por Gilberto Maringoni

Para se contrapor ao moralismo interessado de Alckmin, Lula levantou a lebre das privatizações tucanas. Com isso, colocou no centro da arena uma das questões políticas mais importantes dos últimos anos.Os que alardeiam o possível fato de o Brasil ter ido mais para a direita nas eleições de 1o. de outubro deveriam atentar para outro fenômeno que ganha corpo nessa reta final de campanha: a idéia de privatização virou palavrão e acusação da qual os candidatos tentam se desvencilhar a todo custo. Não é pouca coisa. Há uma década, quem atacasse a venda de ativos e empresas públicas era tachado de “dinossauro” ou “ultrapassado”.

Quem não se lembra da campanha do elefante, feita pelos marqueteiros dos anos Collor, em 1992? Tentava-se associar as estatais a um paquiderme lento e ineficaz, em oposição ao que seria a agilidade e a qualidade das empresas privadas. Inesquecível também foi a campanha protagonizada por Raul Cortez – ponto baixo de sua carreira – para a venda da Vale do Rio Doce, em 1997, uma das grandes negociatas mundiais do século XX. Leiloada por R$ 3,5 bilhões, a holding que envolvia mais de 60 empresas de mineração, refino, química fina, ferrovias etc. lucrou em 2005 quase R$ 10 bilhões.

Há muito mais. Durante a campanha presidencial de 1994, o então candidato Fernando Henrique Cardoso chegou a afirmar: “o que não deu certo no Brasil foi o Estado, pois a iniciativa privada deu muito certo”. O editorial principal da “Folha de São Paulo” de 31 de dezembro de 1994 dizia, referindo-se aos bancos estaduais: “Privatizar ainda é a melhor solução”. Em 1998, centenas de outdoors foram espalhados pelas capitais, dizendo que o usuário de telefonia teria, a partir da venda das operadoras, a “liberdade” de escolher a empresa que lhe oferecesse melhores condições. Em julho do mesmo ano, o jornal “O Estado de São Paulo” chegou a estampar, em manchete, que a privatização do setor geraria 100 mil empregos nos anos seguintes. E os comentaristas econômicos afirmavam já existir “um consenso” no país acerca da necessidade de o governo se livrar de tais empresas..

Corações e mentesA onda privatista precisou ganhar corações e mentes da população para justificar a venda de cerca de US$ 100 bilhões de ativos públicos no curto espaço de seis anos – entre 1995 e 2000 -, segundo levantamento do jornalista Aloysio Biondi. Possivelmente foi a maior transferência patrimonial da História fora do período de revoluções ou de mudanças abruptas do poder.

Nada disso seria feito sem um auxílio providencial da grande imprensa brasileira e de vultosos gastos de publicidade. Era necessário alardear a quatro ventos que a Telebrás era ineficiente e cara, que as empresas de energia não tinham capacidade para investir e que as estradas tinham de ser entregues a particulares. Em outros tempos isso se chamava “luta ideológica”. O fato é que durante um certo período conseguiu-se convencer parcelas importantes da opinião pública de que tudo sob mãos privadas seria melhor.

A carruagem começou a virar abóbora a partir do apagão, em maio de 2001, quando o Brasil entrou no maior racionamento de energia em tempos de paz enfrentado por um país industrializado. No campo da telefonia, o propalado êxito da desestatização foi ofuscado por aumentos de até 350% nas tarifas.

Ao assumir a presidência, Lula optou por não investigar ou tomar qualquer medida contra este que era um dos pilares da política de Fernando Henrique Cardoso. Sob a alegação de respeitar contratos, permitiu que as irregularidades continuassem, como foi o caso da prorrogação dos contratos da Telefônica sem a apresentação das evidências de cumprimentos de metas acertadas com o poder público.

Política volta à disputa

Ao que parece, nada disso passou despercebido para a população. A ineficiência, a lentidão, a necessidade crescente de financiamentos públicos e a explosão das tarifas criaram uma antipatia crescente com o que se convencionou chamar de “privataria”.

Agora o debate sobre o assunto chega ao centro da disputa eleitoral, a ponto do candidato do PSDB ter de, a todo momento, se explicar sobre declarações de assessores seus de que, uma vez no governo, passaria nos cobres empresas como a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Sem marketing e sem anúncios, a sociedade tomou conhecimento do grande logro a que foi submetida.

Esse efeito é tão profundo que, mesmo entre setores de esquerda avessos à idéia da importância de o estado possuir ferramentas de intervenção regular na economia, como as estatais, a percepção das coisas vem mudando. Há uma crescente reavaliação do que representou o período nacional-desenvolvimentista (1930-1980) e do papel dos governos de Getulio Vargas na formação do Estado brasileiro.

Remando contra a maré, o governo Geraldo Alckmin, em São Paulo, vendeu recentemente a Companhia de Transmissão Paulista (CTEEP), numa controversa transação com uma empresa colombiana, menor que a ex-estatal paulista. Para completar, pouco antes de se desincompatibilizar, o ex-governador autorizara a venda de 20% das ações da Nossa Caixa, manobra impedida por seu sucessor Cláudio Lembo. Apenas esses dois casos servem para atestar a orientação econômica do candidato tucano.

Mesmo que não tenha sido a intenção dos dois postulantes à principal cadeira do palácio do Planalto, a colocação do debate sobre as privatizações no centro da mesa podem fazer desta a reta final de campanha mais politizada dos últimos anos.

