Pesquisa inédita analisa deterioração do trabalho por conta própria
Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Laboratório de Sociologia do Trabalho da Universidade Federal de Santa Catarina (Lastro UFSC) e a Rede Brasil Afroempreendedor (Reafro) mostra que o trabalho por conta própria foi fortemente afetados pela instabilidade política, as mudanças na legislação trabalhista, as políticas neoliberais e a pandemia do coronavírus. E também aponta a importância das políticas públicas para proteger essa parcela da população que é muito mais vulnerável às condições do mercado. (Baixe aqui o relatório completo da pesquisa e a apresentação).
O estudo, coordenado por Jacques Mick (Lastro- UFSC) e João Carlos Nogueira (Reafro), foi realizado com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) entre 2012 e 2022 e abrangeu três períodos: o final do ciclo do lulismo, entre 2012 e 2015; o ciclo do golpe contra o governo de Dilma Rousseff, entre 2016 e 2018; e o ciclo de 2019 a 2022, contemplando o período da Covid-19 e o mandato de Jair Bolsonaro.
A pesquisa mostra que tais fenômenos produziram deterioração no conjunto do mercado de trabalho, queda na renda e intensificação e alongamento das jornadas, que se haviam reduzido fortemente nos dois primeiros ciclos. E ainda que, paradoxalmente, o período foi marcado por redução contínua das diferenças nas rendas de homens e mulheres, pessoas negras e não-negras, sugerindo que a precarização produz indesejável igualdade em circunstâncias de empobrecimento.
Para a consultora do Projeto Reconexão Periferias, Léa Marques, responsável pelo eixo Trabalho, essa pesquisa mostra, de forma inédita, que surpreendentemente nos períodos de maior precarização do mercado de trabalho, as desigualdades de gênero e raça diminuíram, mas sobretudo porque pioraram as condições de vida de toda população. “Ela também mostra que quando as condições melhoram, as desigualdades voltam a aumentar, melhorando a vida de homens e da população branca, e mantendo nas piores condições as mulheres e população negra. Isso ressalta a importância de políticas públicas para combater as desigualdades de gênero e raça, em conjunto com um programa de desenvolvimento econômico, já que a melhoria das condições de trabalho, por si só, não é capaz de enfrentar as desigualdades citadas”, afirma Léa.
Achatamento da renda – No começo de 2022, a renda média dos trabalhadores por conta própria era menor que dez anos antes. Eles recebiam o mesmo valor nominal por hora de trabalho do começo de 2012 – mas a inflação acumulada no período foi de 85%. Ou seja: deu-se um brutal achatamento do poder de compra dessa parcela da classe trabalhadora.
Os conta própria sofreram um declínio continuado de suas remunerações desde o primeiro trimestre de 2014, quando chegaram a quase R$ 2.200,00 de renda média. No ciclo pós-golpe, a remuneração média ficou abaixo de 2 mil reais na maioria dos trimestres. No ciclo Bolsonaro, a renda voltou à casa dos R$ 2.100,00 do início de 2021, mas despencou na sequência, com o retorno de muitas pessoas a esse segmento do mercado de trabalho.
A diferença na renda de homens e mulheres conta própria caiu significativamente. As mulheres recebiam 79% da renda dos homens em 2012, e essa diferença caiu a 88% durante a pandemia, para voltar à faixa dos 85% em 2022. Como as mulheres ocupam posiçõe s menos remuneradas, as crises no mercado de trabalho (em 2016 e 2020)afetaram mais os homens, reduzindo a diferença de renda por gênero. Desse modo, o mercado de trabalho se aproxima da igualdade de gênero, mas do pior modo: pelo achatamento das remunerações.
Entre pessoas negras e brancas, houve menor atenuação da diferença de renda. Em 2012, negros recebiam 72% dos brancos. A diferença foi reduzida em dois pontos no fim do ciclo do lulismo, mas retornou a esse percentual em 2015. No ciclo do golpe, negros recebiam 74% da renda dos brancos, com flutuação para baixo na crise de 2016, seguida de retomada. No ciclo Bolsonaro, a diferença permaneceu em 74% durante toda a crise de
2020 e diminuiu a 78% nos trimestres posteriores – como resultado da diminuição da renda das pessoas brancas.
Políticas de geração de emprego – O número de trabalhadores/as no Brasil subiu de 87,6 milhões para 95,3 milhões entre o primeiro trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2022. No ciclo final do lulismo, o volume de trabalhadores cresceu continuamente, enquanto os ciclos posteriores foram marcados por fortes quedas pontuais no tamanho da força de trabalho: durante todo o ano de 2016, no primeiro trimestre de 2018 e no primeiro ano da pandemia de Covid-19.
A presença de homens e mulheres na força de trabalho geral aumentou, mas, o percentual por sexo permaneceu estável (diferença de cerca de 14p.p.., de 57% para homens e 43% para mulheres).
No fim do ciclo lulista, entraram no mercado de trabalho mais 3,7 milhões de pessoas negras que em 2012, enquanto o número de pessoas brancas ficou estável. O número de negros e negras permaneceu crescendo no ciclo do golpe até alcançar 50 milhões no fim de 2018. O ciclo Bolsonaro alterou essa dinâmica: mais pessoas negras foram afetadas pela pandemia e a retomada de empregos foi mais lenta para negros que para brancos.
No fim do ciclo do lulismo e no ciclo do golpe, trabalhadores negros/as recebiam em média 57% dos brancos. Com a deterioração geral do mercado de trabalho no ciclo Bolsonaro, a renda das pessoas brancas caiu mais fortemente que a das pessoas negras (que já era muito baixa). Em função disso, caiu a diferença de renda por raça-cor, para o patamar de 61% desde o fim de 2022.