Entrevista: Flávio Jorge fala sobre discriminação racial no Brasil
Sharpeville, África do Sul. Em 21 de março de 1960, a polícia reprimiu violentamente uma manifestação contra leis discriminatórias. Sessenta e nove pessoas morreram e dezenas fiaram feridas. Esta data passou a ser comemorada como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. No mundo inteiro, ações e manifestações chamam a atenção para a luta contra o racismo. Em 2007 o dia tem como tema Racismo e Discriminação – Obstáculos ao Desenvolvimento.
Na entrevista abaixo, Flávio Jorge da Silva, diretor da Fundação Perseu Abramo e um dos dirigentes da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) fala sobre o racismo no Brasil e a luta pela sua superação.
O Brasil é racista?
Em meados da década de 1970, começa a ser organizado no Brasil aquilo que se denominou movimento negro contemporâneo, que tinha como principais objetivos a desmistificação do mito da democracia racial. Ou seja, aqueles militantes diziam que no Brasil existia racismo. Trinta anos depois, podemos afirmar que esse objetivo foi atingido. Hoje é impossível qualquer instituição continuar afirmando a inexistência do racismo no Brasil. Isso se comprova pelas inúmeras pesquisas realizadas, pelos trabalhos das universidades e pela próprio avanço do movimento negro no Brasil.
A pesquisa da Fundação Perseu Abramo apontava para a existência de um racismo velado no Brasil. Como isso pode ser detectado no dia a dia?
A pesquisa da Fundação Perseu Abramo é uma das mais importantes já realizadas no Brasil. Além de apontar os dados referentes ao racismo institucional existente no país, verificou também como os indivíduos reagem ao serem acusados de racistas. Essa reação se dá quando os indivíduos não admitem ser racistas. O racismo existe, mas não existem os racistas. Essa é a principal expressão do racismo cordial no nosso país.
O que o racismo pode acarretar para um um país?
Cerca de metade da população brasileira é negra. É impossível pensar um projeto de desenvolvimento para o nosso pais sem levar em consideração as desigualdades sócio-raciais que atingem a população brasileira.
No Brasil, quais são as conseqüências mais graves da prática do racismo?
Em 2008 completaremos 120 anos da abolição da escravatura no país. Essa constatação de que vivenciamos mais de 300 anos de existência de trabalho escravo em nosso país deixou graves seqüelas, que se expressam nas condições de trabalho e de vida da população negra.
O que falta fazer para que o Brasil supere essa situação?
É necessário que nossos governos reparem essa dívida que o país tem com a população negra através de políticas públicas de promoção da igualdade racial e de superação do racismo. Que nossos sindicatos, universidades e a sociedade brasileira em geral reconheçam que a luta contra o racismo não é responsabilidade apenas dos negros e negras, mas sim de toda a sociedade brasileira.
Com a chegada de Lula ao governo, o que mudou? Quais ações foram colocadas em prática pelo governo Lula?
Em 21/03/2003, o governo Lula cria a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Um dos seus primeiros atos de governo foi a lei nº 10.639, que estabelece a necessidade de debate sobre a realidade e a história do povo negro em nosso país. A partir daí, importantes ações são desenvolvidas não só na educação, a exemplo do Prouni, que possibilita o acesso de estudantes negros e pobres oriundos de escolas publicas às universidades brasileiras, mas em diversas outras áreas. Outras importantes iniciativas são desenvolvidas nas áreas de saúde (adoção de políticas vinculadas ao sistema nacional de saúde dirigidas à população negra), da questão agrária (ampliação do reconhecimento das terras onde moram remanescentes de quilombos e ampliação da titulação de suas terras), entre outras.
É importante também a presença de representantes da população negra nos principais cargos de mando do país no primeiro governo Lula: a ministra Matilde Ribeiro, na Seppir, a ministra Marina Silva, no Meio Ambiente, o ministro Orlando Silva, nos Esportes, o ministro Gilberto Gil , na Cultura, e a ministra Benedita da Silva, no Desenvolvimento Social. Também foi indicado, pela primeira vez, um ministro negro para o STF, Joaquim Barbosa, o que é um fato inédito na história da república brasileira.