O presidente Lula cobrou redução da taxa básica de juros, mas não foi atendido pelo comitê presidido por Campos Neto, que decidiu pela manutenção da taxa Selic a 10,5% ao ano.

Garrote de juros do Banco Central é aprovado
Imagem: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu na quarta-feira, 19 de junho, manter a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic, a 10,5% ao ano. 

A decisão quebra uma sequência de sete reduções consecutivas da Selic, realizadas pelo órgão desde agosto do ano passado. A manutenção da taxa ocorreu apesar da pressão do presidente Lula e de movimentos populares que defendiam uma nova queda.

Um dia antes do anúncio da decisão, o presidente Lula concedeu uma entrevista à rádio CBN, do Grupo Globo, onde afirmou que o presidente do BC, Roberto Campos Neto, “tem lado político e atua para prejudicar o país”. 

Segundo Lula, a taxa básica de juros não reflete a realidade da economia nacional, que está crescendo além do esperado, gerando empregos e mantendo os preços sob controle. Para ele, a taxa deveria ser mais baixa.

 O BC avalia que há um cenário mais desafiador e que optou por interromper unanimemente o ciclo de queda dos juros, “destacando que o cenário global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela”.

Além de simular um cenário com juros constantes até o final do próximo ano, o documento da reunião do colegiado liderado por Roberto Campos Neto aponta que o Brasil já não tem mais espaço para crescer a um ritmo mais acelerado, pois já eliminou o chamado “hiato do produto”.

Na prática, isso estabelece um piso de juros mais altos no futuro. O Ministério da Fazenda, por exemplo, trabalha com uma taxa neutra de 4% e, por isso, projeta juros significativamente menores do que os do mercado para 2025 e 2026. 

Gasto com juros é maior que Saúde e Educação juntas

Vale lembrar que no início deste ano ficou provado que, em 2023, primeiro ano deste novo governo, as despesas com juros superaram os gastos, juntos, dos Ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento e Assistência Social — responsável pelo Bolsa Família.

Segundo informações oficiais, as despesas pagas pelo Ministério da Saúde somaram R$170,26 bilhões no ano passado, enquanto aquelas dos Ministérios da Educação e do Desenvolvimento Social, respectivamente, totalizaram R$142,57 bilhões e R$265,291 bilhões. Um total de R$578,13 bilhões.

As despesas com juros da dívida pública do Governo Central somaram R$614,55 bilhões em 2023, contra R$503 bilhões em 2022. Elas perderam apenas para o Ministério da Previdência Social – responsável pelo pagamento dos benefícios de aposentados, pensionistas e de programas sociais, como o BPC, que totalizaram R$861,6 bilhões no último ano.

Taxa neutra: um recado não tão neutro assim… 

A ata aprovada no Copom afirmou, ainda, que a política monetária deve permanecer contracionista – ou seja, com a taxa de juros acima da considerada neutra – por um período “suficiente para consolidar não apenas o processo de desinflação, mas também a ancoragem das expectativas em torno das metas”. 

A taxa neutra é aquela que não incentiva nem restringe a atividade econômica. O comitê estima que a taxa neutra esteja entre 4,5% e 5%. A Selic está atualmente em um nível restritivo e “deve permanecer contracionista por tempo suficiente” para trazer a inflação para a meta no horizonte relevante da política monetária.

Ao falar da taxa neutra, o BC voltou a dar recados fiscais e a manifestar outras preocupações com a política econômica, indicando que esse aumento teria relação com a piora na percepção dos mercados sobre o que se desenha no Brasil.

“O Comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade”, diz o texto.

A ata destaca o cenário externo adverso, com juros altos nos Estados Unidos como um fator que pressiona a política monetária local.

“No ambiente atual de menor liquidez, há potencialmente maior diferenciação entre ativos, aumentando, relativamente, a demanda por ativos mais seguros ou com melhores fundamentos. O Comitê reiterou que não há relação mecânica entre a condução da política monetária norte-americana e a determinação da taxa básica de juros doméstica e que, como usual, o Comitê focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa sobre a dinâmica inflacionária interna”, diz o texto.

É a autoridade monetária dizendo que o Brasil não só está impedido de acelerar o crescimento econômico, como agora se vê obrigado a esfriar nível de atividade, com consequências políticas e econômicas – o que favorece, claro, a direita e a extrema-direita brasileiras: arrocho de juros e sufocamento de governo não é, assim, uma novidade na governança pública.

O tom mudou 

O presidente Lula tem criticado frequentemente o alto patamar da Selic durante o seu 3º governo. As críticas são direcionadas ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. As reclamações se intensificaram nos dias que antecederam a reunião que aprovou a manutenção da taxa, como mencionamos, e seguiram pela semana. 

Para Lula, o presidente do BC tem “lado político” e “trabalha para prejudicar o país”. “Só temos uma coisa desajustada neste país: o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está”, declarou Lula. 

A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), cobrou que a mídia corporativa mantenha a coerência com o seu histórico de apoio aos interesses do mercado financeiro. A parlamentar afirmou ser “muita cara de pau” os grandes jornais, que sempre defenderam a sabotagem praticada pelo Banco Central contra o país, agora responsabilizando o presidente Lula pelo patamar extorsivo da taxa básica de juros (Selic) de 10,50% ao ano.

Gleisi também manifestou apoio às críticas do presidente Lula aos setores que pregam cortes na saúde, na educação e em outras políticas públicas e, ao mesmo tempo, celebram os juros altos e ainda gozam dos benefícios da isenção fiscal.

“Continue falando as verdades que precisam ser ditas, presidente Lula. O Brasil é muito maior do que a ganância dessa gente que não quer pagar impostos e exige cortes no orçamento dos pobres. A verdade vai vencer, e o país também”, declarou a presidenta do PT.

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