O “espírito do capitalismo” transformou-se em uma economia política quando a idéia de uma “mão invisível” – de uma força (o mercado) que faz com que, ao buscarem a satisfação de suas paixões individuais os homens alcançam, inconscientemente, o bem comum – ganhou status de uma ideologia dominante. Isso não foi apenas a vitória de uma ideologia bem articulada sobre outra, mas a superação da idéia que bastava o desenvolvimento de uma nova ética, isto é, de novas regras de conduta para o indivíduo, para aprimorar a capacidade de governar dentro da ordem existente.

Aceitar os homens “como eles realmente são” e mobilizar suas paixões, de modo a fazê-las trabalhar para o bem geral, tornaram-se as condições necessárias para a transformação dos “vícios privados” em “benefícios públicos”. Paixões se oporiam a paixões de maneira tal que uma seria contrapeso de outra. Aquelas paixões às quais foram atribuídas a função de contravalor passaram a ser denominadas de “interesses”.

“Interesses” de pessoas e grupos acabou se referenciando à idéia de vantagem econômica, talvez devido à associação entre interest (no sentido de juros) e empréstimos de dinheiro. Havia afinidade entre o cálculo racional exigido no conceito de interesse e a natureza das atividades capitalistas.

Passou-se então a comparar os efeitos favoráveis que ocorrem quando os homens são guiados por seus interesses com o calamitoso estado de coisas que resulta quando eles se orientam por suas paixões desenfreadas. A preocupação por parte da classe dominante com o aprimoramento da arte de governar a leva a sempre colocar restrições aos governantes, opondo os interesses privados como guia para a ação governamental. O discurso hegemônico passou a ser: “em assuntos de estado não se deve ser guiado por apetites desordenados (ou por paixões violentas), que fazem com que freqüentemente assumamos tarefas acima de nossas forças, mas apenas ser orientado pelos interesses [privados], guiado só pela razão [de mercado]”.

Esse discurso individualista (e privatizante) tem reaparecido em todas as eleições, desde 1989. Mas, no caso atual de reeleição, o candidato da oposição o apresenta de maneira envergonhada, negando sua intenção de privatizar empresas estatais. Diz: “isso não consta de meu programa”.

Será que ele distingue sua plataforma eleitoral (para ganhar a eleição) de seu real programa governamental (para de fato governar)? Será que ele discorda do que diz seu Grupo de Trabalho de Política Econômica de Governo, coordenado por José Roberto Mendonça de Barros (ex-secretário de política econômica do governo FHC) e Yoshiaki Nakano (ex-secretário paulista responsável pelo impiedoso corte de gastos do governo Covas)?

Segundo esse GT, “o próximo governo deveria liberar a aplicação [do detentor de cotas do FGTS] para a compra de empresas estatais. Isso estimularia a abertura de capital de empresas como Itaipu, Correios, Caixa Econômica Federal, BR Distribuidora, alem de reduzir o controle governamental para o mínimo necessário” (Estadão/Investimentos, setembro 2006). Na verdade, esta meta não é muito diferente do que a da “privatização progressiva” da Nossa Caixa, iniciada no governo paulista do candidato Alckmin.

Isso dá veracidade às “Propostas de Política Econômica” de Pérsio Arida (ex-membro do governo FHC), publicadas pela Casa das Garças (“gabinete-sombra” dos tucanos), entre elas, as de “liberdade ao trabalhador para escolher o administrador de seu FGTS; e instituir leilões em que instituições financeiras privadas competiriam pela aplicação dos recursos do FAT ou do FGTS”. Nesse documento de 15 páginas, em nenhuma delas é demonstrada preocupação pelo fato de que esses fundos sociais (patrimônios dos trabalhadores) constituem funding para a infra-estrutura e a habitação popular. Simplesmente, propõe liberar dinheiro público para uso (e lucro) privado…

O problema é não ser revelado ao (e)leitor os reais interessados em uma proposta de política econômica como essa. Não é à toa que o presidente estrangeiro do ex-maior banco estadual logo manifestou apoio à candidatura do ex-vice-governador (e sucessor) daquele governo sob o qual ele adquiriu aquele patrimônio público. Na mesma entrevista, ele pediu a privatização das instituições financeiras públicas federais. Assim como ex-membros do governo anterior e atualmente membros de conselhos de administração de bancos privados, todos eles têm interesse na licitação dos fundos públicos, pouco se importando se isso levaria à inanição dos bancos estatais – e de suas políticas públicas.

Na visão invertida da oposição, aqui, neste país cheio de “idéias de fora do lugar”, existem “vícios públicos” que justificam “benefícios privados”…

*Fernando Nogueira da Costa é vice-presidente da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Professor Licenciado do IE-UNICAMP.

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