Fernando Brant
Depoimento coletado pelo Laboratório De Pesquisa Histórica do Instituto De Ciências Humanas e Sociais/Universidade Federal de Ouro Preto.
Depoimento de Fernando Brant* – Projeto "Estudantes, Universidade e a Contribuição ao Patrimônio Histórico e Artístico se Ouro Preto"
Entrevistador
Otávio Luiz Machado/Depoente: Fernando Brant/Loc al: Belo Horizonte-MG/Data: 18/04/2002
Ficha técnica
Entrevistado: Fernando Brant
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Belo Horizonte-MG
Data: 18/04/2002
Duração: 1 h
Fitas cassete: 1
Páginas: 16 págs.
Proibida a publicação no todo sem autorização. Permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte. Permitida a reprodução.
Norma para citação
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Fernando Brant a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto "Estudantes, Universidade e a contribuição ao patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto" , 2003.
Otávio Luiz Machado: Fernando, qual sua cidade natal?
Fernando Brant: Nasci em Caldas. O meu pai era juiz. Fomos dez irmãos. E cada um de um lugar. De dois em dois anos e de três e três anos mudávamos. Mas depois de Caldas fomos para Diamantina. E de Diamantina para Belo Horizonte. E aí ficamos por aqui mesmo.
Na época de estudante ocupou cargos?
Como estudante não tive cargos assim de Diretório Acadêmico, não. Eu participei muito de jornal de D.A. (Diretório Acadêmico). Eu escrevia alguma coisa. Já era mais ou menos a minha área mais para cultura do que para a política, se bem que político todo mundo é (risos).
E como surgiu a sua carreira de compositor? Foi aos poucos ou você investiu de uma vez na carreira?
Ela primeira aconteceu espontaneamente. Espontaneamente da minha parte. O que provocou a minha entrada nessa coisa de música foi o Milton (Nascimento). Ficamos amigos em 1965. E nessa época eu estava no colégio universitário. E ele já tocava na noite, já compunha e cantava, já tinha parceria com Márcio Borges. E depois ele foi a São Paulo para defender uma música do Baden Powel num festival lá, e resolveu ficar por lá para tentar a sorte e prosseguir na vida. E aí um dia a gente se encontrou – pois a gente vivia se encontrando quase toda semana com a vinda dele aqui ou a nossa ida até lá – e ele me mostrou uma música dizendo que achava que eu é quem devia fazer a letra desta música, porque ele achava que ela não era nem o tipo do que ele fazia e nem que o Márcio Borges fazia. Aí ele insistiu e insistiu, e eu acabei pegando essa música para fazer letra. Eu fiz e ela foi escrita para o festival e aconteceu, que é Travessia.
Qual o nome do Festival?
O Festival Internacional da Canção, do Rio de Janeiro, ocorrido em 1967. Então, foi a música que lançou o Milton, não só para o Brasil, mas também para o mundo, porque lá neste festival ele assinou um contrato para gravar nos EUA. Então, com isso, a primeira música eu fiz para o meu amigo. E a segunda eu sabia que ia ser gravada. Eu não sabia nesta época o que ia fazer. Sabia que seria alguma coisa ligada à área de cultura, porque o que me interessava mais era a música, o cinema, a literatura e o teatro. Eu freqüentava o pessoal mais ou menos dessa área. E com isso e com o negócio do Milton eu fiz a letra e deu certo. Fiz outra e fui continuando a fazer. Mesmo assim bem no começo ainda fazia pouco. Quem realmente caiu na vida, foi o nosso porta-voz e o cara que levou a coisa foi o Milton, que levava as canções da gente para o mundo inteiro.
Você conheceu Ouro Preto quando era repórter da revista O Cruzeiro?
Não. Eu fui antes em Ouro Preto, mas não me lembro exatamente quando. Mas, quando começou o Festival de Inverno, em 1967, o pessoal amigo meu estava indo sempre, e então eu fui com eles. E aí achei uma maravilha.
Você pensa que o Festival era um espaço para se protestar pela arte?
Tinha tudo. Protesto, mas também tinha a coisa de troca de experiência e de conhecimento. E muita gente ia pra estudar mesmo e aprender coisas novas. Muita gente começou a profissão através do que aprendeu nos festivais. Tinha aquele negócio de juventude num tempo de liberação que veio em 1968, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Aí tinha aquele negócio dos caras mais velhos ficar meio assim, porque não via com bons olhos. E tinha negócio de polícia. Mas enquanto era só local, enquanto a ditadura não ficou mais braba e começou a colocar DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) lá a coisa ia bem. Havia este atrito, mas era um negócio que era mais ou menos natural pelo que o mundo estava passando, e porque sempre este negócio de ajuntar jovem às vezes o pessoal ficava meio assim.
