Esse pequeno artigo é uma provocação às entidades políticas que organizam e representam as classes trabalhadoras do país: é possível manter um trabalho de base enquanto as direções e suas bases estão confinadas em suas casas?

As lideranças populares têm a responsabilidade de incentivar a população a permanecer em confinamento físico em suas casas, para reduzir a propagação da contaminação do coronavírus. A sociedade e vários governos no mundo e na maioria dos estados brasileiros têm se engajado sobre essa tarefa. A exceção, como sabemos, é do governo brasileiro, presidido por um delinquente, criminoso e genocida.

Confinamento físico não deve significar isolamento social, muito menos ausência de ação política. As ferramentas de comunicação social e a proliferação e facilidade para uso de redes sociais permitem que não fiquemos isolados socialmente, mesmo distanciados fisicamente.

Relações de trabalho têm sido alteradas profundamente por meio de tecnologias digitais. Infelizmente, tais alterações têm provocado maior precarização dos trabalhadores e as organizações sindicais ainda não conseguiram desenvolver práticas políticas que enfrentem essa realidade. As relações sociais, de amizade e familiares também têm sido alteradas com a integração das pessoas às redes sociais e devido à popularização dos smartphones. Afetos são reafirmados virtualmente.

Diversas organizações políticas intensificaram suas ações nos últimos anos para incorporar na cultura política o uso de ferramentas de comunicação digital e intervenção em redes sociais. A comunicação, como organizador coletivo, impõe-se como setor estratégico das ações políticas. Sem organização e prioridade nessa área, as entidades políticas distanciam-se de suas bases sociais.

Como fazer?
Não são poucas as nossas referências sobre a importância do trabalho de base. Desde os clássicos do marxismo, como Lênin, Trotsky, Rosa, Gramsci e Mandel até a concepção de organização sindical formulada nas primeiras décadas da Central Única dos Trabalhadores, uma visão se afirma com força nos debates no interior do socialismo democrático: o trabalho de base é um antídoto poderoso contra o burocratismo, o autoritarismo e a degeneração de dirigentes políticos à frente das organizações representativas da classe trabalhadora.

Mas, como fazer trabalho de base em um período que restringe até mesmo o encontro físico entre diretores/as da entidade? Mesmo se pudéssemos ir aos locais de trabalho, os próprios trabalhadores podem não estar lá, pois a ordem – correta! – é confinar-se em casa.

Precisamos nos conectar com as experiências em curso nesse período, que utilizam as ferramentas que estão, literalmente, à mão. Amigos, familiares, colegas de trabalho estão se encontrando por meio dos aplicativos que permitem até 250 usuários ao mesmo tempo em um bate-papo virtual, por vídeo. Há ferramentas não proprietárias adequadas a reuniões menores, como o jit.si, que são alternativas a empresas capitalistas como o Google. Artistas de diversas áreas têm mantido contato com seus públicos por meio de transmissões ao vivo de seus perfis no Instagram, Facebook e Youtube. Psicólogos/as, médicos/as, mestres de yoga, fisioterapeutas atendem as pessoas individualmente ou em grupo por meio de Whatsapp, Telegram.

As experiências se alastram e, obviamente, o mercado se aproveita para monetizar os acessos e usos delas.

As organizações políticas representativas da classe trabalhadora podem dimensionar tais experiências para manter e atualizar o trabalho junto a suas bases sociais. Podem utilizar as redes para defender os direitos e reafirmar, mais uma vez, que os/as trabalhadores/as não irão pagar pela crise.

Desafios
Sugiro, como primeiro desafio, realizar uma reunião virtual da diretoria da entidade.

Para tanto, é necessário escolher um horário adequado, definir previamente um tempo de duração da reunião, confirmar quem participará e se entendeu como funcionará esse encontro e, o mais importante, qual ferramenta (aplicativo) será utilizada.

A primeira tentativa pode resultar em exercício dos participantes para se apropriar da ferramenta. Não está descartada a possibilidade de gastar todo o tempo destinado a reunião explicando aos participantes como a coisa funciona. Isso não deve causar frustração! É um fator positivo, pois trata-se de um aprendizado. Será necessário, nesse caso, marcar imediatamente a próxima reunião, em data que não precisa ser distante.

Ao final da reunião, reservem um pequeno tempo para avaliar o experimento. Tentem responder o que foi positivo e quais iniciativas poderiam melhorar as próximas reuniões virtuais.

