Em conferência intitulada "A experiência brasileira: desenvolvimento, democracia, soberania e integração", Samuel Pinheiro Guimarães discorreu, na manhã desta sexta-feira (1º de julho), sobre as peculiaridades da experiência política brasileira recente, buscando extrair dela possíveis lições de interessse não apenas para o Brasil, mas para toda a América Latina.

Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães (à direita) foto: Naldinho Lourenço

Importações e exportações
O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, Alto Representante Geral do Mercosul, iniciou sua fala no seminário internacional sendo taxativo, a respeito do campo econômico, quanto às relações importação-exportação. Afirmou que “há crescimento que não combina com desenvolvimento. Por quê? Por que todo ele tem a ver com substituição de importações”.

O raciocínio, explicou, é simples: há algo que se passa a produzir e que antes se importava. E prosseguiu detalhando que alguns setores querem determinadas taxas que permitam importar a preços baixos. Quem inicia uma produção, começa com dificuldade e pode ser com baixa qualidade. Exemplificou com a situação da China, há poucos anos; também chamou atenção para a necessidade de refletir sobre a tendência existente em décadas anteriores, em que houve nítida preferência do público por computadores baratos ao invés de pelos produzidos no Brasil.

Outro tema chave, segundo ele, seria o da transferência tecnológica, ou mais propriamente o da colaboração empresa-universidade. Há dificuldades e algumas barreiras, e há que se enfrentar a questão da propriedade intelectual / autoral da produção e do produto científico.

O embaixador anunciou, no evento, o volume de capital do BNDES divulgado há pouco e opinou que isso sinaliza a possibilidade de desenvolvimento da relação anunciada acima. Com pessimismo, porém, citou que há 500 patentes por ano no Brasil, enquanto chegam a 45.000 o volume destas nos EUA. Tudo indica a necessidade brasileira de aceleramento, de realizar modificações que se traduzam numa transformação produtiva de forma mais competitiva. A necessidade premente estaria no esforço de aceleração da produção tecnológica. Para o Brasil, sublinhou, o crescimento de 7% ao ano seria o ideal. Com menos que isso o que se denomina subdesenvolvimento aumenta.

O palestrante expôs a dificuldade em definir qual a taxa de crescimento a ser alcançada: “Qual o máximo do crescimento atual? Quem calculou? Não se sabe, mas está calculado para o Brasil em 4%”. E relembrou características específicas do Brasil em relação aos demais: “Somos semelhantes a países continentais”. Na opinião de Pinheiro Guimarães, é necessário mirar países com dimensões, potencialidades e condições estruturais semelhantes às nossas: “Se os EUA crescerem a 2% e nós, a 7%, a distância, em termos de crescimento econômico real, diminuirá, lá pelo ano de 2030”, prevê.

Ao lado isso, Guimarães expõe algumas das enormes dificuldades, no terreno social, a serem enfrentadas: a) Nascem 3 milhões de crianças no Brasil por ano. É necessário gerar empregos que absorvam toda a população; b) Os investimentos em energia, por exemplo, não têm tem resultados imediatos. O embaixador acrescenta que o conceito de “produto potencial” é uma farsa: “Assim aumentarão os problemas sociais, por exemplo, faltarão empregos”.

Formas de governo
A questão da democracia não pode ser deixada de lado, ao se falar em relações econômicas. No Brasil e na América do Sul, há concentração de poder em áreas diversas, como a comunicação e outras, de dominações seculares, que remontam à monarquia e prosseguem inda hoje.

Samuel relembra que a multidão, nos anos 1950, idolatrava Getúlio Vargas. Independentemente disso as estruturas dominantes, o poder, não caminhavam no sentido desejado por essa “massa”. Indica, assim, que o confronto para fazer avançar programas populares é permanente. E que não se pode confundir democracia com plutocracia.

Exemplificou o que chama de plutocracia com a força do poder econômico num processo eleitoral, que é enorme. O financiamento das campanhas suplanta a representação política efetiva, afirmou, destacando também a existência de suplentes que, embora assumindo cargos nas esferas de poder diversas, são no entanto completamente desconhecidos do eleitorado.

