Sobre ser mulher negra na era da precarização da vida
2017 – 25 anos depois e cá estamos nós debatendo quase as mesmas coisas e muito mais. Vivemos mais uma vez um cenário de ofensiva do neoliberalismo, porém, carregamos uma experiência recente de oxigenação dos direitos civis pelo governos populares na América Latina que, sem dúvida alguma, multiplicou nossa capacidade de articulação e reflexão e, portanto, estamos maiores.
Pronto, agora está justificada a lei lombrosiana, e a compreensão estratégica do genocídio visualiza em nós seu alvo prioritário, pois também nos lê como principal potência, portal da sobrevivência de todo um povo. E somos mesmo. Por isso, feminicídio. Por isso, encarceramento. Por isso, extermínio de nossos meninos. Por isso, estupro coletivo. Por isso, precarização. Por isso, solidão.
Esse negócio de afetividade tá acabando conosco. Parece que eles descobriram que uma vez empoderadas, as coisas ficariam mais difíceis pra eles. Que não conseguiriam interditar nosso movimento irreversível de emancipação. Que não conseguiriam nos fazer retroceder em nosso processo de resgate da memoria e conexão com ancestralidade. Que não conseguiriam nos tirar da frente dos camburões. Que não conseguiriam nos tirar de nossos barracões, de nossas praças, vendinhas e estações. Que não conseguiriam mais nos tirar da política, das falações, das direções. Então miraram nossos corações e acharam talvez nossa principal fragilidade, porque temos mesmo uma subjetividade f*#* e uma carência estrutural de cuidado e bem estar que nunca nos foram dados. Haja manipulação, dissimulação, objetificação, preterimento, desprezo, palmitagem, depreciação.
A verdade é que o balanço não está bom pra nós, mas ainda assim estamos muito bem. Nossa perspicácia cosmológica vai além, muito além de todo sofrimento que sustentamos em nossas costas. Estamos fazendo muita coisa e construindo um novo mundo com as nossas mãos, somada a irmãs e irmãos que se aliam à nossa visão. Uma visão de paz, de comunhão, de solidariedade, de unidade, de revolução. Estamos pensando economia, medicina, computação. Estamos pensando e fazendo tanta coisa que quando vê já é transformação. Pois é com esse espírito que quero encontrar Ângela Davis hoje, um espírito de prospecção. Quais estratégias de futuro para nossa libertação? Como superar a crise internacional do capitalismo pela nossa concepção? Como, em meio a tantas armadilhas do individualismo da desagregação, mantermos viva a chama da organização? Como ser pantera negra na era da digitalização?