Evento fez parte da Jornada Territorialização 2024 e apresentou dados da pesquisa sobre a Chacina do Salgueiro

A Fundação Perseu Abramo e o Projeto Reconexão Periferias realizaram em 11 de maio a terceira Jornada Territorialização 2024, em parceria com a Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES) e o Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores do Rio de Janeiro. Participaram da abertura o coordenador do Reconexão Periferias, Paulo Ramos, o diretor da Fundação Perseu Abramo Alberto Cantalice, o diretor de projetos da FES William Habermanns e o presidente do PT carioca, Tiago Santana.

Durante o evento, uma roda de conversa sobre policiamento nas periferias reuniu lideranças sociais, políticas e pesquisadores para apresentar e debater dados da pesquisa “Chacinas e Politização das Mortes no Brasil”, realizada desde 2018 pelo Projeto Reconexão Periferias em parceria com a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas e o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), que já mapeou 786 casos de chacinas ocorridos em dez anos, de 2011 a 2020, com base em notícias publicadas em todo o país.

A mesa foi mediada pela diretora e coordenadora de projetos da Associação Elas Existem Mulheres Encarceradas, Carol Bispo, e contou com a presença da pesquisadora responsável pelo eixo de violência do projeto, Sofia Toledo. Também participaram Edrilene de Oliveira, mãe de Lorran, uma das 8 vítimas fatais da chacina do Salgueiro de São Gonçalo, a jornalista cofundadora do The Intercept Brasil Cecília Oliveira, o coordenador do CESeC Pablo Nunes e a jornalista, co-fundadora do projeto Eu sou Eu e egressa do sistema prisional Bárbara Barbosa.

No estudo foram analisados com mais detalhes dois casos emblemáticos: a chacina de Belém (PA) e a do Complexo do Salgueiro, de São Gonçalo (RJ), com o objetivo de entender como essas violências acontecem, a partir das análises de testemunhas, especialistas, pessoas próximas das vítimas e jornalistas. O trabalho será publicado no caderno “Chacinas e Policiamento”, ainda no mês de maio.

Sofia Toledo explicou que depois de analisar muitas notícias de jornal, os pesquisadores perceberam que a imprensa normalmente publica apenas um lado da narrativa, que é a versão dos agentes de segurança. “Quando decidimos olhar os casos de policiamento, selecionamos aqueles que aconteceram com os agentes em serviço, em abordagens e operações, e aqueles decorrentes de atuação de grupos de extermínio e milícias. Conseguimos mapear 111 casos divulgados com envolvimento de policiais. Mas também há mais de 90, não divulgados como decorrentes da atuação da polícia, nos quais moradores e testemunhas afirmam que houve a participação de policiais”, disse.

O coordenador do CESeC Pablo Nunes explicou que a chacina do Salgueiro foi escolhida porque por mais absurda que seja, dentro das informações que se tem sobre o que aconteceu naquele dia, pouco se fala nela. “Há uma cortina de fumaça, principalmente por conta da participação das Forças Armadas”, afirmou.

Para Carol Bispo, falar de segurança pública é basicamente ampliar nossa mente. “Não é só sobre morte, mas sim o contexto geral, o quanto a segurança nos atinge de todas as maneiras. Eu sou lá do Batan, uma favela no Realengo, e penso que entender o quanto a violência nos atinge é muito importante para a gente saber como mudar, resistir e existir”.

A integrante da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência Edrilene Oliveira é mãe de Lorran, uma das 8 vítimas fatais da Chacina do Salgueiro, em 2017. Ele foi morto aos 18 anos de idade, a caminho de casa, com oito tiros nas costas, por policiais que saíram do meio da mata, segundo um sobrevivente da operação que foi testemunha.

A família da vítima passou por uma sucessão de violências e abusos naquela mesma noite. Enquanto procurava pelo filho, a mãe foi ameaçada por dezenas de policiais armados com fuzis que impediam o seu acesso ao campo onde os mortos estavam empilhados. A casa de sua irmã também foi invadida pela polícia, que a ameaçou. Edrilene conta que após muitas horas de busca reconheceu Lorran pelo pé, em baixo de uma pilha de corpos, por uma foto que circulou na internet. “Desse dia para cá minha vida se transformou em um pesadelo, vivo dia por dia. Estou conseguindo aos poucos retomar, porque tenho mais quatro filhos, mas eu pensei em desistir de tudo. Chegou um tempo que eu já não trabalhava mais, só vivia essa perda. Agora estou buscando que aqueles policiais sejam responsabilizados, pois no mesmo dia eles falaram que não estavam lá. Só que eu e o bairro inteiro vimos que eles estavam. No mato, armados, com mira laser. As vítimas estavam todas desarmadas. Esperaram uma quantidade de pessoas passarem para levantar e atirar”, relatou. “A investigação foi arquivada por falta de provas em 2018. Eu pergunto aos advogados quais são as provas que eles querem? Porque existem sobreviventes que testemunharam tudo, os familiares que em seguida estavam no local. Dizem que querem saber de que arma vieram os tiros. Mas havia pelo menos 30 homens armados ali ou mais, todos em concordância. Eu busco que sejam responsabilizados, porque nestes sete anos outras chacinas já aconteceram, pois eles já têm certeza da impunidade”, afirmou. 

A jornalista Cecília informou que o Rio de Janeiro não conta nenhum número referente a chacinas.

“Apesar de conhecermos o Brasil e sabermos que é um país onde se mata muito, nós também não temos um índice nacional de homicídios. E ainda que a gente saiba que a maioria das mortes é decorrente de armas de fogo, a gente não sabe quantas armas estão nas ruas, nas mãos de quem elas estão, quantas munições. Isso significa que essa política é um sucesso, porque ela foi desenhada para ser assim mesmo.

Para que a gente não consiga cobrar ou responsabilizar ninguém”. Bárbara Barbosa foi convidada a participar da mesa e relatou que viveu as agruras da prisão. Graças a uma rede de apoio, conseguiu concluir o ensino médio e a graduação em Jornalismo como bolsista do ProUni. Hoje atua como articuladora social e apoia a coordenação do projeto Eu Sou Eu, formado, além

dela, por mais dois egressos do sistema prisional: um professor de história e um advogado. “Costumo dizer que nenhum casal quando planeja uma criança pensa ‘vamos lá fazer um traficante’ ou ‘vamos fazer um ladrão’. São circunstâncias, intercorrências da vida que levam as pessoas ao cárcere. E nem todos os bandidos estão no cárcere. Alguns estão entre nós e outros mandando em nós”.

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