*artigo publicado no Portal da Agência Carta Maior em 16/10/2006

*Gilberto Maringoni é jornalista e cartunista da Carta Maior, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

Para se contrapor ao moralismo interessado de Alckmin, Lula levantou a lebre das privatizações tucanas. Com isso, colocou no centro da arena uma das questões políticas mais importantes dos últimos anos.Os que alardeiam o possível fato de o Brasil ter ido mais para a direita nas eleições de 1o. de outubro deveriam atentar para outro fenômeno que ganha corpo nessa reta final de campanha: a idéia de privatização virou palavrão e acusação da qual os candidatos tentam se desvencilhar a todo custo. Não é pouca coisa. Há uma década, quem atacasse a venda de ativos e empresas públicas era tachado de “dinossauro” ou “ultrapassado”.

Quem não se lembra da campanha do elefante, feita pelos marqueteiros dos anos Collor, em 1992? Tentava-se associar as estatais a um paquiderme lento e ineficaz, em oposição ao que seria a agilidade e a qualidade das empresas privadas. Inesquecível também foi a campanha protagonizada por Raul Cortez – ponto baixo de sua carreira – para a venda da Vale do Rio Doce, em 1997, uma das grandes negociatas mundiais do século XX. Leiloada por R$ 3,5 bilhões, a holding que envolvia mais de 60 empresas de mineração, refino, química fina, ferrovias etc. lucrou em 2005 quase R$ 10 bilhões.

Há muito mais. Durante a campanha presidencial de 1994, o então candidato Fernando Henrique Cardoso chegou a afirmar: “o que não deu certo no Brasil foi o Estado, pois a iniciativa privada deu muito certo”. O editorial principal da “Folha de São Paulo” de 31 de dezembro de 1994 dizia, referindo-se aos bancos estaduais: “Privatizar ainda é a melhor solução”. Em 1998, centenas de outdoors foram espalhados pelas capitais, dizendo que o usuário de telefonia teria, a partir da venda das operadoras, a “liberdade” de escolher a empresa que lhe oferecesse melhores condições. Em julho do mesmo ano, o jornal “O Estado de São Paulo” chegou a estampar, em manchete, que a privatização do setor geraria 100 mil empregos nos anos seguintes. E os comentaristas econômicos afirmavam já existir “um consenso” no país acerca da necessidade de o governo se livrar de tais empresas..

Corações e mentesA onda privatista precisou ganhar corações e mentes da população para justificar a venda de cerca de US$ 100 bilhões de ativos públicos no curto espaço de seis anos – entre 1995 e 2000 -, segundo levantamento do jornalista Aloysio Biondi. Possivelmente foi a maior transferência patrimonial da História fora do período de revoluções ou de mudanças abruptas do poder.

Nada disso seria feito sem um auxílio providencial da grande imprensa brasileira e de vultosos gastos de publicidade. Era necessário alardear a quatro ventos que a Telebrás era ineficiente e cara, que as empresas de energia não tinham capacidade para investir e que as estradas tinham de ser entregues a particulares. Em outros tempos isso se chamava “luta ideológica”. O fato é que durante um certo período conseguiu-se convencer parcelas importantes da opinião pública de que tudo sob mãos privadas seria melhor.

A carruagem começou a virar abóbora a partir do apagão, em maio de 2001, quando o Brasil entrou no maior racionamento de energia em tempos de paz enfrentado por um país industrializado. No campo da telefonia, o propalado êxito da desestatização foi ofuscado por aumentos de até 350% nas tarifas.

Ao assumir a presidência, Lula optou por não investigar ou tomar qualquer medida contra este que era um dos pilares da política de Fernando Henrique Cardoso. Sob a alegação de respeitar contratos, permitiu que as irregularidades continuassem, como foi o caso da prorrogação dos contratos da Telefônica sem a apresentação das evidências de cumprimentos de metas acertadas com o poder público.

Política volta à disputa

Ao que parece, nada disso passou despercebido para a população. A ineficiência, a lentidão, a necessidade crescente de financiamentos públicos e a explosão das tarifas criaram uma antipatia crescente com o que se convencionou chamar de “privataria”.

Agora o debate sobre o assunto chega ao centro da disputa eleitoral, a ponto do candidato do PSDB ter de, a todo momento, se explicar sobre declarações de assessores seus de que, uma vez no governo, passaria nos cobres empresas como a Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Sem marketing e sem anúncios, a sociedade tomou conhecimento do grande logro a que foi submetida.

Esse efeito é tão profundo que, mesmo entre setores de esquerda avessos à idéia da importância de o estado possuir ferramentas de intervenção regular na economia, como as estatais, a percepção das coisas vem mudando. Há uma crescente reavaliação do que representou o período nacional-desenvolvimentista (1930-1980) e do papel dos governos de Getulio Vargas na formação do Estado brasileiro.

Remando contra a maré, o governo Geraldo Alckmin, em São Paulo, vendeu recentemente a Companhia de Transmissão Paulista (CTEEP), numa controversa transação com uma empresa colombiana, menor que a ex-estatal paulista. Para completar, pouco antes de se desincompatibilizar, o ex-governador autorizara a venda de 20% das ações da Nossa Caixa, manobra impedida por seu sucessor Cláudio Lembo. Apenas esses dois casos servem para atestar a orientação econômica do candidato tucano.

Mesmo que não tenha sido a intenção dos dois postulantes à principal cadeira do palácio do Planalto, a colocação do debate sobre as privatizações no centro da mesa podem fazer desta a reta final de campanha mais politizada dos últimos anos.

*artigo publicado no Portal da Agência Carta Maior em 16/10/2006

*Gilberto Maringoni é jornalista e cartunista da Carta Maior, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).