Melhorar o transporte coletivo nas periferias e incluir a sociedade civil foram alguns dos caminhos apontados por especialistas durante debate realizado pelo Napp Cidades

Mobilidade deve ser pensada como instrumento de inclusão social

As imagens de um motorista com um pedaço de madeira nas mãos prestes a atacar um passageiro insatisfeito pela falta de ar condicionado no ônibus foram transmitidas por jornais de todo o país na última terça, 19 de março, dia em que as temperaturas chegaram próximas dos 40ºC. O caso é emblemático e vai muito além da questão da violência urbana. Por tabela, revela também a falta de cuidado das administrações públicas com o transporte coletivo oferecido às populações periféricas.

Uma condução pública lotada, num dia de extremo calor, mostra o quanto é urgente melhorar as linhas que atendem bairros localizados longe das regiões centrais. “A questão da mobilidade deve ser pensada como um instrumento de inclusão social, já que as cidades foram planejadas para empurrar a classe trabalhadora para longe de seus locais de trabalho. Hoje, não só em São Paulo como em cidades menores, o transporte que atende as periferias é definido sem sequer ouvir o que a comunidade tem a dizer. É urgente pensar numa mobilidade urbana que seja segura, mas principalmente humana”, avaliou Lucélia Moura, gestora de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo, e uma das palestrantes no encontro realizado pelo Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas (Napp) Cidades, da Fundação Perseu Abramo, nesta quarta, 20 de março.

Moradora do bairro Vila Nova Cachoeirinha, na extrema Zona Norte da capital, ela sabe o que significa ser excluída das políticas públicas de mobilidade, mesmo numa cidade com orçamento astronômico como São Paulo. “O que acontece é que se normalizou a precariedade. A melhora nas condições de vida da população tem que ser feita a partir de projetos que tratam as periferias como prioridade”.

Construção coletiva e Napps

Criados para fazer o enfrentamento ao desgoverno de Jair Bolsonaro, os Núcleos de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Perseu Abramo agora têm a missão de colaborar na construção coletiva de programas de governo. A partir do projeto “FPA nas Eleições”, encontros como o realizado nesta quarta-feira servirão de base para que candidatos e candidatas do PT tenham metas e diretrizes bem definidas, como as que envolvem a questão da mobilidade.

Para o geógrafo e membro do Napp Cidades, Rafael Calábria, o trabalho do núcleo pode incentivar as candidaturas nos municípios a repensar o atual modelo de mobilidade, convencionado a ter as prefeituras apenas como gestora e o setor privado no controle de toda a operação. “O primeiro passo para os nossos candidatos e candidatas é entender a mobilidade como um direito e lutar para que haja mais autonomia das prefeituras nos meios de transporte coletivo”, reiterou.

Outro tema levantado no debate foi a importância em propagar para todos os cantos do país ideias e projetos que já deram certo, como os realizados durante as gestões petistas de Maricá (RJ). Desde 2014, a cidade oferece transporte coletivo de graça para toda a população. “Isso só ocorreu por vontade política para enfrentar os interesses das empresas de transporte. Mais do que contar com um grande orçamento, é preciso estar disposto a colocar em prática ideias que vão demandar uma grande disponibilidade de nossos representantes”.