O papel da imprensa em estigmatizar os países em desenvolvimento
Segundo Guimarães, vem sendo anunciado pela imprensa mundial que a Argentina estaria “à beira do colapso”; o país tem crescido em torno de 8% ou mais, o que não é pouco, mas a imprensa brasileira tem horror a isso. A despeito do desenvolvimento econômico da Argentina, cria-se um clima de desmoralização e de “fracasso”, por parte da imprensa brasileira. Entre as motivações para o ódio à Argentina, segundo o embaixador, encontram-se a renegociação da dívida e o rompimento com o oligopólio das comunicações.

Samuel destacou que a propriedade sobre os ativos da sociedade é algo mais importante até do que a concentração de riquezas. O equívoco a esse respeito pode indicar o caminho da taxação sobre as grandes fortunas.

O Alto Representante do Mercosul comemora o início de mudança dessa visão e destaca as conferências nacionais, com participação no processo de definição de diretrizes políticas, como algo positivo. Elas envolveram os campos da saúde, da educação e outros. Houve mais de 50 conferências e demais tipos de consultas, no Brasil, o que configura uma mudança política importante que permite participação popular na formulação da política.

Ao final desse ponto Pinheiro Guimarães voltou a insistir no controle do sistema político, segundo ele medido pelo grau de intervenção do sistema financeiro e do sistema de comunicação. Para ele esses são os “termômetros”.

A questão da soberania
Segundo Pinheiro Guimarães, "país dependente não tem soberania". Não saber fazer as coisas ou não ter potencial, do ponto de vista da defesa, do armamento, exército etc., dificultam a sustentação da soberania. Para o Brasil não ser submisso, precisa superar lacunas nessas esferas.

Países como os EUA, protegidos por uma cortina ideológica (que caua a impressão de serem uma potência pacífica) são altamente armados e desenvolvem ainda mais sua capacidade de guerrear. São vários os exemplos de que seguem contribuindo para a guerra no mundo, o que equivale a dizer que mantêm a hegemonia pela força. Assim, para manter-se de fato soberano, o Brasil precisa ter poder de dissuasão, capacidade de defesa de seu território. Samuel explica: “Há ameaça? Aparentemente, não”. Mas, no campo da defesa, ameaças são difusas e inesperadas. E faz referência a uma máxima difundida no meio internacional e sobre a qual vale refletir: “A defesa é mais importante que a opulência”.

No mundo atual, as questões da soberania e da defesa nacional estão, na opinião do embaixador, bastante associadas à ciência e tecnologia. Segundo ele, a biotecnologia e as chamadas tecnologias de informação  e comunicação (TICs), entre outras, foram inicialmente deflagradas no campo da defesa. No capitalismo tradicional há resistência a que o Estado disso participe. Mas o fato real, segundo Guimarães, é que o país sem defesa tem dificuldade de promover seu próprio desenvolvimento científico e tecnológico.

O mundo globalizado
Assim é, na opinião do embaixador brasileiro, a chamada "nova ordem". Nela ocorre hoje a formação de grandes blocos de países, sendo os principais a União Europeia, os EUA, abrangendo a América Central e parte da América do Sul, e a área de influência chinesa, algo segundo Guimarães ainda enigmático. Na visã o conferencista, em quaisquer negociações um país isolado fica enfraquecido, sendo por isso necessário estar associado a um bloco.

Não são desprezíveis, nem inéditos, os esforços de criação do bloco latino-americano, pela integração econômica, pra impulsionar o crescimento da produção e também a independência política. A novidade é que “hoje, isso sofre impacto do crescimento da China. Que é o grande fator novo”.

A China se configura como grande cliente de minérios, de energia e de alimentos e produtora de produtos manufaturados, dos simples aos mais complexos. Diante disso, o risco para os sistemas industriais é muito grande, pode provocar a desindustrialização. Processo que pode ser agravado, no Brasil, diante do pré-sal. Logo, como reagir ao desafio chinês é a questão central atual.

Do Rio de Janeiro.

 

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