O assassinato de um trabalhador despertou o movimento sindical no Brasil. A imprensa registrou a morte de José Martinez transformando o enterro dele numa forte manifestação política

Isaías Dalle

Um dos episódios mais marcantes da história do movimento sindical brasileiro, a Greve Geral de 1917 reuniu diversos ingredientes que ecoam no tempo e servem de inspiração até hoje. O dia 9 de julho, data em que foi assassinado a tiros o operário José Martinez, espanhol de 21 anos, é considerado a data da eclosão da greve.

A morte do jovem espanhol não teria tido a mesma força catalisadora, se dependesse apenas da vontade das forças de repressão. A Força Pública paulista provavelmente faria o que fez com os corpos de outros operários abatidos nos dias seguintes, enterrando-os em valas comuns, como atestam relatos da imprensa.

Mas um episódio pode ter sido decisivo para que a morte de Martinez tenha adquirido a dimensão e influência com que ficou registrada. No dia 10, a revolta de um irmão do espanhol, embriagado, a xingar policiais que caminhavam pela rua e acusar a Força Pública pelo assassinato, começou a mudar o rumo da história.

Detido, esse irmão foi levado à presença do delegado e lá contou sua versão sobre a morte de José, cujo corpo, àquela altura, ainda jazia no necrotério. O jornal “O Combate”, em sua edição do dia 10 de julho, registrou a detenção e o testemunho do irmão, cujo nome não foi divulgado. A reportagem permaneceu no caso e acompanhou a autópsia. Os legistas ainda arriscaram uma fake news, atribuindo a outros grevistas os disparos fatais que atingiram o jovem operário. Não convenceram.

Martinez, trabalhador de uma fábrica de sapatos, estava próximo a uma manifestação de grevistas na região do Brás, bairro operário de São Paulo, quando foi baleado. No dia 11 de julho, seu cortejo fúnebre, que percorreu aproximadamente 11 km entre a casa em que morava, na rua Caetano Pinto, no Brás, e o cemitério do Araçá, tornou-se uma poderosa manifestação política, com milhares de participantes, que fizeram ao menos dois comícios ao longo do trajeto. A greve, até então localizada em algumas fábricas, espalhou-se e parou a capital a partir dali. O movimento espraiou-se.

A Greve Geral de 1917, organizada com a ajuda de comitês operários em diferentes bairros da cidade, teve forte participação e liderança das mulheres, que compunham significativa parcela da força de trabalho na indústria têxtil. O comando da Greve, composto por militantes anarquistas, socialistas e comunistas, soube se comunicar bem com a população, destacando reivindicações de interesse geral, como a exploração das crianças, o assédio sobre as mulheres e a carestia que assolava toda a cidade.

Em 2017, ano do centenário da greve, projeto legislativo transformou o 9 de julho no Dia de Luta Operária na cidade. Naquela data, a Fundação Perseu Abramo e a CUT instalaram um memorial, na quadra em que Martinez foi enterrado, no cemitério do Araçá. •

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