A mídia sai em defesa de Roberto Campos Neto, protegendo-o das críticas de Lula sobre o patamar da Selic. Mas ninguém menciona os erros de condução do Banco Central, tão evidentes que a inflação ficou fora da meta por dois anos consecutivos. E o jovem banqueiro ainda tem a explicar o escândalo da fortuna em paraíso fiscal e a proximidade com o ex-presidente genocida

No Brasil, os juros altos são um assunto tabu. Isso apesar do país deter o vergonhoso recorde de ser a Nação com a maior taxa de juro real do mundo, à frente de outros 156 países. Daí porque a mídia comercial tomou as dores da autoridade monetária e reagiu com desmedida fúria às críticas lançadas na última semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao comandante do Banco Central, o bolsonarista Roberto Campos Neto.

Na quarta-feira, 7, durante café da manhã com jornalistas, Lula desabafou: “Não é possível que a gente queira que esse país volte a crescer com uma taxa de juros de 13,75%”, disse. “Esse cidadão [Roberto Campos Neto], que foi indicado pelo Senado, tem a possibilidade de maturar, de pensar e de saber como vai cuidar desse país”, comentou.

Na conversa com jornalistas da mídia independente, o presidente apontou que a inflação brasileira não é “de demanda” – o que torna a manutenção da Selic em níveis estratosféricos totalmente injustificada. Afinal, as queixas do presidente não são improcedentes, apesar da reação do mercado financeiro e da mídia corporativa.

Bastou a fala de Lula sobre os juros elevados para que a imprensa comercial, no dia seguinte, tomasse as dores de Campos Neto. “Lula volta a atacar BC” — destacou o Valor Econômico. “Lula sugere troca no BC, e mercado defende autonomia”, manchetou O Globo. A Folha deu na capa a reação do presidente do banco: “Autonomia do BC reduz peso de juro, diz Campos Neto”.

A manutenção da taxa básica de juros da economia em 13,75% ao ano, definida pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central no início de fevereiro, é exorbitante. Mas o pior foi o sinal que o Copom deu ao mercado: não hesitará em retomar o ciclo de alta caso o processo de redução da inflação não ocorra como esperado.

A falha na condução da política monetária é evidente. Ora, apesar de os juros básicos estarem no alto, a inflação está fora do centro da meta. Em 2021, o IPCA somou 10,06%, o maior desde 2015, ficando bem acima do teto para aquele ano, de 5,25%. No ano passado, a inflação no Brasil fechou em 5,79%. A meta era 5%.

Sob Bolsonaro, a política econômica de Paulo Guedes — que o mercado e a mídia insistiam chamar de técnicas — não trouxe bons resultados. Basta lembrar que, em quatro anos, a administração do genocida produziu 33 milhões de pessoas com fome no Brasil, 45 milhões de trabalhadores no mercado informal, inflação fora do controle, um rombo nas contas públicas e nada menos que 700 mil mortos pela má gestão da pandemia.

O Banco Central de Roberto Campos Neto mostrou contrariedade com esses dados? Não, claro que não. Daí que economistas como o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira apontem que a taxa de juro real do país beirando 8%, como ocorre atualmente, estrangula a economia nacional. “Qual é a taxa de juros [real] razoável, para um economia como a brasileira, para combater a inflação? É 2%, 3%, no máximo”, resume.

“É um absurdo, não só porque impede qualquer crescimento econômico, como isso também aumenta o déficit fiscal”, aponta o economista. “O governo então, em vez de gastar em educação e saúde, gasta em juros para os rentistas, isso não faz o menor sentido”. A crítica é engrossada por outros especialistas.

Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo, o economista Márcio Pochmann alerta que a cada aumento de 1 ponto percentual na taxa básica de juros, a dívida líquida do setor público cresce R$ 38 bilhões. Como a Selic aumentou 11,75 pontos entre agosto de 2020 (2%) e dezembro do ano passado (13,75%), o impacto na dívida do setor público foi de R$ 446,5 bilhões. “Um gasto improdutivo”, ressalta.

A cada 1% na Selic, o país perde a condição, por exemplo, de aumentar em três vezes o investimento no programa Bolsa Família, que beneficia 21,9 milhões de famílias com, no mínimo, R$ 600 por mês. O valor da dívida líquida do setor público por causa dos juros também cobriria, por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida.

A questão que não quer calar no debate sobre a manutenção da abusiva taxa de juros administrada pelo Banco Central é quanto dinheiro o governo Bolsonaro retirou da economia para despejar no pagamento de juros da dívida pública? Os R$ 38 bilhões representados por cada 1 ponto percentual da Selic dariam para cobrir com sobra o orçamento mínimo do Sistema Único de Saúde (SUS), que é de R$ 22 bilhões.

Em artigo no Valor, publicado no dia 7, o economista André Lara Rezende demonstrou em artigo que, ao retirar dinheiro essencial para investimentos sociais e para a expansão da capacidade produtiva do país, o Banco Central privilegia o rentismo, formado pelos super ricos que detém títulos da dívida pública. Com juros mais altos, sobem os lucros dos endinheirados, em uma interminável ciranda financeira que cresce às custas da miséria dos mais vulneráveis, que penam diante dos baixos investimentos.

O economista referiu-se à histeria da mídia corporativa em reação a uma suposta gastança planejada pelo novo governo Lula, o que seria uma ameaça para as contas públicas. “A PEC da Transição autorizou despesas em torno de 2% do PIB. A alta da taxa básica de juros, promovida por canetadas do BC desde o início de 2021, custou quase o dobro desses 2% do PIB, só em 2022. Faz sentido?”, questiona Lara Rezende — leia a íntegra do artigo à página 18 desta edição.

Sob a direção de Campos Neto — um bolsonarista raiz que até hoje participa de colóquios entre ex-ministros do governo genocida pelo WhatsApp — o BC tem usado como justificativa para manter a Selic nas alturas a necessidade de o país conter a inflação. O problema é que o Brasil hoje não possui uma inflação de demanda, uma vez que o consumo é pífio, em função, justamente, do crédito caro.

A decisão do Banco Central compromete a atividade econômica no Brasil, com graves consequências para a reconstrução econômica do país, para a produção e geração de emprego e renda. A presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), reforçou a crítica de Lula: “Não há economia que resista a uma taxa de juros de 13,75%”. E lembra: “A política monetária de Bolsonaro, Guedes e BC foi derrotada nas eleições, porque fez o país andar pra trás”.

Com uma projeção de crescimento de 0,77% em 2023, a economia encontra-se longe de um quadro de aquecimento que exigiria uma medida como a adotada pelo BC. Ao contrário, as famílias brasileiras esforçam-se para retirar seus nomes das listas de negativados pelo país, enquanto parcelam compras básicas como gás de cozinha para chegar ao mês seguinte. Um mundo distante da arejada sala ocupada pelo bolsonarista Campos Neto, na sede do BC, em Brasília. •

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