita, que tem em comum com o Syriza a rejeição enfática às medidas de austeridade.

Resultados

O Movimento dos Socialistas Democráticos, do ex-Primeiro Ministro Yorgos Papandreu (que estava no cargo pelo Pasok quando estourou a crise grega) não ultrapassou a cláusula de barreira de 3%.

O líder do Syriza, Alexis Tsipras, tomou posse na segunda-feira (26), como primeiro-ministro, e deu posse ao novo gabinete, que deve se reunir pela primeira vez nesta quarta-feira, para adotar uma série de medidas urgentes, a primeira das quais elevar o salário mínimo a 751 euros – mesma quantia anterior à crise, que depois de sucessivos cortes está atualmente em 580 euros – e restabelecer as negociações coletivas e os convênios sindicais. Medidas de emergência ainda incluem o fornecimento de energia a famílias abaixo da linha da pobreza, para este inverno.

 

Antecedentes

O Syriza foi formado em 2004 como uma coalizão de partidos, incluindo forças políticas socialistas, eurocomunistas, ecologistas, euroscéticos e políticos independentes. Em 2013, os partidos integrantes da coalizão concordaram em dissolver as antigas agremiações e formar um partido unitário. Desde o início da crise grega em 2009, o Syriza vinha ganhando espaço entre os eleitores gregos. Nas eleições antecipadas de 2012, alcançou o segundo lugar, com uma diferença de menos de 3% com relação à Nova Democracia.

O impacto brutal da crise econômica e das medidas de austeridade impostas pela troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) para resgatar a Grécia indicam a dimensão da vitória de domingo. O desemprego supera 26% da população ativa e chega a cerca de 55% entre os jovens. Metade da população está abaixo da linha da pobreza e nos últimos 5 anos, o PIB grego recuou 25%.

O primeiro memorando de entendimento entre a Grécia e a troika impôs cortes de salários no setor público e aposentadorias de até 50%. O segundo programa, dirigido ao setor privado, diminuiu o salário mínimo em 32%, aboliu a negociação coletiva e outros sistemas de proteção trabalhista. Estas medidas foram acompanhadas de aumento de impostos, de tarifas dos transportes públicos, dos pedágios e de privatizações dos ativos do Estado. Com estas medidas de austeridade, apesar do governo recolher uma parcela maior do PIB em impostos, a arrecadação total é menor que antes da crise, devido à grande proporção do recuo econômico. Além disso, a queda de 25% do PIB também altera o indicador que relaciona o tamanho da dívida à riqueza produzida. Quando a crise estourou em 2009, a dívida era 120% do PIB; hoje este percentual está em torno de 170% (com alguma variação, dependendo da metodologia).

O programa econômico do Syriza defende a permanência do país na zona do euro, mas propõe a realização de uma conferência europeia sobre a dívida, similar à Conferência de Londres, de 1953, que perdoou uma parcela da dívida alemã no pós-Guerra e atenuou as condições de pagamento aos credores. De acordo com o partido, as principais demandas serão:

– redução significativa no valor nominal da dívida pública acumulada;

– moratória sobre os juros da dívida;

– implementação de uma cláusula de desenvolvimento;

– recapitalização dos bancos, sem que a soma entre na contabilidade da dívida pública.

A grande questão para os próximos dias e meses será ver como (e se) o Syriza vai conseguir conciliar seu programa nacional radicalmente democrático e a permanência da Grécia na zona do euro, defendida na campanha. O Syriza promete uma resistência duríssima às medidas de austeridade, enquanto a Alemanha e a troika prometem não ceder com relação aos compromissos.

Economistas e cientistas políticos críticos ao atual modelo da UE argumentam que os déficits acumulados e as dívidas nos países do Sul da Europa refletem os superávits produzidos em países como Alemanha, Holanda e Finlândia. Isso porque o Tratado de Maastricht, de 1992, consolidou a integração europeia como um processo de criação de mercado (com eliminação de barreiras comerciais e aumento na competição), em detrimento de procedimentos reguladores. O modelo da UE se baseia na competição entre os Estados por investimentos, locais de produção e empregos e na política fiscal nacionalmente determinada para gerar “vantagens comparativas” (baixos impostos, baixos salários, baixos custos de produção). A narrativa oficial da troika sobre a crise culpa o excesso de gastos públicos nos países do Sul. Mas a Alemanha tem perseguido uma política agressiva de compressão da inflação, dos salários e da demanda interna, por maior competitividade internacional. A meta inicial de inflação para a zona do euro em 1999 era de 2% e o custo do trabalho por unidade de produção idealmente cresceria no mesmo ritmo da inflação. De 1999 a 2008, o custo do trabalho cresceu 1% por ano acima da meta, na Grécia, Portugal, Itália e Espanha. Na Alemanha, ao contrário, cresceu bem abaixo da meta. Ao longo de uma década, diferença é de 25%, o que hoje beneficia setores exportadores na Alemanha, em detrimento de outros países da UE e dos próprios trabalhadores alemães.

 

I Fórum do Sul da Europa

Nos dias 23 e 24 de janeiro, aconteceu em Barcelona o I Fórum do Sul da Europa, que reuniu partidos políticos e dezenas de movimentos sociais dos principais países atingidos pela crise econômica e pelos programas de austeridade do FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia.

Este Fórum foi a primeira atividade concretizada a partir de esforços de aglutinação entre eurocomunistas e ecologistas nos países do sul, tendo como elemento de unidade o combate às políticas de austeridade e a defesa de outro modelo de desenvolvimento para a Europa. A expectativa é que a vitória do Syriza e eventualmente uma mudança de governo também na Espanha – que terá eleições gerais no final do ano – alterem a correlação de forças no âmbito das instituições europeias, abrindo maior espaço para a discussão de alternativas.

Para ler mais:

Ending Greece’s Nightmare
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Declaración de Barcelona: I Foro del Sur de Europa
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Análise: Terra Budini, internacionalista
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