Rosa Weber e Cármen Lúcia: decisivas para derrota de Lula
Por volta das 19h15 de quarta-feira, a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) já dava sinais de que o pedido de habeas corpus de Lula seria derrotado. O resultado, proclamado pouco antes da uma hora da manhã, foi de seis votos contra o habeas corpus e cinco a favor. Não foi tampouco deferida liminar, solicitada pela defesa, que impediria a prisão de Lula até que o acórdão fosse publicado e possíveis embargos esgotados.
A previsibilidade da derrota de Lula surgiu quando, entre frases incompreensíveis para a maioria dos mortais, a ministra Rosa Weber deixou a plateia entreouvir: “Não tenho como reputar como abusivo ou teratológico, a despeito da minha opinião a respeito do tema de fundo”. A ministra se referia à decisão, tomada pelo mesmo STF em 2016, de que condenados em segunda instância podem ser presos sem que se esgotem as possibilidades de recurso em instâncias (tribunais) superiores.
Ao afirmar que não considerava abusivo nem teratológico (absurdo, monstruoso) encarcerar alguém condenado em tribunal de segunda instância, Rosa Weber apontava que não votaria a favor do habeas corpus de Lula, cujo objetivo era questionar exatamente a possibilidade de ser preso após sua condenação pelo 4º Tribunal Regional Federal, ocorrida no dia 24 de fevereiro. A defesa de Lula alega que tal prisão fere o artigo 5º, inciso 7º da Constituição.
Minutos antes, ela havia formulado outro breve trecho acessível aos leigos. “A mudança de composição do tribunal não é suficiente para a mudança de jurisprudência”. Novamente referindo-se, sem citá-la explicitamente, à decisão de fevereiro de 2016, ela acenava que não votaria contra o entendimento formulado pela maioria do STF, apesar de o grupo de onze ministros que votaram naquela ocasião não ser mais o mesmo.
A esta altura da declaração de voto da ministra, seu colega Marco Aurélio pediu a palavra e, com seu comentário, descortinou o desfecho. “Se a análise das ações declaratórias de constitucionalidade fosse colocada hoje, seria deferida”, interveio o ministro. Weber concordou: “Teria efeito vinculante”.
Rosa Weber, cujo voto até aquele momento era considerado uma incógnita, era por isso mesmo uma esperança para aqueles que defendiam a liberdade de Lula. Ao votar contra a demanda do réu, a ministra ainda afirmou que, pessoalmente, era contra a prisão após condenação em segunda instância, mas que sua decisão respeitava a maioria de 2016. “Bem, eu sou contra prender antes do trânsito em julgado; já votei aqui várias vezes contra, mas, como a casa decide por mandar prender, vou negar o habeas corpus”.
Nas redes sociais, foi muito criticada por defensores de Lula com adjetivos como “fraca” e “submissa”. De qualquer forma, a ministra encontrava-se em primeiro lugar entre os assuntos mais comentados no twitter, por volta das 19h30, pouco antes de encerrar seu voto.
Estratégia de Cármen Lúcia?
As tais ações declaratórias de constitucionalidade (ADC’s) citadas pelo ministro Marco Aurélio acabaram por servir como aquele elemento extracampo que influencia decisivamente o placar.
Levadas ao STF em 2016, duas ADCs – a 43 e a 44 – questionam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Essas ações poderiam já ter sido levadas ao plenário do Supremo, pois o relator delas, o próprio Marco Aurélio, já havia colocado ambas na fila de votações do Supremo.
No entanto, a presidenta do tribunal, Cármen Lúcia, a quem cabe a decisão de colocar o assunto em votação, preferiu deixá-las na gaveta. Caso essas ações fossem analisadas antes do pedido de habeas corpus de Lula, o STF teria decidido sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da prisão após a segunda instância como tema de fundo. O julgamento não seria dado a partir de um caso específico, como o de Lula, e as chances de derrubar a decisão de 2016 seria maior. Ao menos esta é a opinião do ministro Marco Aurélio, que a expressou de forma contundente no plenário, dirigindo-se à presidenta Cármen Lúcia: “Vence a estratégia, o fato de Vossa Excelência não ter colocado em pauta as ações declaratórias de constitucionalidade”. O ministro pediu para que a crítica – quase uma acusação – fosse registrada nos autos. A presidenta, candidamente, assentiu.
