Jacob Gorender
Cercado de afeto e admiração, Apolonio chega à faixa dos nonagenários após percorrer uma trajetória de vida bem vivida e, mais que tudo, bem lutada, muito bem combatida. A data é festiva para todos os que temos sido seus companheiros, para todos os que se solidarizam com as causas às quais dedicou sua inteligência e esforços altruístas.
Cercado de afeto e admiração, Apolonio chega à faixa dos nonagenários após percorrer uma trajetória de vida bem vivida e, mais que tudo, bem lutada, muito bem combatida. A data é festiva para todos os que temos sido seus companheiros, para todos os que se solidarizam com as causas às quais dedicou sua inteligência e esforços altruístas.
Desde cedo, Apolonio manifestou vocação para a luta pela libertação nacional e pelo socialismo. Luta que vem travando já há sete décadas com firmeza e destemor sem par. Projetou-se, por isso, como herói internacional, como o nosso cavaleiro sem medo e sem mácula.
Tendo escolhido a profissão militar, Apolonio participou da agitação política, que engolfava os quartéis brasileiros nos anos trinta. Tomou partido pelos adeptos do ideal de transformação revolucionária de nosso país. Por isso mesmo, envolveu-se na atividade conspiratória que veio culminar na insurreição de novembro de 1935, em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Tal envolvimento custou-lhe a primeira prisão e o cancelamento do projeto de carreira militar.
Libertado, Apolonio não vacilou diante da opção, que se lhe apresentou em 1937, de combater pela causa republicana espanhola. A república havia sofrido, na Espanha, o assalto das tropas chefiadas por Francisco Franco, apoiadas e municiadas por Hitler e Mussolini. Naquele momento, a causa antifascista mundial tinha a guerra civil espanhola como seu cenário central. Dirigindo-se ao olho do furacão, como faria tantas vezes em sua vida, Apolonio entrou de cabeça na conflagração ibérica, combatendo as forças franquistas como capitão de artilharia do exército republicano.
Com a derrota da causa democrática na Espanha, Apolonio se junta aos milhares de combatentes das brigadas internacionais, que se refugiam na França. Não se demora, no entanto, no campo designado pelas autoridades francesas para os refugiados e se desloca a Marselha. Ali, é surpreendido pela deflagração da Segunda Guerra Mundial, com os acontecimentos, que se sucederam vertiginosamente: a invasão da França pelo exército hitlerista, a derrota do regime capitulacionista francês e a imposição da repressão das SS e da Gestapo no solo gaulês.
Apolonio trava contacto com os antifascistas franceses, empenhados em organizar a resistência ao ocupante nazista. Participa, sem medir sacrifícios e enfrentando as situações mais arriscadas, da resistência clandestina, tornando-se um dos líderes mais destacados do maquis. O que o consagra, quando lhe conferem o posto de coronel das forças francesas livres. Nesta luta gloriosa, sua atuação excepcional foi, mais tarde, reconhecida pela outorga da condecoração da Legiâo de Honra pelo governo francês.
Nas fileiras dos resistentes franceses, Apolonio encontra Renée, com quem formará, daí por diante, um casal de companheiros devotados no convívio diário e na atividade política.
De regresso ao Brasil, em 1947, o ex-combatente da Guerra Civil Espanhola e da Resistência Francesa encontra o Partido Comunista na legalidade. Reintegra-se nele e se torna um dos seus militantes mais empenhados. Particularmente notável foi sua contribuição no setor da educação e da propaganda.
O golpe contra-revolucionário de 1964 obriga Apolonio a uma nova clandestinidade, eivada de riscos cada vez maiores. Desde o início, posiciona-se, no Comitê Central do PCB, a favor de uma linha política de combate intransigente contra a ditadura militar. Coerentemente, fundará, junto com um grupo de companheiros, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).
Em janeiro de 1970, novamente na prisão, passará com firmeza e integral honradez revolucionária pelas torturas atrozes, que lhe infligem os algozes do DOI-CODI do Rio de Janeiro. Em junho do mesmo ano, incluído na lista de resgate de presos políticos em troca da libertação do embaixador alemão então seqüestrado, Apolonio é libertado e vai ter á Argélia, donde, em seguida, se dirige á França.
Com a anistia de 1979, Apolonio e Renée finalmente podem regressar em segurança ao Brasil e aí reencetar nova fase de atuação política. Tendo sido, em 1981, um dos fundadores do PT, Apolonio será também um dos seus militantes mais dedicados e eminentes. Um livro de memórias registrou, modestamente, uma parte do precioso acervo de ensinamentos de sua trajetória biográfica.
Quando chega aos noventa anos, lúcido e otimista como sempre, companheiros, amigos e admiradores só podemos desejar-lhe muita saúde nos muitos anos que todos o queremos entre nós.
* Jacob Gorender é historiador, membro do Comitê de História da Fundação Perseu Abramo.