Admirável mundo semi-novo
Por Marcos Silva
Amigos e amigas:
Tenho grande admiração por riso e humor como formas de pensamento e interpretação do mundo. Dediquei alguns trabalhos de pesquisa a caricaturas e narrativas visuais brasileiras – Zé Povo, Amigo da Onça, Fradim. Considero Henfil e Millôr Fernandes dois grandes nomes da cultura brasileira. Ler Rabelais e Swift é um prazer para sempre. Alguns dos melhores atores do cinema nacional são comediantes – Oscarito, Grande Otelo, Zezé Macedo.
Por Marcos Silva
Amigos e amigas:
Tenho grande admiração por riso e humor como formas de pensamento e interpretação do mundo. Dediquei alguns trabalhos de pesquisa a caricaturas e narrativas visuais brasileiras – Zé Povo, Amigo da Onça, Fradim. Considero Henfil e Millôr Fernandes dois grandes nomes da cultura brasileira. Ler Rabelais e Swift é um prazer para sempre. Alguns dos melhores atores do cinema nacional são comediantes – Oscarito, Grande Otelo, Zezé Macedo.
A FSP de hoje (14.3) publicou uma página inteira (coluna Mônica Bergamo) sobre um festival cômico, “Risadaria”, dedicado a atacar o politicamente correto. E exemplifica com algumas piadas sobre negros (“Não dá pra fazer uma sessão de humor negro só com negros. Vão roubar todo mundo na platéia”) e deficientes (“Eu conheço uns cinco humoristas deficientes. Só cadeirante tem três. Tem um sem dedo… E conheço um imitador manco”). Na reportagem, não fizeram nenhuma piada com judeus – respeito ao politicamente correto específico (Holocausto, milhões de mortos) ou com o Estado de Israel não se brinca?
Vocês riram daquelas piadas? Eu não vi a menor graça. Mas quero assinalar o retorno do humor militante no país. A direita só vê militância na esquerda. Agora, a direita milita contra o politicamente correto. Julga mesmo que é a pior coisa que existe no país: “É um problema maior que o buraco da camada de ozônio. Não só pro humor, pra humanidade. O politicamente correto e a censura são a mesma coisa” – fala de Marcelo Madureira, que se destacou recentemente no encontro direitista do Instituto Millenium com falas nada humorísticas sobre relações de poder no país. Quem passa fome e morre em filas de hospitais públicos deve dar graças a Deus porque não sofre o pior que o país tem – o politicamente correto.
Cada um milita pelo que quer. Militar pelo direito de insultar deficientes físicos e negros, dentre outros grupos, é uma opção pelo ignóbil. Quando reivindicarão o direito de reinstalar fornos crematórios?
Parafraseando os Beatles, It’s getting worse all the time.
Não se trata de defender o politicamente correto, que considero uma fixação de padrões sem convite ao pensamento. Reivindico, todavia, que princípios mínimos de civilidade existem. E agredir qualquer grupo humano pelo simples direito de ser contra o politicamente correto é de um primarismo mental assustador, que assusta ainda mais porque os agressores são bastante poderosos, têm acesso a meios de comunicação muito fortes, aparecem na coluna de Mônica Bergamo e em programas prestigiados de canais muito assistidos de tv.
Começam agredindo negros, deficientes. Depois, podem agredir democracia, direitos, qualquer um e qualquer valor. No encontro do Millenium, alguém defendeu que democracia é conceito de norma culta, não pode ser evocado por qualquer um. Entenda-se: quem é você para falar em democracia?
Abraços a todos e todas:
Marcos Silva é professor titular em Metodologia da História, Doutor e Mestre em História Social pela FFLCH/USP, São Paulo, SP, com Pós-Doutorado na Université de Paris III. É autor de Prazer e poder do Amigo da Onça (Paz e Terra, 1989), História – O prazer em Ensino e Pesquisa (Brasiliense, 1995; reeditado em 2003) e Dicionário crítico Câmara Cascudo (Perspectiva, 2003, relançado em 2006), dentre outros livros, além de artigos.
Publicado no blog SubstantivoPlural em 14 de março de 2010