A aceitação das ADC’s pelo Supremo beneficiaria Lula, independentemente de habeas corpus. Ao longo das semanas que antecederam a votação desta quarta, setores da imprensa, mesmo aqueles que defendem a prisão de Lula, avaliaram que havia probabilidade de as ações diretas de constitucionalidade serem aprovadas em plenário. O mesmo prognóstico foi expressado por Rosa Weber, quando concordou com Marco Aurélio e disse que a aprovação daria efeito vinculante (estenderia a todos os casos) às ADC’s.
Ataques à mídia
Outro personagem que se destacou na sessão de quarta-feira foi o ministro Gilmar Mendes, que votou a favor do habeas corpus depois de criticar duramente a imprensa, que classificou de “chantagista”. Mendes atacou diretamente o Jornal Nacional, que, segundo o ministro, vinha pressionando para que ele votasse contra Lula.
O ministro declarou-se contrário à prisão antes que se encerrem todas as possibilidades de recurso, ou seja, antes que o processo transite em julgado, no jargão jurídico. Porém, em 2016, ele havia votado a favor.
Como já vinha dando sinais de que mudaria seu voto, Mendes de fato passou a ser alvo de matérias que, no mínimo, insinuavam ser o ministro incoerente ou ter sido convencido por razões obscuras.
Uma dessas razões foi explicitada pelo próprio ministro, durante sua declaração de voto. Ele negou que sua nova interpretação da lei tenha por objetivo proteger seus “amigos” (expressão dele). Políticos ligados a outros partidos também se tornaram alvo da operação Lava Jato e isso, segundo críticos, teria motivado a mudança em Mendes.
Sobre o Jornal Nacional, disse: “Houve um festival querendo mostrar minha incoerência”, referindo-se à edição exibida na noite anterior. Em mais de uma hora e meia de fala, Gilmar usou de memória e improviso a maior parte do tempo, ao contrário de quem o antecedeu, o ministro Edson Fachin, que leu texto impresso que tinha em mãos durante quase toda sua intervenção.
Mendes afirmou que a possibilidade de prender alguém antes do trânsito em julgado “empodera demais um estamento que já não tem limites no seu poder, que são os delegados, os promotores”.
Atacou duramente o uso do instrumento das prisões provisórias, que acabam durando muito mais tempo do que o previsto. “As prisões provisórias na Lava jato duram dois anos”, pontuou. Criticou também a grande quantidade de presos provisórios que acabam esquecidos “nas masmorras”.
Votos a favor
Os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Dias Tóffoli e o decano da corte, Celso de Mello, foram os outros quatro a votar a favor de Lula. O primeiro, durante a defesa de seu voto, criticou a possibilidade de indeferimento (negação) do habeas corpus. “A ilegalidade está justamente na falta da fundamentação para motivar essas prisões. O Tribunal Regional Federal decidiu pela prisão automática, o que não existe em nenhum país”, afirmou Lewandowski. Atacou também o STF, no momento em que o placar estava cinco a três contra Lula. “O STF colocou o sagrado direito à liberdade em um patamar inferior ao direito de propriedade”.
Celso de Mello fez longa e detalhada fundamentação do seu voto. Ao seu estilo, citou diversas referências históricas de decisões do Supremo a favor do direito de presunção de inocência, conceito que o ministro insistiu em defender ao longo de toda sua explanação. “Nada compensa a ruptura da ordem constitucional”, pontuou.
Do contra: sem novidade
Votaram contra o habeas corpus, além de Rosa Weber e Fachin, os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Um dos argumentos apresentados pela presidenta do STF foi o de que “o princípio da não-culpabilidade pode levar à impunidade”, desconsiderando a presunção de inocência e o trânsito em julgado, que disse prezar.
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