Sérgio Mamberti sobre críticas nas redes: “são ataques baseados no ódio, sem possibilidade de defesa”
Por Maíra Streit, da revista Fórum
Em entrevista, o ator conta que foi hostilizado após publicarem na internet um vídeo dele em um encontro do PT; segundo o artista, sua fala acabou fora de contexto e provocou reações raivosas ao ser acusado de incitar a violência e promover a corrupção no país
Desde a última quinta-feira (11), quando foi publicado um vídeo em que aparece em um encontro preparatório para o Congresso Nacional do PT, o ator Sérgio Mamberti passou a ser atacado nas redes, acusado de fazer apologia à violência.
No trecho de pouco mais de um minuto, postado no Facebook da jornalista Rachel Sheherazade, ele critica as manifestações contra o governo ocorridas na Avenida Paulista, em que muitos manifestantes pediam a volta do regime militar. Bastou uma simples citação ao grupo Black Bloc para que o ator recebesse uma enxurrada de comentários em tom agressivo na internet.
“Artista Sérgio Mamberti convoca Black Bloc Brasil. Diz que as manifestações do povo brasileiro são piqueniques de ricos. Vai mais além! Convoca os Black Bloc para tumultuar as manifestações pacíficas e que a militância do PT não pode aceitar a prisão de PTISTAS como o Ex-Tesoureiro João Vaccari Neto”, escreveu a apresentadora. A mensagem teve mais de 2 mil compartilhamentos.
Mamberti se diz desapontado com a tentativa de distorcer e retirar de contexto as suas declarações. Em entrevista exclusiva à Fórum, o ator explicou que a intenção da fala era questionar por que os Black Blocs não compareceram aos protestos pró-impeachment, se estiveram presentes e, segundo ele, causaram tumulto em outros tipos de manifestações.
No vídeo, o artista abordava também a prisão de Vaccari, mas explica que, neste caso, ele defendia o direito de defesa, antes de qualquer condenação da sociedade. Na conversa de aproximadamente uma hora, Mamberti falou ainda sobre a extensa carreira artística, que completa 60 anos em 2016, e as conquistas trazidas pela atuação em cargos estratégicos dentro do Ministério da Cultura.
Em cartaz com a peça Visitando o Sr. Green – no Teatro Jaraguá, em São Paulo –, ele conta sobre a volta aos palcos, a militância no partido que ajudou a criar, e a necessidade de se conter as ações de intolerância: “Não tenho ressentimentos, mas quero a possibilidade de termos uma convivência mais democrática na internet”.
Confira a entrevista na íntegra.
Fórum – Depois de 12 anos longe dos palcos, o senhor está de volta com o espetáculo Visitando o Sr. Green. Como está sendo esse retorno?
Sérgio Mamberti – Foi um retorno muito grato para mim. Vou completar 60 anos de profissão no ano que vem, com uma carreira longamente pontuada por uma vivência profunda do teatro, mas também com incursões grandes no âmbito da televisão e do cinema. No teatro, como ator, produtor e diretor. E também com uma longa militância política. A minha geração se caracterizou por unir isso ao seu ofício artístico.
Esses 12 anos dentro do Ministério da Cultura foram anos muito profícuos, exercitando o lado de militante porque vejo na cultura o processo de transformação da sociedade. Ela, junto com a educação e a comunicação, tem esse papel importantíssimo de trabalhar a questão da cidadania, da diversidade, tem um papel na defesa dos direitos e na aceitação do outro, que é uma das questões mais fundamentais, a da tolerância.
Foram anos que prepararam a minha volta. Claro que sempre tem aquela sensação de que você faltou a aula. Será que o palco vai me aceitar de volta? O público eu tinha a certeza, porque me cobrava muito. Mas, desde os primeiros dias de ensaio, vi que o palco é uma das minhas identidades mais profundas. Foi como se estivesse voltando para casa, sendo acolhido. De qualquer maneira, escolhi uma peça que celebrasse esse momento, feita há 15 anos.
