Levantamento aponta que a maior parte dos municípios brasileiros está em situação de vulnerabilidade para desastres do clima

Eventos climáticos: qual o papel das prefeituras para tornar as cidades mais preparadas?
Cidades estão preparados para novos cenários? Na imagem, socorristas navegam de barco por ruas de Porto Alegre, capital do RS,, durante a cheia de 2024 Foto: Rafa Neddemeyer/Agência Brasil

Com o agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, a preocupação em debater medidas de prevenção é maior —  o que não significa dizer que já existe clareza sobre quais as responsabilidades diante do tema nas diferentes esferas de poder. 

Dados compilados pela Agência Pública a partir da plataforma AdaptaBrasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, apontam que uma em cada três cidades brasileiras apresentam risco de impacto alto ou muito alto para desastres como deslizamentos de terra, inundações, enxurradas e alagamentos. São 1.641 dos 5.570 municípios. 

Além do número elevado, por si só, há o agravante de que a parcela representa o local de moradia de 50% da população do país. Na contabilização das cidades que apresentam a modalidade de riscos graves tanto para deslizamentos como para inundações, estão 907 municípios; capitais como Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, Natal, Maceió, Macapá e Manaus são alguns exemplos. 

Com esse panorama, o papel da gestão municipal fica bastante evidenciado, principalmente, porque é na cidade que as pessoas vivem e os atendimentos de  emergências ocorrem. Mas, o assunto ainda segue pouco explorado nas campanhas eleitorais deste ano, por exemplo. 

Para Tiago Ciarallo, mestre em Políticas Públicas e Economia Internacional, que atua como assessor para Transformação Ecológica no Senado Federal, apenas vontade política não basta para que o tema ganhe destaque, é necessário também que os recursos cheguem aos municípios e que haja conhecimento técnico para lidar com o assunto, além do envolvimento da população neste contexto. 

“Eu não consigo ver um prefeito sozinho com sua Câmara Municipal sendo um ator único nesse processo, a gente precisa construir aqui no Brasil uma ampla rede de participação com a sociedade civil”, opina Ciarallo. 

O que cabe ao município

Eventos climáticos: qual o papel das prefeituras para tornar as cidades mais preparadas?

Levantamento aponta que a maior parte dos municípios brasileiros está em situação de vulnerabilidade para desastres do clima
 O município de São Sebastião Foto: Defesa Civil SP/São Sebastião 

Apesar da importância da destinação de recursos, é possível pensar em uma gestão destinada às boas práticas adaptativas sobre mudanças climáticas. “É preciso que as medidas estejam alinhadas no Plano Diretor, isso precisa ser disputado, esse é um dos desafios. A gente pode falar ao mesmo tempo das construções das casas, das estruturas de vias quando o assunto são as enchentes, quais são as estruturas esponja que a gente vai colocar ou como a gente consegue evitar o espalhamento de áreas concretadas”, explica o assessor parlamentar. 

Ações municipais como a canalização de rios, a falta de fiscalização sobre as ocupações em locais de risco e a redução das áreas verdes fazem parte do pacote sobre os cuidados que os prefeitos devem tomar. Além disso, a gestão da mobilidade urbana (com a possibilidade de transformar frotas de ônibus menos poluentes) e os cuidados com o direcionamento correto dos resíduos sólidos também estão na jurisdição das prefeituras. 

A partir das desigualdades territoriais e sociais que existem dentro de uma cidade é possível observar bairros sendo afetados de maneiras diferentes em um mesmo contexto de chuvas. Tiago Ciarallo lembra do conceito de racismo ambiental e destaca o trabalho positivo da Secretaria Nacional de Periferias, do Ministério das Cidades, liderada por Guilherme Simões, na destinação de recursos relevantes com foco em gerenciar o problema nas áreas de encostas.  

Resiliência e sistemas de alertas

O levantamento a partir dos dados da AdaptaBrasil trouxe a informação preocupante de que 66% do total de municípios do Brasil (3.679) possuem uma capacidade adaptativa baixa ou muito baixa para deslizamentos de terra e uma situação semelhante para enxurradas (3.739). 

O que quer dizer que a maior parte das cidades brasileiras ainda não são resilientes às alterações climáticas. O conceito de resiliência climática significa a capacidade de indivíduos, comunidades e sistemas socioeconômicos e ambientais se adaptarem, recuperarem e transformarem perante as mudanças climáticas. 

Outro ponto a ser debatido é a falta de preparo em casos de desastres, pois apenas 1.072 municípios (19%) possuem ferramentas como sistemas de alerta antecipado para avisar a população em caso de deslizamentos de terra; somente 1.178 cidades operam algum tipo alerta relacionado a inundações. 

Pacto pela Transformação Ecológica

“Nós transformamos a natureza em dinheiro e agora temos que transformar dinheiro e, restauração e preservação da natureza se quisermos continuar vivendo”, aponta a ministra do Meio Ambiente. Marina Silva coordena os trabalhos do Plano Clima, que é um guia da política climática brasileira até 2035. 

Segundo a pasta, ele terá dois pilares. O primeiro é a Estratégia Nacional de Mitigação, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o segundo é a Estratégia Nacional de Adaptação, para diminuir a vulnerabilidade de cidades e ambientes naturais às mudanças do clima e garantir melhores condições de o país enfrentar os eventos climáticos extremos. Os componentes de mitigação e adaptação também terão planos setoriais.

Na última quinta-feira (22), em cerimônia no Palácio do Planalto, os presidentes do Três Poderes assinaram o Pacto Pela Transformação Ecológica, um acordo para que Legislativo, Executivo e Judiciário atuem de forma integrada na promoção do desenvolvimento sustentável no país.

Tiago Ciarallo acompanhou os trabalhos no Senado e afirma ter como expectativa uma cooperação para que seja possível avançar. “Esperamos uma cooperação que se espalhe pelos três poderes, agora temos um ambiente de governança para pensarmos como a gente aterriza essas políticas fora das lógicas de grupos de poder”, diz o pesquisador em políticas públicas. 

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