“Protocolaço” traz medidas para permanência dos alunos e melhores condições de estrutura; política tem inspiração na rede nacional instituída recentemente por Lula. Leia a edição da revista
Cursinhos populares ganham apoio com projetos de lei em câmaras municipais
crédito: arquivo / UneAfro Brasil

Aluno do Ensino Médio durante a pandemia, Caio Resende teve apenas dois meses de aulas presenciais em 2020, na ETEC de Perus, bairro da zona Noroeste de São Paulo, onde vive. O sonho inicial na área de robótica foi ficando de lado diante da grade curricular quase toda no formato remoto, com atividades presenciais somente no último período, perto de se formar. 

As dúvidas sobre quais caminhos seguir para chegar à universidade, comuns a todos os estudantes, são ainda mais presentes na vida de jovens da periferia, que, em boa parte dos casos, têm a necessidade de começar a trabalhar mais cedo, o que deixa a preparação para o vestibular ainda mais difícil. Nesse sentido, os cursinhos populares aparecem como uma opção que, de fato, pode ser capaz de transformar vidas. 

Bastante ativo, o bairro de Perus abriga a Comunidade Quilombaque, uma associação comunitária, que mantém vivas tradições culturais como o Jongo, além de promover debates políticos e eventos diversos para o conjunto de moradores. Em parceria com a Uneafro (União de Núcleos de Educação Popular para Negras, Negros e Classe Trabalhadora), em 2019, a Quilombaque passou a abrigar um também um núcleo de cursinho popular.

Caio foi aluno do cursinho e conta com entusiasmo sobre esse momento de estudo. “Eles preparam a gente também enquanto ativistas dentro da universidade, para questionar as coisas, é uma abordagem diferente de ensino. Muito do que aprendi ali eu não tinha visto nem no Ensino Médio, nem no Fundamental; e mesmo as coisas que já tinha visto, acabei vendo a partir de outra perspectiva”, diz.

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Caio Resende, aluno do cursinho Uneafro – núcleo Quilombaque.
crédito: arquivo pessoal.

Com a preparação no cursinho da Uneafro – núcleo Quilombaque, Caio passou no vestibular da PUC-SP, onde cursa atualmente o quarto semestre de Comunicação e Multimeios, bolsista pelo ProUni. 

O estudante considera importantes as atividades promovidas pelo cursinho, e destaca um passeio à exposição da obra de Abdias Nascimento e as aulas a partir das letras dos Racionais MC ‘s, no processo de preparação para a redação. “Eu ficava em casa fazendo muitas e muitas redações, me preparando, escrevia muito, depois marcava de encontrar colegas na biblioteca para estudar, fazer os exercícios das apostilas”, lembra. 

Diferente dos cursinhos tradicionais, as aulas nessa modalidade são ministradas por professores voluntários e, em geral, ocorrem somente aos sábados. A desistência dos alunos, pelas inúmeras dificuldades enfrentadas em conciliar trabalho e estudo, é um ponto de atenção. Dos 30 alunos que começaram junto com Caio, apenas oito chegaram ao final do ano para prestar o vestibular. 

“Mesmo sendo só um dia na semana, quase todos que abandonaram foi por causa do trabalho. Uns chegavam tarde na sexta e estavam muito cansados, outros trabalhavam no sábado, era complicado dar conta de estudar, e ainda tentar ter contato com o material durante a semana”, destaca o estudante.

Municipalização da política pública

A par da necessidade de incentivo público, mais de mil jovens vereadores petistas de diversas cidades brasileiras organizaram na segunda-feira (11), Dia do Estudante, uma ação em conjunto nas Câmaras Municipais chamada de “Protocolaço dos Cursinhos Populares”, com o objetivo de viabilizar o fortalecimento e a possibilidade de ampliação dos trabalhos dos cursinhos.

Entre os vereadores envolvidos, está Luna Zarattini, eleita com expressiva votação e líder do partido na Câmara de São Paulo. A vereadora, que tem origem no movimento estudantil, foi uma das fundadoras do cursinho popular Elza Soares, em 2018, com trabalhos na comunidade São Remo, vizinha de muro da USP, a Universidade de São Paulo. “São muros visíveis e invisíveis, que impedem que essa juventude acesse”, opina Zarattini.

Sobre o protocolaço, a vereadora conta que a ideia surgiu da necessidade de propagar e fortalecer a CPOP, que é a Rede Nacional de Cursinhos Populares, do governo federal. A política pública foi instituída em março deste ano, com R$ 74 milhões para 324 cursinhos até 2027. 

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crédito: Comunicação Luna Zarattini

De acordo com Zarattini, os projetos municipais se relacionam com medidas para assegurar alimentação, material, passe-livre e bolsas tanto para alunos quanto para os professores voluntários. 

“É uma política pioneira e de muita coragem do presidente Lula, é a primeira vez que um governo apoia os cursinhos populares, que, geralmente, são iniciativas de jovens recém-formados, que aplicam metodologias de Paulo Freire e que não apenas têm como foco apenas o vestibular, mas também uma formação cidadã”, afirma Luna Zarattini.

 Na Câmara de São Paulo, há um grupo de trabalho sobre o assunto criado pela Comissão de Direitos Humanos e, segundo a vereadora, a ideia é buscar novos apoios e estabelecer uma Frente Parlamentar em defesa dos cursinhos populares.

Principais desafios

Com milhares de aprovações em vestibulares concorridos Brasil afora, o cursinho popular da Uneafro atua enquanto movimento social e esbarra cotidianamente com a questão da falta de apoio. 

A rede fundada em 2009, no contexto da luta por cotas raciais, coloca como principais pontos para melhoria: os espaços físicos, pois a maior parte dos núcleos opera em locais emprestados, como igrejas, sindicatos e associações de bairro; a alta rotatividade por conta do regime voluntário dos professores; a busca por financiamento e os desafios de se manter enquanto movimento político e não uma ONG burocratizada.  

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Aula inaugural – crédito: UneAfro Brasil

“Sem apoio estruturado do poder público, os cursinhos seguem existindo apenas pela força militante. Com apoio, podem se tornar pilares de democratização do ensino superior e da justiça racial no Brasil”, aponta Douglas Belchior, um dos fundadores da rede. 

O ativista do movimento negro e da educação defende que é importante que exista um diálogo concreto e direto entre o poder público e o movimento, com o entendimento das demandas, para que a política de apoio funcione.