Fórum – O senhor interpreta um personagem que havia sido feito anteriormente pelo Paulo Autran.
Mamberti – Isso. E fala justamente da aceitação do outro. É um velho judeu que está solitário depois da morte da mulher. A peça se passa nos anos 1980. Ele quase foi atropelado por um rapaz, que é obrigado a cumprir uma pena de prestação de serviços. E se estabelece uma relação muito interessante em todos os sentidos. Tem um lado conflituoso, porque o velho quer ficar sozinho, mas essa solidão acaba unindo os dois.
O rapaz tem conflitos com a família, com os pais. A peça emociona e ao mesmo tempo faz rir. Fala sobre conflitos humanos e justamente dessa impossibilidade de comunicação que se estabelece e acaba encontrando um ponto de convergência. E se dá um encontro muito grato, muito profundo. Faço uma homenagem a Paulo Autran, que tem uma relação profunda com o teatro.
Fórum – E ela marca também uma parceria sua com o Cássio Scapin, antigo colega do programa Castelo Rá-Tim-Bum.
Mamberti – Sim, é um velho companheiro do Castelo Rá-Tim-Bum. Somos formados pela escola de arte dramática e, juntos, comemoramos os 20 anos do Castelo Rá-Tim-Bum, com uma exposição muito bem-sucedida. Toda a forma como ele [o programa] se desenvolveu dentro da TV Cultura, apesar de ser uma produção local, teve repercussão nacional. E fala da formação da cidadania. Esse programa conjuga a junção de teatro, educação e comunicação. Tem uma abrangência tão grande… Não ficou datado, ele continua transmitindo sua mensagem.
Fórum – O senhor ocupou vários cargos dentro do Ministério da Cultura nos últimos anos. Entre eles, a presidência da Funarte. Como foi essa experiência?
Mamberti – Foi maravilhoso. Sempre fui um militante cultural. No Partido dos Trabalhadores, participei de um coletivo e tem sido constante também a minha participação na elaboração de programas de cultura, como o do Lula, que foi muito importante. Fui secretário de Música e Artes Cênicas [do Minc], criei a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural, para construir políticas para segmentos da cultura popular, por exemplo, dos povos indígenas, da diversidade sexual, dos ciganos, que hoje são uma comunidade de quase 1 milhão de pessoas. Foi uma abrangência muito grande e que me deu muito prazer. Fiquei 6 anos nessa secretaria.
Aí fui convidado pelo ministro Juca Ferreira e fiquei 2 anos e meio tentando fazer com que a Funarte pudesse estar dialogando, criando pontes e elos, porque a cultura tem esse poder agregador. E, ao mesmo tempo, nesse momento, eu participo da elaboração do programa da presidenta Dilma e, já na gestão da ministra Ana de Holanda, assumi a Secretaria de Políticas Culturais.
Aí, foram importantes as metas do Plano Nacional de Cultura, que, a exemplo do Plano Nacional de Saúde e de Educação, estava tendo a oportunidade de fazer um planejamento para dez anos. Pela primeira vez, tinha um universo mais longo que pudesse criar uma política de Estado, não só de governo.
Trabalhei muito a questão da comunicação, o fortalecimento da cultura digital, das relações do mundo cultural, da internet. É um espaço democrático, mas com parâmetros necessários para sua boa utilização, para que possa cumprir o seu papel social, cultural e político. Por último, estávamos fazendo uma linha direta com o Ministério da Educação, com o [programa] Mais Educação, que também foi muito bacana.
Fórum – Por falar em internet, na última semana, a jornalista Rachel Sheherazade divulgou no Facebook um vídeo em que o senhor aparece em um encontro do PT. Segundo ela, fazendo uma incitação à violência ao falar dos Black Blocs. Quais foram as consequências dessa publicação?
Mamberti – Pessoalmente, isso me trouxe bastante tristeza. Eu acredito profundamente no papel da internet. Sei que, apesar de tudo isso, a internet não deixa de cumprir um papel importante. Infelizmente, é um aprendizado. É uma mídia muito recente, que estamos aprendendo a usar. As pessoas parecem que confundem essa ampla liberdade com uma questão quase pessoal.
