Tarifaço de Trump enfraquece presidente dos EUA e fortalece Lula, diz especialista
Professora da Unifesp analisa impactos do tarifaço e afirma que pressões internas nos EUA podem frear Trump mais que ações externas, enquanto Lula colhe ganhos políticos

O endurecimento tarifário imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Brasil já afeta seu capital político dentro do próprio país e, ao mesmo tempo, impulsiona a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A avaliação é da professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Carolina Pedroso, que analisou os impactos diplomáticos, econômicos e políticos do chamado tarifaço.
Segundo Carolina, apesar da postura autoritária e da resistência de Trump a críticas externas, o principal freio à sua política comercial tende a vir de fatores domésticos. Ela lembra que o histórico das relações internacionais dos EUA demonstra que o sistema multilateral, em grande parte moldado por Washington, raramente consegue enquadrar o país quando este desrespeita o direito internacional. Como exemplo, cita a atuação norte-americana no Oriente Médio.
Especialista aponta que efeitos negativos das tarifas nos EUA abrem espaço para negociação e fortalecem politicamente o governo Lula
“No caso das tarifas brasileiras, vemos uma correlação com interesses internos: a lista de exceções inclui setores e mercados estratégicos da economia norte-americana que sofreriam impactos diretos se as tarifas fossem aplicadas integralmente”, explica.
Para a professora, não há, no horizonte, uma força externa capaz de conter as imposições de Trump. “Nem mesmo a União Europeia conseguiu impor limites na negociação bilateral, de modo que os possíveis freios ou contrapesos estão mais facilmente dentro dos EUA do que fora.”
Negociação difícil, mas inevitável
Apesar das tensões, o governo brasileiro busca manter o diálogo. Trump já sinalizou, em declarações públicas, que estaria disposto a negociar, embora tenha emitido sinais contraditórios. Segundo Carolina, essa postura não é exclusiva na relação com o Brasil e já foi observada em outros casos.
“Não há outro caminho que não a negociação. Tudo vai depender da pressão interna nos EUA para mitigar os efeitos negativos que já começam a surgir no próprio mercado norte-americano”, afirma.
A professora observa que alguns estados e setores dependem diretamente de insumos e produtos brasileiros, o que torna a escalada tarifária economicamente arriscada para a base eleitoral de Trump.
Personalismo e cálculo político
A imposição de tarifas não é novidade na política comercial dos EUA, mas Carolina destaca que, no caso atual, a intensidade da medida reflete um perfil personalista e combativo do presidente.
“Trump adota uma visão maniqueísta dos negócios, em que, para um lado ganhar, o outro precisa perder. No segundo mandato, ele parece mais disposto a elevar as apostas do que no primeiro”, avalia.
Entre as razões, cita o respaldo político obtido em 2022. “Diferentemente de 2016, ele venceu com a maioria dos votos populares. Mesmo com uma agenda mais radical, não surgiu um projeto de poder alternativo capaz de derrotá-lo. Ele interpreta esse resultado como um aval popular para seguir em frente com medidas drásticas, por mais imprevisíveis que sejam.”

Estratégia brasileira e ganhos políticos
Para Carolina, a reação de Lula tem sido equilibrada, reforçando a defesa da soberania nacional e rejeitando a justificativa estadunidense para aplicação das tarifas. O Brasil, segundo ela, tem buscado simultaneamente canais diplomáticos e cooperação com o setor privado, além de acionar mecanismos multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC).
“Parte da sociedade brasileira que antes ignorava ou desacreditava na ingerência dos EUA sobre assuntos internos passou a perceber que esse risco é real. Esse aprendizado político, por si só, é um ganho. Também houve aproximação entre o governo e setores do empresariado, embora não haja garantias de que essa convergência se mantenha até as eleições presidenciais”, pondera.
BRICS como alternativa em construção
Em relação a possíveis saídas estratégicas para o Brasil, Carolina afirma que o BRICS ainda não oferece uma resposta plena à hegemonia norte-americana, mas caminha nesse sentido.
“Ainda é mais reativo do que proativo no caso específico do tarifaço, mas reúne economias pujantes que, juntas, superam o G7 em peso econômico. É um arranjo em ascensão e um farol para o futuro do multilateralismo.”
Para a professora, o episódio reforça a necessidade de o Brasil diversificar suas parcerias internacionais e ampliar a cooperação Sul-Sul, não apenas como resposta imediata ao embate com os EUA, mas como estratégia de longo prazo para reduzir vulnerabilidades diante de medidas unilaterais.