A nova geopolítica do Sul Global: Palestina, BRICS e o papel do Brasil Popular, por Teresinha Pinto
“O Brasil não quer ser vassalo de ninguém. Quer ser um país soberano, que fala com todos e que defende o direito de cada povo viver em paz no seu território.”— Luiz Inácio Lula da Silva, Cúpula dos BRICS, Joanesburgo, 2023

A virada geopolítica que o mundo vive nas primeiras décadas do século XXI marca o esgotamento do modelo de dominação unipolar consolidado após o fim da Guerra Fria. A hegemonia norte-americana, sustentada por guerras preventivas, sanções econômicas e manipulação de organismos multilaterais, enfrenta uma crise de legitimidade global. O Sul Global, composto por países historicamente subalternizados, volta a ocupar o centro da cena internacional com novas articulações, sendo os BRICS um de seus instrumentos mais promissores.
Nesse cenário, o Brasil — sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e orientado pelos princípios históricos do Partido dos Trabalhadores (PT) — retoma um papel protagonista na defesa da paz, da autodeterminação dos povos e da construção de uma ordem mundial multipolar, justa e solidária. A luta do povo palestino emerge, novamente, como o espelho mais nítido das contradições dessa nova era.
Desde sua fundação, o PT compreende que *“a luta internacional dos povos é parte inseparável da luta pela democracia e pelo socialismo no Brasil”*¹. Essa concepção de solidariedade ativa se expressa na política externa dos governos petistas, especialmente na postura de Lula, que reafirma a soberania como condição de paz. Essa linha contrasta fortemente com a política externa submissa e alinhada aos Estados Unidos adotada por governos conservadores e por setores da elite brasileira.
A questão palestina ocupa um lugar simbólico central nessa nova geopolítica. Para a esquerda brasileira, a Palestina não é apenas uma pauta humanitária, mas uma causa política, que denuncia o colonialismo e o autoritarismo de uma ordem internacional seletiva, que condena uns e absolve outros conforme seus interesses.
Em 2010, Lula foi um dos primeiros chefes de Estado a reconhecer oficialmente o Estado da Palestina, em carta enviada a Mahmoud Abbas, reafirmando o compromisso com as fronteiras de 1967 e Jerusalém Oriental como capital. Em 2024 e 2025, o governo brasileiro retomou essa linha de coerência, condenando os bombardeios a Gaza e cobrando, junto à ONU e ao Tribunal Internacional de Justiça, o cumprimento das resoluções que determinam o cessar-fogo imediato. Como afirmou o assessor especial Celso Amorim, *“o que está em jogo em Gaza não é apenas a tragédia de um povo, mas a sobrevivência do direito internacional como instrumento de civilização” *².
Dentro dos BRICS, a Palestina se torna um ponto de tensão e de revelação. O bloco, originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, expressa as contradições da própria transição geopolítica global.
Enquanto a China adota uma posição de crescente engajamento diplomático — buscando mediar conflitos no Oriente Médio e defender o cessar-fogo sob uma ótica de estabilidade estratégica —, a Rússia atua mais movida por interesses de contrabalançar o poder ocidental, sem colocar a questão humanitária no centro do debate. A Índia, por sua vez, mantém uma postura ambígua: embora historicamente tenha apoiado a Palestina, seus vínculos econômicos e militares com Israel limitam sua ação no bloco. Já a África do Sul se afirma como o país mais radicalmente comprometido com a causa palestina: foi ela quem apresentou à Corte Internacional de Justiça o pedido de investigação por genocídio contra Israel — gesto que recupera o espírito anticolonial que animou o Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela.
O Brasil, nesse tabuleiro, ocupa uma posição singular: é o único que combina peso diplomático, legitimidade moral e capacidade de diálogo com todos os lados. É o país que fala com Israel sem se curvar, com os Estados Unidos sem submissão e com os árabes e africanos sem paternalismo. Essa postura de independência ativa é o que Lula chama de “a diplomacia da paz”, uma política que não se rende à lógica das sanções nem à submissão ideológica.
Na Assembleia Geral da ONU em 2024, Lula sintetizou essa visão:
*“O mundo não precisa de novos muros nem de novos impérios. Precisa de pontes. E o Brasil quer ser uma ponte para a paz e a justiça.”*³
Essa diplomacia se concretiza também no campo econômico e político. O reconhecimento da Palestina como membro pleno do Mercosul e os acordos comerciais bilaterais, anunciados em 2024, mostram que solidariedade política pode e deve vir acompanhada de cooperação prática. A proposta brasileira de que o BRICS reconheça a Palestina como Estado observador é outro passo nessa direção, consolidando um espaço diplomático fora da tutela das potências ocidentais.
Entretanto, a construção dessa nova geopolítica solidária enfrenta obstáculos. Internamente, a extrema direita acusa o governo de “ideologizar” as relações internacionais. Externamente, o imperialismo financeiro e militar tenta preservar privilégios por meio de sanções, chantagens e campanhas de desinformação. A postura firme e equilibrada do Brasil é, portanto, um ato de resistência e coerência histórica: solidariedade internacional é parte da soberania nacional.
A Fundação Perseu Abramo, em documento recente, sintetiza esse espírito:
*“A luta por um mundo multipolar é, no fundo, a luta por um mundo democrático, onde as vozes do Sul tenham o mesmo peso das vozes do Norte.”*⁴
Essa perspectiva recupera a tradição do Movimento dos Não Alinhados, agora reatualizada como cooperação Sul-Sul e integração solidária. Trata-se de redefinir o próprio sentido de poder: substituir a lógica da dominação pela da convivência plural e cooperativa.
O Brasil popular — expressão que simboliza a fusão entre Estado democrático e movimentos sociais — tem papel decisivo nesse processo. Ao defender a Palestina, o governo Lula e o PT reafirmam que a política externa não é mero instrumento técnico, mas expressão de um projeto histórico de emancipação. A defesa da autodeterminação do povo palestino é, também, a defesa do direito de cada nação do Sul a escolher seu destino sem tutelas.
Em última instância, a nova geopolítica do Sul Global não é apenas um rearranjo de forças, mas uma disputa de valores civilizatórios. De um lado, o império das armas e do capital; de outro, a esperança dos povos que lutam por dignidade e soberania. O Brasil, sob a liderança de Lula e a inspiração do PT, coloca-se — uma vez mais — do lado certo da história: aquele onde a Palestina livre é símbolo de humanidade e futuro.
Teresinha Pinto é Coordenadora do Núcleo Palestina do PT