Parece que eu fui alvo de um game, é como se as pessoas tivessem participando de um game, esquecendo da minha trajetória de 60 anos, em que fui um grande lutador pela construção de um Brasil melhor, para o país não voltar para a manutenção de privilégios, para que cada vez mais haja uma transparência e uma participação efetiva da sociedade nessa construção.
A gente não pode esquecer que o Brasil deu passos muito largos para a eliminação da pobreza, fazendo com que educação e cultura pudessem dialogar. E, certamente, no plano econômico, veio a emancipação de mais de 50 milhões de brasileiros que puderam sair da pobreza extrema. Eu acho que estamos caminhando dentro dessa perspectiva.
E parece que, naquele momento, a jornalista utilizou um trecho de uma fala minha em uma reunião preparatória para o 5º congresso do Partido dos Trabalhadores. Eu falava da necessidade de defesa de todas as pessoas que acabavam sendo acusadas de coisas que não estavam comprovadas, mas já estavam sendo condenadas [pela sociedade].
Fórum – Nesse caso, o senhor está dizendo que a sua fala foi descontextualizada.
Mamberti – Eu faço uma citação dos Black Blocs porque sempre, ao final dessas manifestações, acabam descaracterizando porque tumultuavam, criavam uma violência, na minha opinião, desnecessária. Só o fato de as pessoas estarem na rua fazendo suas reivindicações já era positivo, mas descaracterizava. Eu não estou fazendo nenhuma crtica específica aos Black Blocs. Sou adepto da não violência, mas o que eu falava era que, nessas grandes manifestações contra o governo na Paulista, os Black Blocs não estiveram presentes.
E, junto com as reivindicações [dos protestos], havia um pedido totalmente inacreditável da volta dos militares para solucionar os problemas que temos hoje. Era uma indagação do porquê de os Black Blocs não estarem presentes. A minha trajetória e a minha vida pública desmentem qualquer possibilidade nesse sentido. Isso eu gostaria de esclarecer a todos.
Na internet, muitas vezes, você fica indefeso. Esses ataques são baseados no ódio, sem possibilidade de defesa imediata, o que acaba tendo uma reação viral que não corresponde à realidade. Existe uma irracionalidade de pessoas que devem desconhecer a minha história. O Castelo Rá-Tim-Bum, por exemplo, é um ato de amor, sabendo que a criança é o cidadão do futuro. Não tenho ressentimentos, mas quero a possibilidade de termos uma convivência mais democrática na internet.
Fórum – E a quê o senhor atribuiu essas acusações? O cenário de acirramento político dá margem para esse tipo de ataque?
Mamberti – Por mais que a gente tenha conquistado as leis que, de uma certa maneira, estabelecem limites e criam um contexto de regulamentação para o universo midiático, acho que isso muitas vezes faz com que as pessoas possam acreditar que exista qualquer tipo de censura. A gente luta por uma ampliação desse universo, mas também com responsabilidade.
A crise econômica nos atingiu e acho que o governo tem procurado dar uma resposta que contemple uma possibilidade de mudanças na área. Isso criou um ambiente um pouco instável e uma polarização muito grande politicamente entre partidos de esquerda e de direita. E o PT, com todos esses anos no governo, foi alvo de críticas que nem sempre correspondem à realidade, e isso cria um ambiente de hostilidade.
Fórum – E em algum momento o senhor foi procurado pela jornalista para esclarecer o que foi dito?
Mamberti – Em nenhum momento, a não ser pelos Jornalistas Livres e por vocês, que agradeço muito, além de pessoas que conhecem a minha trajetória e têm testemunhado a meu favor dentro da rede. Foi momentâneo, mas acho que isso tem que servir como exemplo para que não se cometa injustiça e para que as pessoas não sejam acusadas de coisas que não fizeram. Recebi muitos xingamentos, mas gostaria de reafirmar a minha crença no processo democrático e na construção de um Brasil melhor.
Foto José Cruz/ABr