Qual o lugar das periferias amazônicas na COP 30?
Por: Coletivo Ponta de Lança e Profa. Dra. Marilene Corrêa
O Coletivo Ponta de Lança, integralmente constituído por jovens mulheres negras periféricas de Manaus (AM), entrevista a Profa. Dra. Marilene Corrêa e tece reflexões sobre os dispositivos que integram o mecanismo de construção da “30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas”, que ocorrerá em novembro de 2025, em Belém (PA). Nesta entrevista, evidenciam dimensões do lugar reservado aos povos da Amazônia nos debates nacionais, internacionais e globais sobre as mudanças climáticas.
Coletivo Ponta de Lança: O que representa a flagrante exclusão das instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil da Amazônia no processo de construção da COP 30?
Marilene Corrêa: representa de que lado está o poder que divide o mundo, as classes, o conhecimento, a fortuna, a credibilidade. Se eles querem a ciência mais avançada, os parâmetros dos organismos internacionais, não vão nos procurar. A certeza da audiência e da credibilidade vai depender da força que a gente conseguir emanar dessa voz. Porque pra dizer o que nós dizemos cientificamente tem muita gente.
Talvez não tanto com a experiência de vida que nós, Amazônidas, temos, porque somos daqui. Sabemos o que é fazer ciência aqui, em melhores condições em qualquer parte do mundo. Sabemos o que é viver aqui com calor, com dificuldade, pagando o Brasil mais caro do mundo. O Brasil mais custoso tá aqui, a comunicação e a comida mais cara, a saúde mais precária, o transporte mais caro, a dificuldade de acesso às instituições públicas, maior para a política de saúde, educação, empregabilidade.
A Amazônia não tem emprego, a nossa produção da riqueza é altamente concentrada. Então, penso que vai ser um diálogo difícil para ter uma visão geral. Talvez um diálogo tenso, porque nós somos sujeitos com voz, não só indígenas, não só do movimento negro, não só dos excluídos, somos pessoas, um lugar institucional do Brasil. Isso a gente tem de ter clareza. Somos uma das universidades brasileiras (UFAM). Temos a formação que a ciência brasileira conseguiu nos dar e atuamos aqui dentro do Brasil. Só que esse Brasil também é a Amazônia, e a Amazônia está no centro desse debate.
Então, como é que eu vejo hoje essa organização? Ela tem essa dimensão diplomática que vai lidar diretamente com os chefes de Estado. E eles já têm os seus interlocutores. Eu não tenho a menor ilusão. Esses interlocutores são os seus assessores, os outros chefes de Estado e os interesses econômicos, políticos, culturais, sociais e financeiros que chegam até eles. Nós somos a sociedade, o outro lado. Como é que essas vozes vão ser filtradas para chegar até a agenda deles? Nós não pensamos igual em relação ao meio ambiente, ao desenvolvimento econômico. Em relação às nossas prioridades sobre o que tornar mais urgente, à mudança climática.
Não pensamos igual nem mesmo com os nossos países de fronteira da Amazônia. Eu estava falando em justiça ambiental, eles estavam interpretando em recursos pra eles. Nós estávamos debatendo a adaptabilidade climática, eles interpretando como as empresas precisam compensar os trabalhadores pra extrair mais, eles estão preocupados com desenvolvimento. E a gente está debatendo e criticando o desenvolvimento. Então, eu acredito que é uma conversa difícil, já falei, tensa, porque ela vai ser muito diversa. Ela não vai ter só diversidade étnica, cultural, econômica e política. Ela vai ser desigual do ponto de vista da validação e do reconhecimento da legitimidade desse discurso. Então, essa é uma conversa difícil.
Mas eu acho que essa conversa vai ser pra valer, porque agora nós temos exemplos dessa mudança climática impactante. A Amazônia profunda é totalmente desprovida de justiça climática. Se existe um lugar onde a injustiça atinge a todos é com as populações desprovidas da Amazônia, ribeirinhas, as periferias das cidades amazônicas, que são terríveis, com ausência de recursos. Mas cada lugar tem um modo de receber e de sofrer essa injustiça e também de lutar contra ela. Então, para mim, essa é a dificuldade e será a tônica de um modo geral.
Por que você considera importante que a metodologia de sistematização dos interesses dos segmentos sociais sejam elaboradas por instituições de pesquisa da Amazônia? E por que é preciso ter vigilância sobre a metodologia a ser aplicada na formulação do documento final da COP 30?”
Exatamente para não ser excluído. Para que aquelas vozes apareçam. Para isso não parecer só uma revolta ou uma coisa episódica. O que a gente teria que mostrar? Que esses projetos são desiguais, são de longa duração, que há pessoas inocentes desses processos de longa duração que já sobreviveram a várias gerações e já foram eliminadas na mesma condição e nada mudou. Então, é um registro de que, a partir do momento de uma urgência climática, essas populações têm que ser priorizadas. E nós não temos o item que esses trabalhadores pedem, somos muito injustos ambientalmente. Essas pessoas vão ser mantidas na condição de injustiçados do clima, da problemática ambiental, das políticas que recepcionam esses investimentos externos que fazem para as ONGs, para os assessores internacionais. Como é que nós vamos ter acesso a isso?
O que está em causa na verdade é a nossa sobrevivência, nós vamos promover um novo esvaziamento das cidades da Amazônia ou uma nova reconfiguração da estrutura demográfica da Amazônia? Trazendo pessoas que moram em locais impróprios e não podem ser mais impactadas para a cidade? Como é que elas vão sobreviver, vamos criar campo de refugiados ambientais? Como a gente vê dos refugiados de guerra? (…) Eles vão correr para onde tiver um pouquinho mais de recurso, em caso de catástrofes, em caso de deslocamentos populacionais, de grandes epidemias que estão sendo esperadas, de busca de recursos, de comida, de remédio e de alternativas de sobrevivência, vão correr para onde? Manaus. Aqui pode ter certeza que vai ser uma das cidades de acolhimento, porque tem sido assim, né? Manaus recebe excluídos de várias partes do país, e vai ser assim também na questão das mudanças climáticas.”
A COP é o órgão supremo de tomada de decisões da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Nela, as Partes1 revisam a implementação da Convenção e de quaisquer outros instrumentos legais que a COP adote (como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris), e tomam as decisões necessárias para promover a implementação efetiva desses instrumentos. Diante da implementação de protocolos que inviabilizam a efetiva participação das instituições de pesquisa e dos movimentos sociais representativos de povos e comunidades tradicionais da Amazônia, Marilene Corrêa conclui:
“O que nós vamos pôr lá na COP? É a partir do barulho, nós vamos gritar. Não sei se vai ser igual aquela cúpula que houve na Espanha que gerou grito dos excluídos a partir de uma cúpula. Os indignados geraram depois aquele movimento em 2013, foi a partir de uma cúpula que aconteceu em algum lugar da Europa.”