Decisão de parlamentares, sobretudo de extrema-direita, fragiliza combate às notícias falsas e a disseminação de informações criminosas. Nas redes sociais, celebraram a decisão os defensores da mentira como arma política

Contra o povo: Congresso mantém veto de artigo que puniria fake news
Foto: PT no Senado

O Congresso Nacional manteve na terça-feira passada, com posição contrária da bancada do PT, na Câmara e no Senado, os vetos de Jair Bolsonaro a trechos da lei que tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito, dentre eles, o que trata da proliferação de notícias falsas. 

A manutenção do veto mantém fora de questão artigo que tratava exclusivamente da criminalização da disseminação de notícias falsas no processo eleitoral. 

Embora insistam em dizer, na imprensa hegemônica, que o governo ou Lula tenham sido derrotados, perdeu o Brasil e a cidadania democrática. O artigo banido criaria o crime de “comunicação enganosa em massa”, definido pela opromoção ou financiamento da disseminação por aplicativos de mensagens mentirosas capazes de comprometer a lisura das eleições. 

A decisão dos parlamentares impediu a retomada de uma pena de prisão de um a cinco anos e multa para a prática deste crime.  Com isso, disseminar fake news contra o sistema eleitoral não será enquadrado como um crime contra o Estado Democrático de Direito. De acordo com o trecho vetado, seria crime:

“Promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.

Na ocasião em que se opôs à criação dos “crimes contra a democracia”, Bolsonaro justificou que o texto não esclarecia claramente quem seria responsabilizado – se quem criou a informação ou quem a compartilhou. Ele afirmou que estabelecer o crime poderia afastar os eleitores do discurso público.

Sessão agitada 

O veto foi mantido com 317 votos, contra 139 deputados que votaram para derrubar. Eram necessários no mínimo 257 votos de deputados para a derrubada. Com o resultado dos deputados, o Senado não precisou votar a medida.

A tese foi levantada de forma agitada. Questionamentos chegaram a ser levantados sem conhecimento da matéria em votação: “Quem determinaria o que é fake news, criaríamos um tribunal para isso?”. Na oposição bolsonarista, a decisão do Congresso Nacional foi vista como uma conquista da “liberdade de expressão”, e a manutenção do direito de mentir no processo eleitoral, celebrado como se fosse uma final de Copa do Mundo por aqueles que se beneciam desta manutenção. 

Nas redes sociais, usuários conectaram o desfecho da votação a uma condição particular para a “sobrevivência do bolsonarismo”, que, conforme os críticos, se apoiam em “mentiras” para se manter no poder e alienar seus eleitores.

A defesa do indefensável

Ao longo da sessão, o texto, amplamente debatido por quem não o leu, recebeu críticas de quem, coincidentemente, faz uso de fake news. O deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) disse que a proposta limita a liberdade de expressão. “Para evitar que as notícias falsas sejam disseminadas, as vítimas serão as informações verdadeiras”, criticou. Ele disse que a proposta cria uma estrutura “soviética” de análise de conteúdo, sem apresentar qualquer contexto para uso do termo, em mais uma tentativa de criar um discurso que serve a recortes de vídeos para redes sociais: desinformação. 

O texto também foi criticado pelo deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que ficou marcado por, em 2018, ter rasgado uma placa que homenageava a vereadora do PSOL Marielle Franco, assassinada meses antes, no Rio de Janeiro. 

Outro defensor de causa própria, alegadamente, Daniel confessou: “Eu fui preso inconstitucionalmente com base nesse inquérito ilegal das fake news. É impossível que esse texto seja aprovado”, disse. Silveira é réu no Supremo Tribunal Federal por denúncia apresentada contra ele após a divulgação de vídeos contra ministros da Corte em redes sociais. Ele foi preso e agora está usando tornozeleira eletrônica. “Será usado para prejudicar qualquer tipo de oponente político”, afirmou o réu.

Como foi a votação 

A manutenção do veto contou com votos não só da oposição, como do PL (do partido, apenas o deputado Junior Lourenço votou para que o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro fosse derrubado). 

Filiados do Republicanos, PP, União Brasil, PSD, MDB e Podemos, ajudaram a formar a ampla maioria que autorizou a disseminação de notícias falsas como “prática de comunicação”. Destaques para o MDB, com 21 votos, PSD, com 37 de 40 votos contra a criminalização e o União Brasil deu 51 votos para manter o voto. Todos os deputados do PT votaram pela derrubada do veto.  

Reações

Em discurso no plenário do Congresso Nacional, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) criticou a manutenção do veto e destacou que é de suma importância que a disseminação de fake news seja combatida para a preservação da democracia.

“Ao que parece o então presidente da República já previa a enxurrada de fake news em campanhas eleitorais e resolveu vetar o artigo que previa como crime a disseminação de fatos sabidamente inverídicos. É muito importante que isso esteja definido de forma clara em lei para manutenção do estado democrático em nosso país”, defendeu o parlamentar.

Do Senado, o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues disse que vai “insistir” em um projeto de lei no Legislativo para criminalizar as fake news e atribuiu a derrota da democracia à formação do Congresso, que é, segundo aponta, “majoritariamente conservador”. 

Relatório
A proposta teve relatório preliminar divulgado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB). O texto busca aperfeiçoar a legislação brasileira referente à liberdade, à responsabilidade e à transparência na internet com o objetivo de reprimir a disseminação de conteúdos falsos pelas plataformas.

As regras vão se aplicar a provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas que oferecem serviços ao público brasileiro, inclusive empresas sediadas no exterior, cujo número de usuários registrados no País seja superior a 10 milhões.

Entre os pontos do projeto está a obrigatoriedade de representação legal no país pelas empresas de tecnologia, a remuneração de conteúdos jornalísticos, a equiparação a veículos de comunicação para fins eleitorais, a limitação de disparos em massa e a exigência de transparência.

Com informações do PT no Senado e Câmara Federal