O grupo britânico Blur — um dos mais expressivos da cena roqueira dos anos 90 — lança um novo disco de inéditas, o belo e melancólico “The Ballad of Darren”, em que retrata as decepções e tristezas no Reino Unido e mostra porque a sensação de perda é grande e embala o verão do pessimismo

Olímpio Cruz Neto

Eles foram uma das bandas mais criativas da cena inglesa nos anos 90, energizaram o planeta com a invasão britânica — ao lado dos rivais Oasis — naquela década em que parecia legal ser inglês e qualquer moleque no mundo tinha voltado a querer tocar guitarras. A última grande sensação do rock britânico tinha se dado nos anos 70, com o punk, ecoando ainda a eclosão da primeira invasão nos loucos anos 60. Agora, estão na lida.

O grupo Blur, formado por Damon Albarn (voz, piano e guitarras), Graham Coxon (guitarras), Alex James (baixo) e Dave Rowntree (bateria) voltou a brilhar, 30 anos depois do Britpop marcar o verão na terra dos Beatles e Rolling Stones. E não decepciona. Em julho, a banda se apresentou pela primeira vez no estádio Wembley — o Maracanã dos bretões — um feito inédito para um grupo que retrata a vida dos ingleses, como cronistas de seu tempo — tal qual Ray Davies fez com os Kinks a partir de 1964 e os Smiths na era Thatcher.

A volta do quarteto não deixa de ser um revival nostálgico, mas o grupo liderado por Albarn — que também é a cabeça pensante por trás  Gorillaz e Africa Express —, fez muito mais. Compôs uma obra de seu tempo — sombria e esquisita, como os dias em que vivemos. “O disco é um registro de tremor; reflexão e comentário sobre onde nos encontramos agora”, sintetiza o vocalista.

O álbum remete imediatamente aos trabalhos anteriores, mas sem parecer um pastiche ou arremedo dos velhos tempos. Há uma clara evolução no som dos caras e a poesia de Albarn permanece intocada,  com letras reflexivas a serviço de sua voz, aqui e ali emulando o melhor de David Bowie — por sinal, um grande fã do grupo. É um belo disco que evoca o melhor da poesia pop, a cozinha firme do grupo e as lindas guitarras de Coxon tecendo espaço para as melodias e — aqui e ali — um balanço efusivo dos velhos tempos, como em “St. Charles Square” e a belíssima “Barbaric”.

A letra é tocante e muito triste: “Now you can’t play to every taste/ The powder keg of common cause/ All of us carry trauma/ And in owe of an explanation/ I will pour oil from the cup on the pyre of abdication” (em tradução livre: “Agora você não pode jogar para cada gosto/ O barril de pólvora de causa comum/ Todos nós carregamos traumas/ E devido a uma explicação/ Vou derramar o óleo do copo na pira da abdicação”.

A letra é forte e carregada de significados e imagens pesadas: “Now where are we going?/ We have lost, the feeling that we thought we’d never lose/ It is barbaric, darling/ We have lost the feeling that we thought we’d never lose/ Now where are we going?/ We have lost, the feeling that we thought we’d never lose/ It is barbaric”. (Em tradução livre: “Agora, para onde vamos?/ Perdemos, o sentimento que pensávamos que nunca perderíamos/ É bárbaro, querida/ Perdemos o sentimento que pensávamos que nunca perderíamos/ Agora, para onde vamos?/ Perdemos, o sentimento que pensávamos que nunca perderíamos/ É bárbaro”).

O Blur é a banda síntese do Britpop, porque sempre teve a pretensão de fazer arte a partir da percepção das singularidades da vida inglesa — pretensiosa e banal, tal e qual a monarquia mofada que se enxerga como a pulsão do velho império dos séculos 18 e 19, hoje vivendo a decadência de um país sem líderes e preso na figura caquética do Rei Charles ou na trágica figura de Boris Johnson. Albion está perdida. E o compositor do Blur sabe disso. O novo disco carrega a melancolia que é a marca de Albarn, um observador crítico dos tempos distópicos e sem ilusões que os europeus vivem.

Em seus mais de 30 anos de existência, o Blur gravou apenas nove álbuns. Não faziam nada há muito tempo, e voltaram a gravar juntos após um hiato de oito anos. O último disco de inéditas foi “The Magic Whip”, de 2015. O anterior a este foi “Think Tank” — gravado sem o  guitarrista Graham Coxon, que largou a banda brigado com Albarn e colocou fim a uma amizade que deixou fãs desolados pelo planeta. Mas isso é passado. Os dois amigos parecem à vontade juntos agora, tendo ambos protagonizado uma “bitoca” na primeira noite do show em Wembley — o que provocou um alvoroço entre fãs e a mídia britânica. Selaram a paz. E parecem confiantes e extremamente íntimos, juntos, no palco.

O quarteto nunca se separou oficialmente, mas cada vez que reaparece é como se estivessem retomando um velho caso de amor há muito distante. Afinal, foram apenas esses dois álbuns em 20 anos desde ‘Think Tank’. Mas a chama parece aquecer. A banda já está em uma turnê gigante, com shows pela Europa e Japão. E ainda haverá esticada que inclui apresentações na América do Sul até novembro — Brasil ainda não foi confirmado —, mas os quatro estarão em Buenos Aires, Bogotá e Santiago do Chile. Se você gosta de música pop e ainda acredita que dá para ver arte neste gênero banal, não deixe de ouvir o novo álbum dos caras. É apaixonante. •

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