Por Yehuda Shaul*

Fui dispensado de meu serviço militar como combatente da Brigada Nahal [das Forças de Defesa de Israel, IDF, na sigla em inglês] há onze anos. Após minha saída fundei com alguns amigos a organização Quebrando o Silêncio. Desde então, temos entrevistado centenas de soldados que nos relatam seu serviço militar nos territórios ocupados da Palestina. Eu nunca encontrei regras de engajamento tão frouxas quanto aquelas descritas por dúzias de soldados e oficiais que tomaram parte na Operação Margem Protetora [realizada entre 7 de julho a 26 de agosto de 2014 e em que foram mortos 2131 palestinos, segundo a ONU]. Seus testemunhos descrevem como as IDF se comportaram e podem explicar em grande medida porque houve tantas mortes.

Contudo, os relatos sobre a Margem Protetora não contam toda a história. Eles não dizem que a operação do verão passado foi apenas a última de uma série conduzida pelas IDF em Gaza em anos recentes. (Verão Quente, em 2008; Chumbo Fundido, no início de 2009; Pilar de Defesa, em 2012; e Margem Protetora, em 2014). Os relatos também falham em explicar porque é fato se tratar de uma questão de tempo até a próxima operação.

Esta sucessão de operações em Gaza é a expressão de uma estratégida apelidada por altos oficiais das IDF como “cortar a grama”. Aqueles que defendem esta estratégia a descrevem como uma resposta necessária às ameaças terroristas contra Israel. Esses oficiais apresentam esta estratégia como uma ferramenta defensiva destinada a minar a habilidade de grupos terroristas de por em risco a segurança de Israel. Eles alegam que devido às ameaças contra Israel serem constantes e nunca poderem ser completamente evitadas, o país deve periódica e ciclicamente “cortar” a capacidade das organizações terroristas e interromper sua prontidão ao combate. Uma operação a cada dois ou três anos não é algo trivial, é a expressão de uma lógica fria e calculista.

Mas a mais recente operação, como as demais que a precederam, não apenas atingiu a infraestrutura do Hamas e de outros grupos armados. As principais baixas da política de “cortar a grama” foram civis palestinos, cuja população vem sendo destroçada sob as convulsões da guerra. Imagine o que ocorre a uma sociedade quando centenas de suas crianças são mortas no período de dois meses, além da destruição de 18 mil casas. É impossível discernir se o que as IDF estão “cortando” a cada dois anos é a capacidade dos terroristas ou a faculdade de uma sociedade inteira de subsistir e se desenvolver.

Efetivamente, a política de “cortar a grama” não é nada mais que outro componente do sistema de controle israelense sobre a população  palestina, em Gaza e na Cisjordânia. De forma a preservar seu controle, Israel opera continuamente para assegurar que os palestinos continuem enfraquecidos e vulneráveis. Como soldado, eu tomei parte em incontáveis operações destinadas a “baixar as cabeças” dos civis palestinos na Cisjordânia. Muitos outros soldados fizeram e continuam a fazer o mesmo. Patrulhas a qualquer hora do dia ou da noite por todas as ruas das cidades palestinas, batidas arbitrárias nas casas de civis, pontos de checagem no coração de áreas densamente povoadas – todas essas atividades com o objetivo de mostrar à população palestina que soldados israelenses estão sempre presentes, em qualquer lugar, e para criar a sensação de estarem sendo perseguidos. Outras operações, como toques de recolher sobre uma vila ou prisões de todos os seus homens por tempo indeterminado, permitem incutir o medo na população e, com isso, o fortalecimento do controle sobre ela.

A diferença entre as missões dos soldados na Cisjordânia e em Gaza tem origem na distinção da natureza de controle que Israel possui sobre os dois territórios. A Cisjordânia tem sofrido total, direto e diário controle militar e parcialmente civil nos últimos 48 anos. Na Faixa de Gaza, Israel não tem implementado controle militar direto desde 2005. Entretanto, até hoje, continua retendo controle sobre os aspectos mais básicos da vida cotidiana em Gaza. Controlamos o espaço marítimo e aéreo de Gaza, assim como o registro de sua população e a circulação de produtos e pessoas. Os conflitos periódicos em Gaza são outra ferramenta no sistema indireto de controle israelense sobre a população, e é outra forma de esgarçamento da sociedade palestina.

Nós israelenses deveríamos nos lembrar de que quando cortamos a liberdade dos palestinos de escolher como viver suas vidas e seu direito a viver seguramente com um teto sobre suas cabeças, estamos também cortando a nós mesmos. Estamos cortando nossos valores e nossa humanidade, assim como nossa segurança e a esperança de viver sem ter de antecipar a próxima rodada de guerra.

Se nós não agirmos de forma a parar a contínua estratégia israelense de “cortar grama” na Cisjordânia e em Gaza só podemos esperar mais mortes e destruição de ambos os lados. Apenas uma luta política firme para acabar com o controle israelense pode prevenir a próxima guerra e trazer paz e segurança aos povos da região. Só liberdade para os palestinos pode garantir liberdade e segurança para os israelenses.

* Yehuda Shaul é cofundador e membro da ong Quebrando o Silêncio, organização com quase mil veteranos israelenses que trabalham pelo fim da ocupação de Israel sobre os Territórios Palestinos. 

– Livro relata abusos do exército israelense em Gaza em 2014

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