Maria Luiza Lapa de Souza*

O Nouveau Front Populaire: esperança de renovação da política francesa
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No dia seguinte à dissolução da Assembleia Nacional francesa pelo Presidente Emmanuel Macron devido aos resultados das eleições europeias do último 9 de junho, o partido França Insubmissa escreveu um comunicado aos franceses dizendo que o resultado das eleições europeias foi uma derrota total para o Presidente da República, devido à rejeição de sua política pelo povo francês. Também afirmava que ele falhou em impedir o avanço da extrema direita, que na verdade encorajou. Outros partidos de esquerda foram com mais parcimônia no mesmo sentido.

A decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional foi recebida com muita surpresa; mesmo seu Primeiro-Ministro, Gabriel Attal, soube da notícia pela imprensa, assim como a maioria dos cidadãos. Esta decisão provocou reações mistas e polarizadas. Politicamente, foi também motivada por vários fatores, sendo o mais importante a crise entre seu governo e o parlamento, principalmente devido à centralização do poder e ao seu programa econômico neoliberal que, desde seu primeiro mandato, reduziu os gastos com saúde e educação, sem controlar o preço da energia. A França é um dos países mais endividados da Europa, com uma dívida correspondente a 5,5% do seu PIB. Isso desencadeou um período de grande atividade e mobilização, com importantes implicações para o futuro político da França.

Os resultados das eleições para o parlamento europeu deixaram Emmanuel Macron em uma situação muito delicada. De fato, o Rassemblement National (RN), partido de extrema direita, obteve 32% dos 51,5% dos votos expressos, enquanto a maioria presidencial obteve apenas 14,6%, o Partido Socialista – Place Publique 13,83%, a FI 9,89%, e 5,5% para os ecologistas. Diante desses resultados, ele temia ser obrigado a nomear como Primeiro-Ministro alguém do RN que teria plenos poderes. Apostou na dissolução pensando em poder renovar o parlamento e assim reforçar sua posição política, estimando que poderia obter um resultado eleitoral melhor.

O resultado das eleições europeias foi a reação do povo francês às reformas do código do trabalho e da aposentadoria aprovadas sem o voto dos deputados, ao aumento da inflação, à perda do poder de compra, ao aumento dos preços da energia e também à reforma da lei de imigração. Para os líderes dos principais sindicatos, CGT e FO, o Presidente Macron é o único responsável pela incerteza que se instalou no país devido a esta situação inédita.

As consequências da decisão de dissolver o parlamento resultaram em novas eleições que devem ser organizadas entre 20 e 40 dias, como determina a constituição francesa. As próximas eleições legislativas foram marcadas para 30 de junho (primeiro turno) e 7 de julho (segundo turno). 

No contexto atual, a dissolução teve um resultado diferente do esperado pelo Presidente: a) entre os cidadãos, essa decisão gerou preocupação com a incerteza política e econômica que isso poderia acarretar no futuro próximo; b) manifestações eclodiram em várias cidades, organizadas por partidos políticos de oposição, sindicatos e movimentos sociais, já críticos das reformas neoliberais. Eles viram essa decisão como a confirmação da fragilidade do governo e chamaram à mobilização para defender os serviços públicos e os direitos sociais; c) os partidos de oposição, especialmente a França Insubmissa (LFI), criticaram severamente a decisão de Macron, qualificando-a como uma tentativa desesperada de manter o poder diante de um descontentamento crescente e acusando o Presidente de fugir de suas responsabilidades. Por outro lado, o Rassemblement National (RN), embora contente com a perspectiva de novas eleições nas quais esperam reforçar sua posição, também criticou Macron por sua incapacidade de governar eficazmente.

Os últimos dois anos do segundo quinquênio de Macron foram marcados por fortes tensões com o legislativo: seus dois Primeiros-Ministros não pediram votos de confiança aos parlamentares para aplicar seu programa de governo e usaram repetidamente o artigo 49, parágrafo 3 da Constituição da Vª República. Esse artigo permite ao governo aprovar uma lei sem que os deputados votem o texto, equivalente ao nosso decreto-lei. Essas medidas geraram conflitos com a oposição e crises sociais, sendo a primeira delas a dos coletes amarelos, desencadeada pelo aumento do imposto sobre combustíveis. O 49.3 e o voto de confiança são mecanismos muito importantes da democracia francesa.

