Éramos cinco: BRICS são agora o grande bloco do Sul Global
Os BRICS são agora o grande bloco do Sul Global, detendo as maiores reservas de petróleo, gás e alimentos do planeta. Cúpula é histórica e marca o ingresso de Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos
A mídia global acompanhou com atenção a 15ª Reunião de Cúpula do BRICS — o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os líderes das cinco nações anunciaram a entrada de seis novos países: Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos. Com a ampliação, o bloco de nações que expressam a força do Sul Global ganha mais relevância, a partir de 1º de janeiro de 2024, quando as 11 nações — ou o BRICS Plus ou BRICS+ — passam a deter as maiores reservas de petróleo, gás natural e alimentos do planeta.
“Éramos chamados de terceiro mundo. Agora somos Sul Global. É um passo importante porque o mundo está mudando. A geopolítica começa a mudar e a gente ganha consciência que os países em desenvolvimento precisam se organizar. Queremos garantia que sejamos ser tratado em igualdade de condições”, comentou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente da China, Xi Jinping, descreveu a expansão como “histórica”. Ele foi o principal defensor da admissão de novos membros, apresentando um BRICS ampliado como uma maneira de o Sul Global ter uma voz mais forte nos assuntos mundiais. Lula também ressaltou que a mudança é relevante.
“Neste mundo em transição, o BRICS nos oferece uma fonte de soluções criativas para os desafios que enfrentamos. A relevância do BRICS é confirmada pelo interesse crescente que outros países demonstram de adesão ao agrupamento. Entre os vários resultados da cúpula de hoje, ressalto a ampliação do BRICS, com a inclusão de novos membros”, declarou.
Vladimir Putin não compareceu pessoalmente à cúpula de três dias, pois enfrenta um mandado de prisão emitido pelo tribunal penal internacional, mas a ampliação do BRICS dá um impulso a ele, enquanto luta contra o esforço liderado pelos EUA para isolar Moscou e forçar a retirada e o fim da guerra.
Essa é a primeira grande expansão do BRICS desde 2011, quando ocorreu a entrada da África do Sul. Com a participação dos novos membros, o BRICS terá cerca de 46% da população e quase 36% do PIB global em paridade de compra. A adesão foi oficializada na Declaração de Joanesburgo, documento acordado entre todos os atuais integrantes do bloco.
Arábia Saudita, Rússia, China, Irã e Emirados Árabes estão entre os oito maiores produtores de petróleo do mundo. Quanto ao gás natural, Rússia, Irã, China e Arábia Saudita estão entre os principais. Por sua vez, China, Índia, Brasil e Rússia são expoentes na produção agrícola global.
A mídia internacional destaca que o BRICS passa a exercer enorme influência e é a marca de um novo grupo. Mais de 40 países manifestaram interesse em aderir ao BRICS, e o tema esteve entre os principais debates da cúpula de Joanesburgo, que também definiu os critérios para a futura entrada de novas nações no bloco.
Outro anúncio da Declaração de Joanesburgo é a de que os bancos centrais e ministérios da Fazenda e Economia de cada país ficarão responsáveis por realizar estudos em busca da adoção de uma moeda de referência do BRICS para o comércio internacional, diferente do dólar. “Essa medida poderá aumentar nossas opções de pagamento e reduzir nossas vulnerabilidades”, destacou Lula.
O grupo também acordou seguir em busca de uma reforma da ONU, especialmente em relação ao Conselho de Segurança da organização, para torná-la mais “democrática, representativa, efetiva e eficiente”. O BRICS defende aumentar a “representação dos países em desenvolvimento na composição do conselho para que ele possa responder adequadamente aos desafios predominantes globais”.
A declaração manifesta apoio às “aspirações legítimas de países emergentes e em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina de desempenharem um papel maior nos assuntos internacionais, particularmente nas Nações Unidas, inclusive no Conselho de Segurança”.
Lula destacou que os países do BRICS seguirão na defesa de temas que impactam diretamente na qualidade de vida das populações do bloco, como o combate à fome, à pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável. “Que o BRICS continue sendo força motriz de uma ordem mundial mais justa e ator indispensável na promoção da paz, do multilateralismo e na defesa do direito internacional”, disse.
Um dos compromissos de Lula na quinta-feira, 24, foi a participação no evento Diálogo de Amigos do BRICS, que reuniu lideranças de mais de 40 países interessados em participar do grupo. Na ocasião, o presidente lembrou que o Brasil vai assumir a presidência do G20 em dezembro e quer recolocar a redução das desigualdades no centro da agenda internacional.
“A presença, aqui, de dezenas de líderes do Sul Global mostra que o mundo é mais complexo do que a mentalidade de Guerra Fria que alguns querem restaurar”, disse. “Em vez de aderir à lógica da competição, que impõe alinhamentos automáticos e fomenta desconfianças, temos de fortalecer nossa colaboração. Um mundo com bem-estar para todos só é possível com uma ordem internacional mais inclusiva e solidária”.
Lula ressaltou que a discussão passa, necessariamente, por uma maior representatividade para a África. “Por isso defendemos o ingresso da União Africana como membro do G20”, disse. “Com minha vinda à África do Sul, pretendo inaugurar uma nova agenda de cooperação entre o Brasil e a África”. Em Angola, Lula convidou o presidente João Lourenço para participar da reunião do G20 no próximo ano
De acordo com o presidente, muitas das respostas para a construção de um mundo mais equitativo estão na África. “A Covid-19 ceifou milhões de vidas, mas – apesar dos obstáculos injustificáveis ao acesso a vacinas – a África apresentou taxas de mortalidade baixas. Enquanto preocupações de segurança limitam cada vez mais o compartilhamento de tecnologias, a União Africana lança estratégia de transformação digital e centenas de startups e centros de inovação surgem na África”, destacou.
Ele acrescentou que, ao mesmo tempo em que proliferam medidas unilaterais que ameaçam a integridade do regime comercial, o continente africano se transforma na maior área de livre comércio do planeta, com 1,3 bilhão de pessoas e um PIB combinado de US$ 3,4 trilhões.
“À medida que órgãos multilaterais falham ao responder a ameaças à paz, a União Africana assume crescente protagonismo na resolução de conflitos. De um lado, alianças excludentes renascem e acirram tensões, e, de outro, países africanos e latino-americanos se unem para preservar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul”, afirmou o presidente.
Para a Argentina, enfrentando problemas econômicos, a adesão do país ao BRICS representa uma potencial tábua de salvação para escapar da crise em aprofundamento. O presidente Alberto Fernández disse que representava um “novo cenário” para o país. “Abrimos nossas possibilidades de ingressar em novos mercados, de consolidar mercados existentes, de aumentar o investimento, de criar empregos e aumentar as importações”, declarou.
A Etiópia se tornou o único país de baixa renda do grupo. O primeiro-ministro Abiy Ahmed descreveu isso como “um grande momento” para seu país.
Quase duas dúzias de países se candidataram formalmente para se juntar ao grupo, mas tinha que haver consenso entre os cinco membros para que os países candidatos fossem admitidos. O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, disse que os membros concordaram com “os princípios orientadores, padrões, critérios e procedimentos do processo de expansão da Brics”. No entanto, esses critérios não foram explicados. A Indonésia, por exemplo, com uma população de 274 milhões e uma força poderosa na Ásia, se candidatou para se juntar, mas não foi admitida.