CNS fortalece a ministra
Lula garante permanência de Nísia Trindade à frente do Ministério da Saúde. E defende punição a Bolsonaro pela condução “genocida” da pandemia da Covid-19. “Isso não ficará impune”
Isaías Dalle
A 17ª Conferência Nacional de Saúde, concluída na quarta-feira, 5, em Brasília, teve importantes significados. A primeira realizada no governo Lula, a conferência marca o retorno da participação social nas grandes decisões de políticas públicas, uma promessa da campanha de Lula em 2022. E marca ainda o compromisso público do governo com as diretrizes em defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e a blindagem do Ministério da Saúde. Melhor do que isso, o encerramento da conferência foi caracterizado pela defesa da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
“Poucas vezes na vida, a gente teve a chance de ter uma mulher no Ministério da Saúde para cuidar do povo com o coração, como uma mãe cuida dos filhos”, elogiou o presidente. “Todas as conquistas que temos na saúde são obra das pessoas que participam e trabalham nas conferências nacionais da saúde. Que exigem do governo a melhoria das coisas. E vocês que são do setor conhecem o SUS melhor do que ninguém”.
O nome da ministra Nísia Trindade foi entoado em coro pela plateia que lotava o auditório do Centro de Convenções em Brasília, local da conferência, enquanto ela se dirigia ao microfone. A ministra prometeu que as deliberações apresentadas pela conferência serão prioridade de sua pasta. “A agenda construída aqui é a agenda central do SUS”, afirmou. Nísia anunciou também que as nove parcelas de reajuste previstas no piso da enfermagem para este ano serão pagas.
Em seu discurso, Lula apontou que a reconstrução do SUS é compromisso do governo, ainda mais depois dos três últimos anos em que a gestão da saúde pública ficou relegada aos caprichos de quem nunca teve compromisso com o setor. “Depois da pandemia, não existe brasileiro ou brasileira que não reconheça que graças ao SUS e aos profissionais de saúde, não chegamos a 1 milhão de mortos ou mais. E as 700 mil vidas que se perderam, também foram pelo negacionismo, pela falta de vacina e má gestão do antigo governo”, ressaltou.
Lula deu garantias de que o piso nacional da enfermagem será pago aos trabalhadores públicos retroativamente, contando como data de início o mês de maio, culminando no 13º salário. “Os profissionais da enfermagem, que estão na ponta do serviço, merecem valorização, reconhecimento e respeito. O Ministério da Saúde vai pagar o piso e o valor atrasado. Investimentos para quem cuida e para o povo brasileiro”, discursou.
O pagamento do piso para a categoria que trabalha no serviço público só foi aprovado pelo STF no início de julho, validando o que decidiu o Congresso, em maio. O governo Lula decidiu pagar o piso tomando como referência a decisão do Congresso. Já os trabalhadores de enfermagem do setor privado, também por decisão do STF, deverão negociar o pagamento com as empresas.
“As decisões tomadas pelas conferências têm determinado as melhorias que têm acontecido na saúde. É o trabalho de vocês, que cobram dos governos”, lembrou. Ele afirmou que o SUS muitas vezes foi atacado de maneira leviana, em notícias que destacavam casos negativos, sem considerar todos os demais casos de sucesso. Segundo o presidente, a pandemia mudou essa percepção.
Ele defendeu que Bolsonaro seja responsabilizado pela má condução do sistema de saúde durante a pandemia. “Haverá um dia em que alguém será julgado pela irresponsabilidade com que agiu”, disse. Sem citar o nome do ex-presidente, mas frisando a palavra “genocida”, Lula vaticinou: “Isso não ficará impune na história da saúde brasileira”.
Segundo Lula, ao menos 300 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o governo anterior tivesse cumprido sua função. Esse cálculo vem de projeções feitas por especialistas na área. Alguns falam em 400 mil mortes evitáveis. Neste trecho da fala de Lula, a plateia gritou: “Sem anistia, sem anistia”.
Lula frisou que a ministra Nísia Trindade está fortalecida no cargo. Ele descartou o noticiário da mídia nacional, que tentou levar a crer que ela estava enfraquecida e que que o cargo fosse entregue ao Centrão. No discurso, ele lembrou que chegou a telefonar para ela. “Eu fiz questão de ligar. Disse: ‘vai dormir e acorde tranquila”. Este ministério é meu, a escolha é minha. A Nísia ficará até quando eu quiser”, comentou. E elogiou o trabalho dela: “Sempre tive ótimos ministros da Saúde. Mas foi preciso uma mulher para fazer mais e melhor. Tenho certeza que nós vamos mudar este país”.
A conferência reuniu aproximadamente 6 mil pessoas eleitas para participar e votar na etapa nacional. Foram debatidas mais de 1,2 mil propostas elaboradas pelos participantes das etapas estaduais e municipais, organizadas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), e também das Conferências Livres Nacionais, organizadas por movimentos sociais e entidades da sociedade civil. Em 2023, foram 99 conferências livres. Todas essas etapas preparatórias ocorreram a partir de janeiro.
Uma das propostas elaboradas nas etapas anteriores e aprovada na etapa nacional é a construção do chamado complexo econômico e industrial da saúde. Trata-se de equipar o Brasil de laboratórios, centros de pesquisa e fábricas para tornar o país autossuficiente na produção de insumos como vacinas e equipamentos hospitalares.
Outra marca desta conferência é a agenda de combate à discriminação: programas e projetos de saúde voltados à saúde da população negra, das populações periféricas e de favelas, de imigrantes, indígenas, populações de rua e de pessoas LGBTQIAP+. O uso terapêutico de cannabis e propostas de proteção ambiental como elemento de promoção de saúde, por sua vez, são propostas que refletem temas que chegam com força ao debate. •