Você se lembra de algo envolvendo a juventude, ou da juventude sendo reprimida por lance de política?
De política, não. Às vezes tinha esse negócio de comportamento, mas ainda era uma coisa muito em função do negócio de maconha e essas coisas. Apesar de eu ter participado como repórter, junto com o Juvenal Pereira fotografando, aí eu fiz uma matéria com o Julian Beck lá em Ouro Preto. A gente fez uma matéria com umas seis páginas, que ficou assim uma coisa maravilhosa. Aí duas semanas depois ou um mês depois é que prenderam ele com negócio de maconha. E quiseram expulsá-lo. E acabaram expulsando. E aí quando virou coisa policial aí já não me chamaram. Puseram um outro cara pra fazer, pois isso aí nem me chamaram. E eu não faria. Eu ia ser contra a polícia. O negócio deles era um negócio, que hoje você vê que é uma coisa normal, mas eram pessoas diferentes. Eu me lembro dos trabalhos que eles estavam fazendo lá em Saramenha. O Living Theater foi um negócio interessante. E o gozado é que a Judith Malina, que é mulher dele, escreveu um diário na prisão aqui no DOPS de Belo Horizonte, e ela falava no diário numa hora lá que a revista O Cruzeiro tinha feito uma matéria tão boa com eles e que agora estava indo no caminho das outras. Eu me lembro que eles tinham vários exemplares da revista, porque saiu uma matéria muito bonita e totalmente favorável, era uma matéria sobre cultura. Ninguém estava discutindo muita coisa.
A ditadura de alguma forma te perseguiu por causa da revista?
Da revista, não. O que a gente teve foi aquela coisa de censura de música. O ambiente que foi se criando ao longo do tempo no país foi um negócio muito opressivo. Era um negócio difícil de passar. Depois que passa quem não viveu não consegue perceber. Mas é um negócio de desconfiança. Era uma época de sombra mesmo. As pessoas tinham medo de serem ouvidas, de falar alguma coisa e de alguém ouvir e denunciar. Quer dizer, criou-se este clima de desconfiança entre as pessoas, que é uma coisa muito ruim, né? Graças a Deus estamos livres disso, e espero que nunca voltemos a ter.
Fernando, naquela matéria que você fez em 1971 dizia que o Festival não era mais o mesmo. Você relatou isso em função da repressão?
A impressão que eu tenho é que nos primeiros anos iniciais do Festival, 67 e 68, a ditadura não era um entrave. Estava mais ou menos livre a circulação de idéias e de pessoas. A partir de um determinado momento depois do AI-5 e do (Decreto-Lei) 477, o governo militar começou a perseguir qualquer ajuntamento de jovens e estudantes. E achava que reunião de pessoa para pensar e discutir qualquer coisa era uma coisa subversiva. Então, de uma certa maneira aos poucos havia um sentimento mesmo de repressão, de medo, de ser vigiado. Apesar de que ainda tinha uma coisa de liberdade em relação ao dia-a-dia das outras cidades, quer dizer, você via que o governo militar estava de olho ali. Mandava polícia e chamava polícia. Já não era mais a cargo da guarnição local. Aí já era a cargo do DOPS, que era a polícia política. A Universidade (Federal de Minas Gerais) teve até dificuldade de dinheiro e condições de organizar o Festival. Então, nessa coisa toda você vai sentindo que está tendo um dedo de fora perturbando o livre caminhar das coisas. Por isso é que falo que as pessoas aí já estavam meio desconfiadas do olho do grande irmão, o big brother.
E você não poderia ser explicito quanto a isto?
Eu criticava o clima, mas falar diretamente era meio complicado, porque era uma revista normal que geralmente não publicava coisa contra o governo. Então entrava nessa. O texto vai indicando que a coisa era essa: o governo não está tão sereno, tem uma sonda em cima do sol da cultura que estava correndo lá.
Você sofreu alguma censura?
Não. Lá tinha essa vantagem, porque não se tinham matérias especificamente políticas. Como eu te falei: eu escrevi sobre Julien Beck e o Living Theater . Os caras nem sabiam o que era isso. Depois que os caras se instalaram lá já tinha o DOPS ali. Geralmente não era para acontecer nada com eles, porque eles não eram diferentes do pessoal que ia lá do Festival de Inverno para Ouro Preto. É que a coisa tinha mudado.
* Parte do depoimento integral – e-mail de contato: [email protected]