De longa duração e heterogêneo, o movimento reagrupou as elites depois que  o protagonismo negro despertou o temor de uma revolta parecida ao do Haiti

Memória: Balaiada, uma revolta de frente ampla
Foto: cena da peça Negro Cosme em Urgência, do grupo Cena Aberta, do Maranhão. Divulgação

Um movimento rebelde que durou dois anos, chegou a contar entre 6 a 12 mil homens armados e conseguiu unir numa mesma frente negros aquilombados, homens livres pobres, forros, indígenas, jagunços, comerciantes e, até determinado momento, ter apoio e participação de senhores de engenho e proprietários de rebanhos. A Balaiada, cujo marco inaugural oficialmente admitido foi o dia 13 de dezembro de 1838, na província do Maranhão, tem ingredientes que a inserem na galeria das grandes lutas brasileiras.

A complexidade e heterogeneidade das forças em combate, se por um lado apontava para um grande potencial de ruptura, explica em parte também sua derrota, sob massacre das tropas a serviço do poder central e capitulações no seio do movimento.

O quadro político se dava no período em que Pedro II, menino, era substituído no comando da corte por um regente. O país tinha uma constituição nova, que sofrera certa influência dos movimentos republicanos que tinham obtido sucesso em países vizinhos. Por isso, alguns de seus preceitos tocavam em pontos como a interdição de medidas arbitrárias.

Para as oligarquias locais, o desacordo do texto constitucional com a centralização das decisões políticas no Rio de Janeiro era um incômodo. Ao mesmo tempo, a perda de vigor econômico, face ao crescente domínio internacional do algodão produzido na região sul dos Estados Unidos, ajudava a compor um estado de insatisfação com os rumos ditados pela Regência.

Outro ingrediente era o alistamento obrigatório de contingentes de escravos e pobres livres para integrar forças de combate a serviço da presidência da província do Maranhão. Mais do que contrariar o espírito da constituição em vigor, a medida, recém-imposta, era vista pelos senhores de engenho e proprietários como perda de receita. 

Em 13 de dezembro de 1838, o vaqueiro Raimundo Gomes invade a cadeia da cidade de Manga e liberta seu irmão, preso por um líder político local, e junto promove a fuga de outros detentos, que haviam sido vítimas do alistamento militar compulsório. A soldadesca encarregada de impedir o assalto acabou se juntando a Gomes. Começam os combates. Setores oligárquicos se dividem, e alguns proprietários apoiam os bem-te-vis, designação algo genérica do grupo que se opõe aos governos da província e da capital.

Apesar de Gomes não desejar, de início, a participação de escravos (manifesto cuja escrita é atribuída a ele proclama “fora feitores e escravos”), a luta se amplia, com a adesão de negros aquilombados. Aos balaios, como serão chamados os rebeldes, juntam-se os escravos e os “homens de cor”, nome dados aos negros livres. O termo Balaiada, aplicado posteriormente ao movimento revoltoso, é associado a Manuel dos Anjos Ferreira, fabricante de balaios (cestas de vime), que se somou à luta, segundo algumas versões, por se recusar a ver seus filhos forçados a se alistar. Ironicamente, o principal propósito desses alistamentos era compor tropas para se precaver contra revoltas populares.

Memória: Balaiada, uma revolta de frente ampla
Foto: Divulgação/Grupo Cena Aberta

Maior que Manuel Balaio foi a figura de Cosme Bento Chagas, o Negro Cosme. No comando de mais de 3 mil negros do Quilombo Tocangueira, aderiu à revolta e tinha uma plataforma ousada: libertação de todos os escravos e fundação da uma república, que seria comandada a partir do território que ocupava, no Maranhão.

Negro Cosme tinha entre suas referências a revolução em Santo Domingo, em que negros haviam libertado a si mesmos e fundado uma república que se chamaria Haiti. O temor de uma revolução negra e popular, ao estilo haitiano, assustou os setores oligárquicos que, no início, haviam simpatizado com o movimento.

A tomada, pelas tropas rebeldes, da cidade de Caxias, em 1839, encheu de pânico os ricos e poderosos que ficavam em São Luiz, a menos de 300 km dali. O governo central adotou progressivamente medidas para derrotar os revoltosos. Aproveitando-se do fato de que não havia um comando centralizado das forças rebeldes, propôs anistia aos coronéis que haviam formado ou comandado milícias. Alçou Pedro II à maioridade, tornando-o imperador. E, especialmente, encarregou o militar Luís Alves de Lima e Silva do comando das tropas imperiais de repressão. Em 1840, Lima e Silva retomou a cidade em poder dos revoltosos. No futuro, o feito iria lhe valer o título de duque de Caxias.

Negro Cosme comandou até o fim o último bastião de resistência, no Quilombo do Calabouço, com uma tropa de 200 quilombolas. Em fevereiro de 1842, com sua prisão, a revolta perde ímpeto. Em setembro daquele ano, Cosme foi enforcado em praça pública.