O erro tático do campo político presidencial foi acreditar que a esquerda estava fragmentada. Macron deve ter visto uma oportunidade estratégica para seu partido, Renaissance, de ganhar um apoio eleitoral renovado e mais amplo. No entanto, no dia seguinte à dissolução do parlamento, apesar de dois anos de demonização dos deputados da França Insubmissa e de seu líder, Jean-Luc Mélenchon, por políticos de direita e pela imprensa, uma nova coalizão se formou, o Novo Front Popular, constituído por vários partidos de esquerda (Les Écologistes, La France insoumise, le Parti communiste français et le Parti socialiste, ainsi que Place publique, Génération’s, la Gauche républicaine et socialiste, le Nouveau Parti anticapitaliste et la Gauche écosocialiste), e  anunciou um programa econômico e social, dando esperança a uma grande parte da população francesa que se sentia marginalizada e desiludida pelas políticas neoliberais e de austeridade deste governo.

O Novo Front Popular, em referência ao Front Populaire de 1936 que garantiu muitos direitos sociais ao povo francês, visa a criar uma alternativa credível e solidária às políticas atuais. Essa coalizão é uma versão ampliada da NUPES (Nova União Popular Ecológica e Social) , à qual se juntam movimentos sociais, sindicatos e militantes da sociedade civil organizados. É importante lembrar que, no dia seguinte ao segundo turno das eleições presidenciais de 2022, Jean-Luc Mélenchon, LFI (La France Insoumise), havia convidado o povo a eleger o Primeiro-Ministro em torno da coalizão de partidos de esquerda, NUPES, propondo um programa de ruptura clara com o governo muito impopular de Emmanuel Macron. A NUPES estava completamente desfeita até o dia 9 de junho passado devido às injunções sucessivas da direita ajudada pela imprensa.

O programa do Novo Front Popular resume-se a :

  • O retorno da aposentadoria aos 60 anos,
  • O bloqueio dos preços da energia e dos produtos de primeira necessidade,
  • O aumento do salário mínimo e a indexação dos salários à inflação,
  • A recusa dos orçamentos de austeridade de Emmanuel Macron para reparar os serviços públicos e estar à altura da urgência climática,
  • A anulação da reforma do seguro-desemprego e da odiosa lei de imigração aprovada pela coalizão de macronistas, direita e extrema direita,
  • A mudança ecológica através da planificação ecológica, saída do nuclear 
  • Nova constituição, 6ª República, para acabar com a monarquia presidencial,
  • O combate ao racismo, ao antissemitismo e à islamofobia que fragmentam o povo para impedir a defesa de interesses comuns,
  • A recusa da escalada da guerra na Ucrânia e o fim do genocídio em andamento em Gaza, reconhecendo o Estado da Palestina, decretando um embargo sobre entregas de armas e impondo sanções ao governo de Netanyahu.

A dissolução da Assembleia Nacional francesa ocorreu no contexto da guerra na Europa, quando a França entregou um total de 3,035 bilhões de euros em equipamentos militares para a Ucrânia enquanto os trabalhadores não viram nenhuma proposta para a recuperação do poder de compra e nem medidas para conter o aumento dos preços da energia. Também traz implicações significativas para a Europa, criando um período de incerteza política e econômica que pode afetar sua estabilidade, retardar reformas cruciais e enfraquecer alianças estratégicas. O impacto dessa decisão será monitorado de perto pelos outros Estados membros, pelos mercados financeiros e pelos atores geopolíticos internacionais. Para a Europa, a estabilidade e a capacidade de ação da França são essenciais para enfrentar os desafios contemporâneos atuais.

A dissolução é um evento significativo, motivado por conflitos entre o executivo e o legislativo, devido a um impasse com a oposição dos partidos de esquerda, sobretudo a FI. A France Insoumise que soube levar a voz do povo ao parlamento, traduzir sua insatisfação e defendendo mais justiça social e lutando por mudanças significativas nas políticas públicas em geral. 

Finalmente, as implicações desta dissolução do parlamento são vastas, abrangendo novas eleições, que poderiam de um lado fazer crescer a extrema direita, e de outro, a consolidação da esquerda e um resultado medíocre para os partidos que apoiam o atual governo. O segundo turno das eleições legislativas de 7 de julho provavelmente será disputado entre o Novo Front Popular e o Rassemblement National. Esperamos que o Novo Front Popular conquiste uma grande vitória, para trazer mudanças efetivas para construir um futuro e solidário para o povo francês.

* Doutora em Matemática, membro do núcleo do PT de Paris, morando na França há mais de 33 anos.