A atual crise econômica e financeira mundial tem de positivo o fato de que está suscitando debates, há muito amortecidos, sobre a gravidade e a profundidade das crises do capital. O mundo de paz e prosperidade, prometido pela propaganda neoliberal, especialmente após o colapso da União Soviética e do socialismo do leste europeu, está se transformando rapidamente não só num mundo hipócrita e perigoso, como acentuamos em comentário anterior, mas também de desemprego, pobreza e desesperança nos países que antes se arrogavam os centros desenvolvidos e ricos do planeta.

Nessas condições é natural que ressurjam, com ênfase cada vez maior, perguntas sobre os caminhos reais do capitalismo. Afinal, qual a natureza da presente crise e para onde vai esse modo de produção que se proclamava eterno? Muitas pessoas se perguntam se a crise atual é igual à de 1929, ou tem algo de diferente. Outras acham que estamos diante de uma crise terminal, e que os países imperiais, ou imperialistas, buscarão nas guerras a saída para suas dificuldades estruturais. E, paradoxalmente, também existem aquelas pessoas que consideram a China a responsável por tudo que está acontecendo.

A crise atual tem semelhança com a de 1929, na medida em que seu epicentro está localizado nos Estados Unidos. O Japão já sofrera as conseqüências dos problemas norte-americanos desde antes, mas só agora suas ondas de choque estão abalando a Europa, embora muita gente não acreditasse que isso ocorreria. Fora isso, sua natureza é diferente. A crise atual, embora tenha muitas características de superprodução, tem por base a transformação da ciência e tecnologia nas principais forças produtivas, e dos capitalismos monopolistas nacionais, ainda comuns nos anos 1920 a 1960, num capitalismo corporativo transnacional.

As corporações transnacionais, embora ainda mantenham matrizes em seus países de origem, transferiram suas plantas de fabricação para outros países, às vezes mantendo nos Estados Unidos e na União Européia apenas unidades de montagem. Ainda mais sério é que possuam uma ação global, que as torna independentes de suas nações.

Nos anos 1980, suas unidades de projetos, e de pesquisa e desenvolvimento, também eram conservadas em território dos países centrais. Porém, nos anos posteriores, até mesmo essas unidades “cerebrais” foram realocadas rumo a países que ofereciam melhores condições para elevar as margens de rentabilidade.

Paralelamente, todas as corporações transnacionais incorporaram novos braços comerciais e financeiros, os primeiros para impor preços internacionais administrados a seus produtos, e os segundos para ingressar na jogatina da especulação financeira, na ânsia de elevar seus lucros através da criação de dinheiro fictício, sem base real na riqueza material. O chamado mercado mundial, onde se daria a competição, se transformou momentaneamente numa ficção.

Essas mudanças estruturais no capitalismo desenvolvido causaram modificações importantes no ritmo de crescimento dos produtos internos brutos. Os países desenvolvidos reduziram seu ritmo, enquanto vários dos países da periferia capitalista os elevaram substancialmente, em especial a China. Enquanto parte do produto interno bruto dos países da periferia era transferido para os países centrais, estes ainda podiam manter mecanismos de estímulo aos padrões de consumo interno.

No entanto, à medida que os países periféricos adotaram medidas para elevar seu produto nacional bruto, reduzindo aquelas possibilidades de altas transferência de rendas, e em que a ciranda financeira atingiu patamares hoje considerados irresponsáveis, as corporações transnacionais viram-se diante do retorno de parte da competição do mercado e viram-se obrigadas a adotar medidas para manter sua lucratividade, fazendo isso às custas dos seus Estados nacionais.

Nessas condições, as corporações transnacionais transferiram, pelo menos momentaneamente, a tendência de crise de realização do capital para os Estados nacionais, transformando-a em crise fiscal. Isto é o que explica, pelo menos em parte, o fato de que os Estados centrais vivem uma crise sem solução aparente, enquanto suas corporações transnacionais parecem demonstrar grande vigor, porque ainda retiram sua rentabilidade dos diversos países em que se realocaram.

As duas tendências principais, decorrentes dessas mudanças, residem no declínio lento e extremamente perigoso da hegemonia norte-americana e de seus parceiros europeus, e da ascensão não só dos BRIC, mas também de diversos outros países emergentes. Há, portanto, um paradoxo em que o capitalismo entra em declínio nos países centrais, todos eles tendendo a se transformar numa Inglaterra pós-final do colonialismo, e o desenvolvimento do capitalismo no resto do mundo, com a participação direta das corporações transnacionais.

Assim, a não ser que ocorram revoluções sociais nos países centrais, que os transformem em países socialistas de transição para um novo modo de produção, o capitalismo ainda possui o resto do campo planetário para desenvolver-se, antes de esgotar todas as suas possibilidades de reprodução. Não se deve, pois, pensar que esta seja uma crise terminal.

É lógico que a hipótese de guerras também continua presente. Por outro lado, quanto mais os Estados Unidos e os países centrais europeus e o Japão investirem recursos públicos em armas, para tentar fazer com que seus complexos industriais bélicos reergam suas economias, mais profundas se tornarão as crises fiscais de seus Estados. A experiência recente tem mostrado que, ao contrário do passado, as guerras deixaram de ser produtoras de riquezas das grandes potências industriais e se transformaram em dilapidadoras da riqueza acumulada. Nada muito diferente do que ocorreu com o Império Romano a partir de determinado momento de sua história.

Quanto ao papel da China nessa situação complexa, fica para a próxima semana.

*Wladimir Pomar é escritor e analista político.
 

Última atualização em 02/11/2011