O Brasil corre risco
André Lara Resende diz que manutenção da Selic em 13,75% é um erro e alerta para recessão no horizonte. Economistas reforçam as críticas à política monetária. E por que diabos o BC insiste nisso?
A manutenção da política monetária de Jair Bolsonaro no Banco Central não é uma crítica vazia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua sob tiroteio do mercado financeiro e da mídia que, está a serviço do rentismo, por ter alertado para a manutenção da Selic nas alturas — 13,75% ao ano, com juros reais de 8%. Um escândalo que não tem justificativa técnica, ao contrário do que insistem os colunistas da grande imprensa.
A posição intransigente de Roberto Campos Neto, que além de manter os juros nas alturas se recusa a redefinir uma meta de inflação factível, só tem respaldo da mídia comercial e de seus ventríloquos. O risco é de o Brasil resvalar numa recessão com o estrangulamento do crédito em taxas injustificáveis para a retomada do crescimento. Desde que deu início ao debate público sobre a indecência da Selic, Lula vem sendo bombardeado, mas sua posição tem respaldo entre economistas de diversas escolas de pensamento.
No domingo, 12, André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, colocou o dedo na ferida, na entrevista ao programa Canal Livre, da Rede Bandeirantes: “Faz sentido nesse contexto você ter uma taxa de juros que há dois anos está nesse nível? Claramente não”, disse. “Os objetivos do Banco Central, determinados na lei que deu autonomia ao Banco Central, são o controle da inflação, a estabilidade do sistema financeiro e a garantia do pleno emprego. Obviamente essa taxa de juros de 13,75% é incompatível com esses objetivos. Ela está errada”.
A posição de Lara Resende não é isolada. No início da semana, economistas saíram em defesa da queda dos juros, em documento assinado por 2.400 profissionais de diferentes correntes: “A taxa de juros tem sido mantida exageradamente elevada pelo Banco Central e está hoje em níveis inaceitáveis”. Entre os missivistas estão Luiz Carlos Bresser-Pereira, Monica de Bolle, Luciano Coutinho, Luiz Gonzaga Belluzzo e Antonio Corrêa de Lacerda (leia a íntegra do documento à página 34).
Na quarta-feira, 15, foi a vez de agentes do mercado financeiro alertarem sobre a inaplicabilidade da meta de inflação nos atuais patamares, como insiste Roberto Campos Neto. Em evento do BTG Pactual, em São Paulo, três grandes investidores do mercado financeiro apontaram que é urgente o aumento da meta da inflação. Rogério Xavier, da SPX Capital, fez a defesa mais incisiva do aumento da meta. E foi seguido por Luis Stulhberger, do Fundo Verde, e André Jakurski, da JGP.
Como apontou O Globo, tratam-se das três maiores gestoras do país, com mais de R$ 100 bilhões em ativos sob carteira. Segundo Xavier, a redução das metas de inflação foi definida antes dos choques inflacionários da pandemia e da guerra da Ucrânia, que mudaram completamente o cenário. Daí a avaliação dele de que não faz sentido o Banco Central praticar juros reais elevadíssimos — escandalosos 8%, os mais altos do mundo — para buscar uma meta de inflação de 3% no ano que vem.
“Agora que a gente passou por todas as situações inflacionárias nos últimos anos, com choques de covid, guerra, descarbonização, energia limpa, (desorganização) das cadeias produtivas, o Brasil resolveu fazer 3% de meta de inflação?”, questionou Rogério Xavier. “A meta de inflação, só olhando para ela, que foi acertada há dois anos, está errada”.
Desde que Lula defendeu o aumento das metas de inflação e a redução dos juros para permitir a volta do crescimento econômico, suas críticas passaram a ser alvo da mídia, que tomou as dores do presidente do BC. E Campos Neto insiste: a mudança no regime de metas teria o efeito contrário ao esperado, com piora das expectativas, o que dificultaria do corte de juros.
Mas, para surpresa até de jornalistas, dessa vez quem atacou o argumento do presidente do BC foi um agente financeiro, como Rogério Xavier: “Se as expectativas de inflação de 2024, 2025 e 2026 forem para 4%, então aí os juros não caem? Isso é uma loucura”, criticou. “Tem que fazer a trajetória ser cadente, mas com metas alcançáveis. O custo para a sociedade é imenso, seja financeiro, seja social e político”.
Na entrevista à Band, Lara Resende alertou que a manutenção da taxa Selic em 13,75% ao ano é um erro, pois desaquece a economia sem combater a inflação. “A economia brasileira precisa ser desaquecida neste nível? Com a taxa de juros real mais cara do mundo hoje? Claramente não”, disse. Ele cita que a insistência dos juros elevados aumenta os riscos.
“O fato é que tivemos uma quebra no varejo, no caso da Americanas e outras áreas deste setor enfrentam problemas, o que fez os bancos retraírem drasticamente o crédito. Quando temos uma contração como essa no crédito, se agrava o processo de desaquecimento da economia e embica numa recessão que pode ser muito séria”, alertou.
O economista contesta ainda a ideia de que um eventual cenário de aumento dos gastos públicos possa provocar uma onda inflacionária no país: “Estamos saindo de 1,3% de superávit primário no ano passado. Agora, este ano, o autorizado pela PEC (do Bolsa Família) é um gasto de mais 2%. A arrecadação vai surpreender positivamente. Se gastarmos o valor integral da PEC, ainda que a arrecadação ficasse onde estava, no mesmo nível, teríamos equilíbrio primário. O Orçamento, a previsão é que você possa ter um déficit primário de 1%. Isso é grave? Claro que não”.
Lara Resende disse também que o fenômeno da inflação em todo o mundo foi provocado pela desorganização das cadeias produtivas, e que não houve relação com o aumento de gastos por parte dos governos. “A oferta se contraiu e houve uma reação inflacionária. Em cima dessa pressão veio a guerra da Ucrânia, que subiu o preço de energia e alimentos por causa, inclusive, dos fertilizantes. Então esta foi a [razão da] inflação”, explicou.
O economista comentou ainda que se apenas a taxa de juros alta combatesse a inflação, não teria havido a necessidade de se criar o Plano Real em 1994. “Quando eu assumi a diretoria do BC (nos anos 1980), nós tínhamos a maior taxa básica de juros da história e não havia sinal de que a inflação ia retroceder”, disse.
A decisão da meta de inflação é do Conselho Monetário Nacional (CMN), composto pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda), do Simone Tebet (Planejamento) e Campos Neto (Banco Central). Na quinta, 16, o conselho se reuniu, mas não foi discutida mudança no regime de metas, porque Haddad retirou o tema da pauta. A próxima reunião acontece em junho. •