Até quando mulheres serão culpabilizadas pelas violências sofridas?’, por Cida Gonçalves
Denúncias no governo expuseram desafios do enfrentamento; urge mudança cultural para que os homens parem de normalizar condutas inadmissíveis
As recentes denúncias de assédio sexual e moral no âmbito do governo federal trouxeram à tona os desafios do enfrentamento à violência contra a mulher em uma sociedade ainda marcada pela misoginia e pelo racismo.
A naturalização e a banalização da violência de gênero fazem com que muitas mulheres tenham dificuldade em identificar e nomear situações de abuso. Outro desafio é a própria quebra do silêncio. Seja por medo, insegurança ou receio de exposição, muitas mulheres deixam de reportar uma situação de assédio perante uma sociedade que ainda as culpabiliza pelas violências sofridas.
Não faltam exemplos para mostrar que o julgamento das mulheres é dado como certo: pela demora em denunciar, pelo canal utilizado, pelo comportamento adotado. O problema é ainda mais desafiador quando falamos de mulheres que ocupam posições públicas e de liderança.
Há também o receio de ter que repetir inúmeras vezes o relato da violência, revivendo uma situação traumática. Não raro, a vítima é quem acaba sendo interrogada, tendo seu relato minimizado, sua conduta questionada ou sua palavra desacreditada. E, ainda, há o medo de sofrer retaliações.
É preciso uma mudança cultural para que os homens parem de normalizar condutas inadmissíveis e, principalmente, para que cada vez mais mulheres se sintam amparadas para falar e denunciar. Para isso, é fundamental que todas tenham sua palavra acreditada tanto pelas instituições quanto pela sociedade, e suas denúncias apuradas com rigor e perspectiva de gênero.
No governo federal, o presidente Lula já afirmou que a tolerância é zero para quem pratica assédio. Em julho deste ano, foi lançado o Programa de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação no âmbito da administração pública federal, com a finalidade de enfrentar toda as formas de violências decorrentes das relações de trabalho —em especial o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação.
O programa está estruturado em três grandes pilares: prevenção, com ações de formação, sensibilização e promoção à saúde; acolhimento, com ações para organização de redes e canais de acolhimento; e tratamento de denúncias, com o estabelecimento de diretrizes e de orientações que evitem a revitimização e a retaliação.
Outra ação do governo federal foi enviar ao Congresso Nacional, em março de 2023, mensagem para que o Brasil ratifique a Convenção 190, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esse tratado amplia os conceitos relacionados à violência e ao assédio, além de apontar o papel dos empregadores na prevenção de práticas inaceitáveis, definindo medidas concretas para lidar com casos de violação.
Pôr fim à violência contra a mulher, seja no mundo do trabalho, nas ruas ou nos ambientes domésticos, é um compromisso permanente do Estado brasileiro. Descortinar o problema e dar o devido crédito à palavra da mulher é o primeiro passo para a construção de uma cultura de proteção e respeito aos direitos humanos das mulheres em sua diversidade. Para todas, o Ligue 180 estará sempre à disposição, oferecendo atendimento acolhedor e humanizado.
Cida Gonçalves é Ministra das Mulheres do Governo Federal
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.