O segundo desafio sugerido é estabelecer o compromisso para que cada dirigente da entidade reproduza essa iniciativa com suas bases. Em grande medida, depende do sucesso da experiência do primeiro desafio.

Muitas entidades distribuem os locais de trabalho com cada um/a dos/as diretores/as, para organizar melhor o contato cotidiano, distribuição de boletim, realização de campanhas salariais. Os colegas de trabalho costumam, por sua vez, ter seus grupos de Whatsapp, são amigos de Facebook e seguem-se mutuamente no Instagram. Estão aí alguns caminhos para fazer o contato direto com eles, mesmo que estejam confinados em casa e até isolados socialmente.

Em um movimento circular, porém dialético, urge transformar os anseios da base social em ação política. Significa retornar para as reuniões da direção com as questões apreendidas no trabalho de base.

Isso nos leva a um terceiro desafio, mas voltado para o funcionamento das organizações. Como abrir as formas de atendimento das demandas da base de maneira virtual? O setor jurídico dos Sindicatos, por exemplo, pode destinar um tempo do atendimento aos sócios por meio de um canal virtual?

Seja pela realização de assembleia de local de trabalho com as pessoas fora do local de trabalho, seja por meio de conversas individuais com os/as trabalhadores/as, o trabalho de base não pode parar.

Mais do que isso, o trabalho de base pode ser atualizado por meio da participação ativa em grupos de bairro, nas comunidades. O local de moradia, como espaço onde vivem os/as trabalhadores/as, onde está presente sua luta por saúde, segurança, saneamento, educação, lazer. Trata-se de revitalizar a organização para além de seus sócios/filiados. Nesse momento, quando as experiências de solidariedade se proliferam nas comunidades, lembremos da assertiva de Lênin, para quem o/a revolucionário/a é um/a tribuno/a do povo.

Sentidos do trabalho de base
Por um lado, tratamos aqui de uma forma possível de informar as bases sobre as ações da entidade que as representa e de verificar como estão passando por esse momento difícil. A entidade contribui, dessa forma, para evitar o isolamento social ao mesmo tempo em que reafirma a importância do confinamento físico no enfrentamento à contaminação.

Por outro lado, reafirma-se o reforço à identidade de classe, que ocorre quando o/a trabalhador/a não se sente invisível, reconhecendo-se como parte de um coletivo mais amplo, que sofre desigualmente as consequências da exploração capitalista. O contato direto da direção da entidade com ele/a, mesmo virtual, reafirma a legitimidade política da organização de classe.

Ao definir, coletivamente na reunião da direção, qual posição política a organização deve assumir, o contato direto do/a dirigente com sua base permitirá que essa posição seja construída. A posição política torna-se coletiva quando é assumida coletivamente. Não é uma redundância isso. É uma lembrança que a consciência de classe não resulta do espontaneísmo, mas sim de uma construção coletiva e deliberada.
Assim, temos a chance de evitar a dispersão, desesperos e espontaneísmos estéreis.

Ao mesmo tempo, nos é possibilitada a viabilização de agitações políticas, não apenas virtuais. É o que a experiência de barulhaços nas janelas nos mostrou. É o que precisamos nesse momento de ofensiva da retirada de direitos da classe trabalhadora.

Por fim, manter o contato direto entre direção e base, por meio das ferramentas digitais, é uma oportunidade de compreender os sentimentos dos/as trabalhadores/as, suas apreensões e, quiçá, suas sugestões para a organização coletiva da classe. O contato com a base por meios digitais necessita, portanto, ser uma interação. É diferente de uma live, esse tipo de transmissão ao vivo por uma rede social. Na transmissão ao vivo, o/a trabalhador/a da base é um/a expectador/a. O trabalho de organização popular é baseado na interação, na capacidade da direção em ouvir sua base, de considerar sua avaliação sobre o próprio trabalho realizado. Sem essa postura da liderança, há menos chance de criar compromissos coletivos e engajamentos reais.

São sugestões de desafios para que as organizações políticas que enfrentam a ofensiva neoliberal e fascista possam constituir-se como redes de acolhimentos, de convivência, solidariedade e segurança social diante da catástrofe que se anuncia.

Anderson Campos é sociólogo, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp (CESIT-IE-Unicamp).

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