Historicamente, o Estado e os governos nunca atuaram no sentido de reverter a desigualdade de gênero. Neste sentido, a criação, pelo governo Lula, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres – SPM – representou um importante marco político de mudança, que sinaliza um passo na ruptura com a “imparcialidade” do Estado frente às relações entre os gêneros.

Mas, ao final de três anos, é importante fazer um balanço. A SPM neste primeiro mandato, cumpriu um papel importante e pioneiro neste governo. Seu principal mérito foi ter trazido para o mundo público os problemas tratados na esfera doméstica.

A Iª Conferência de Políticas Públicas para Mulheres, iniciativa da SPM, que envolveu milhares de mulheres em todo o país, foi um marco importante que produziu o Plano Nacional que deve orientar as políticas do governo nos próximos quatro anos, apontando claramente para a garantia da transversalidade das políticas públicas no conjunto dos ministérios e empresas estatais.

O Plano apontou temas como a necessidade da revisão da legislação que criminaliza a interrupção da gravidez (aborto), e apontou para necessidade da aprovação e regulamentação da aposentadoria para as donas-de-casa – fruto de um importante movimento nacional que reivindica do Estado o reconhecimento do trabalho doméstico como trabalho social realizado e não pago pela sociedade.

As realizações da SPM foram focadas principalmente no combate à violência sexista. No entanto, as ações foram limitadas, próprias da modéstia do orçamento da Secretaria Especial e das demais áreas do governo que promovem políticas públicas especificas as mulheres. Lamentavelmente, o orçamento da SPM coloca em risco as metas que compõem o Plano Nacional de Políticas Públicas para Mulheres. São apenas R$ 25 milhões em 2006, o que representa apenas menos de 1% da dotação global da Presidência da República.

Portanto, o primeiro desafio para o próximo governo é avançar na consolidação da SPM, o que pressupõe um outro patamar de destinação de recursos. Para além da articulação transversal das políticas, a SPM deve ter autonomia para formular e implementar políticas específicas, em seu próprio âmbito. Assim, é preciso manter e ampliar a Secretaria Especial de Política para Mulheres, trabalhando para transformar as (ainda esparsas) políticas governamentais em políticas de Estado – o que requer, de fato, a manutenção e fortalecimento um órgão permanente na estrutura de governo (SPM), apoiado num arcabouço jurídico e de legislação para que essa ação não sofra descontinuidade.

Além disso, nós que queremos fazer um segundo governo Lula melhor do que o primeiro, não podemos nos furtar a algumas questões centrais. É preciso enfrentar o conservadorismo e o machismo e avançar no debate sobre a legalização do aborto. Sem medo das pressões religiosas, destacando o caráter laico do Estado e a necessidade de respeitar o direito das mulheres decidirem sobre o seu corpo, salvando milhões de vidas, sobretudo de mulheres negras e pobres.

Portanto, para o segundo governo, é preciso reafirmar o princípio da ação afirmativa (tratar desigualmente os desiguais) e pautar mais fortemente na sociedade brasileira o debate sobre o papel da mulher, suas obrigações, a naturalização das diferenças entre os gêneros, a violência doméstica, a menor inserção da mulher no espaço público, as diferenças de salário, a educação sexista e a necessidade de políticas que promovam a autonomia pessoal e econômica das mulheres.

*Angélica Fernandes –
jornalista, membro do Diretório Nacional do PT, do coletivo nacional de mulheres do PT e secretária estadual de formação política do PT-SP

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