Mulheres negras seguem em marcha
Estudos arqueológicos e genéticos demonstraram que marchamos há mais de 150 mil anos, quando saímos da África para povoar o mundo. Nossos corpos se adaptaram aos diversos climas e geografias. Nos dividimos. Desenvolvemos culturas, explicações da origem do mundo. Criamos deuses, valores e prioridades. Nos apartamos. Cada um, a seu modo, continuou marchando, muitos sobre seus próprios pés, poucos, sobre os pés daqueles muitos.
Há mais de 400 anos, populações africanas foram sequestradas, trazidas ao Brasil para serem escravizadas e ainda assim, ajudaram a povoar essa terra, hoje representam mais da metade da população. Suas culturas se misturaram, seus corpos se miscigenaram. Seus valores e prioridades têm pontos de contato, pois são resultados da mesma fonte de opressão: o racismo, que revela a fragilidade da democracia brasileira e das instituições políticas, do interesse particular sobre o interesse público como dinâmica social, do domínio da grande mídia, da precariedade da Educação Pública, da banalização da violência, do ódio da cor, do “enorme passado pela frente”, como bem disse Millôr Fernandes.
Ontem, 25 de julho, mais de cinco mil mulheres negras, indígenas e não-negras, saíram de suas casas para ocupar o centro da cidade de São Paulo. Estavam em marcha pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Se somaram por suas opressões e pelo objetivo de superá-las, pela solidariedade, pela empatia. Defenderam sua cultura, sua origem, seus direitos violados há mais de quatro séculos.
Se uniram. Marcharam sobre seus próprios pés, por um caminho aberto por Aqualtune, Tereza de Benguela, Adelina, Anastácia, Maria Felipa, Luíza Mahin, Mãe Menininha do Gantois, Brandina, Auta de Souza, Clementina de Jesus, Antonieta de Barros, Carolina Maria de Jesus, Nair Theodora de Araújo, Lélia Gonzalez, Saraí Soares, Conceição Evaristo, Jurema Batista, Jurema Werneck, Leci Brandão, Márcia Santana, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, Nilza Iraci, Ruth de Souza, Sueli Carneiro, Sueli Chan Ferreira e tantas mais companheiras que nos ajudam a nos reconhecermos como um mesmo corpo, um corpo político, um corpo que marcha.
Aquelas mulheres e homens, que iniciaram sua marcha há mais de 150 mil anos, buscavam melhores condições de vida. Conquistaram novos territórios, novos ares, nos quais construíram novas vidas, novas culturas, mas em algum momento romperam entre si, colocando-se como inimigos, violando e ferindo uns aos outros. Ontem, as Mulheres Negras demonstraram que marcham pela mesma busca: melhores condições de vida, mas sabem que para isso é preciso iniciar pela superação daquele momento de rompimento e suas consequências, colocando a soma no lugar da divisão. E assim, seguem em marcha para povoar o mundo com a ideia de um lugar melhor para se viver, nem para muitos e nem para poucos, mas todas e todos.