Realizado no icônico espaço da Ocupação 9 de Julho, evento teve apresentação do Slam da Guilhermina e a presença de artistas visuais; assista no canal do Youtube da Fundação Perseu Abramo

Rose Silva, da revista Reconexão Periferias

Assista ao vídeo do evento, no Youtube da Fundação Perseu Abramo.

O lançamento do caderno Chacinas e Feminicídios: os casos de Realengo e Campinas, realizado em 26 de abril no icônico espaço da Ocupação 9 de Julho, do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), em São Paulo, teve uma apresentação do Slam da Guilhermina e a presença de artistas visuais periféricos. Durante o evento, as pesquisadoras que assinam a publicação, Sofia Helena Monteiro de Toledo, Belle Damasceno e Juliana Farias, fizeram uma exposição dos principais achados do estudo e da necessidade que moveu a investigação.

O caderno é o primeiro número da coleção Chacinas e a Politização das Mortes no Brasil e apresenta resultados da pesquisa Chacinas e a Politização das Mortes no Brasil: estudo de casos, realizada em parceria entre o Projeto Reconexão Periferias da Fundação Perseu Abramo, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas.

Iniciada em 2018, com o levantamento de notícias de jornal, a pesquisa identificou várias chacinas reportadas em sua maioria como crimes passionais. Foram noticiados 42 casos de chacina com motivação de feminicídio, com cerca de 111 mulheres vitimadas em razão de serem mulheres. Nas chacinas com outras motivações, tais como conflitos agrários, disputas por terras com grupos armados, operações e abordagens policiais, grupos de extermínio, milícias, foram 405 mulheres vitimadas no período de dez anos, entre 2011 e 2020. Os números sobre chacinas relacionadas ao feminicídio estavam ocultos em meio a outras motivações para homicídios.

A coordenadora da pesquisa e cientista social Sofia Toledo afirmou que casos noticiados como crime passional muitas vezes têm um histórico de agressão, e não se devem apenas a um momento, um auge de emoção. “Por isso optamos por chamá-los de feminicídio, foi uma escolha política nossa. Pois percebemos que as mulheres mortas em chacinas nos mais diversos contextos são xingadas, desmoralizadas, sofrem abuso sexual, calúnias, humilhações, principalmente em territórios periféricos. Isso se pensarmos a periferia além do espaço urbano, onde a atuação do Estado tem sido sempre violenta”, afirmou.

Com características bem comuns aos feminicídios, alguns casos analisados pela pesquisa foram praticados por familiares das vítimas, em geral ex-companheiros, ocorreram nas residências, com uso de outros instrumentos além da arma de fogo, tais como armas brancas, espancamento e sufocamento. E ainda, em muitos deles, o desfecho foi o suicídio do agressor.  “Na chacina de Campinas, foram três gerações de mulheres da mesma família vitimadas e, quando chegou ao público, o caso foi noticiado como crime passional”, pontuou.

Sobre o recorte racial dos dados, o relatório conclui que o risco de uma mulher negra ser vítima de feminicídio e homicídio é duas vezes maior do que o de uma mulher não negra. Em 2021, foram 2.601 mulheres negras vítimas de homicídio, o que representa 67,4% das mulheres assassinadas no período, uma taxa de 4,3 mulheres negras mortas por 100 mil. Essa taxa é quase 45% maior do que a registrada para mulheres não negras, que foi de 2,4 a cada 100 mil.

A antropóloga e pesquisadora Belle Damasceno, da Iniciativa Negra, destacou que hoje, no Brasil, a cada quatro mulheres assassinadas, três são negras, entre elas quilombolas, indígenas e ribeirinhas. “São mulheres que estão fora do padrão no qual a vida deve ser conservada. E citou Milton Santos: a branquitude não tem direitos, ela tem privilégios. Porque ser cidadão é ter direito. E a população negra não é cidadã porque nem o direito de viver alcança. A necropolítica não diz somente quem deve morrer, ela determina quem não pode nascer ou chegar a determinadas idades”, disse.

A secretária estadual de Mulheres do PT-SP, Fernanda Curti, que esteve no evento, ressaltou que a chacina está vinculada ao debate das mulheres de forma intrínseca. “Primeiro que é um cotidiano das comunidades, infelizmente, pois é lá que a maioria das famílias é chefiada por mulheres negras. A chacina tem um alvo específico, que é a juventude negra. E agora, com a vinda de um governador do Rio de Janeiro para São Paulo, que, em minha avaliação, tem articulado a milícia dentro do nosso Estado, inclusive com a Operação Escudo dando início a essa organização, isso implica diretamente as mulheres. Elas são mães de jovens assassinados e muitas vezes elas mesmas são as vítimas do abuso policial”.


A secretária municipal do PT-SP Antônia Soares disse que a violência contra a mulher é um tema enfrentado na sociedade em todos os espaços e todas as horas. “A população de rua, por exemplo, aumentou muito, e grande parte dela são mulheres, que abortam no meio da rua porque não existe aborto legal. É um tema que precisa sair da bolha e ser pensado pra fora”, lembrou.

Para a antropóloga e pesquisadora Juliana Farias, não adianta continuarmos a discutir violências com foco em apenas um tipo de crime. “Não dá para dizer hoje que a violência de Estado é simplesmente uma questão racial, de gênero ou de criminalização de territórios periféricos, pois é tudo isso ao mesmo tempo. É importante que um projeto de pesquisa possa trazer o debate com as palavras que ele precisa. Não há mais como falar de execução sumária com meias palavras, amenizando o assunto”, afirmou.  

O ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, Claudio Silva, presente no lançamento, afirmou que denúncias sobre mortes de mulheres, feminicídio e violência contra a mulher não chegam à ouvidoria. “Temos acompanhado os dados e sabemos que as violações contra mulheres estão crescendo  e com tendência a aumentar, o que muito nos preocupa. No final do ano passado, procuramos o delegado geral da polícia e sua equipe para construir um relatório sobre violência contra a mulher. A ideia é analisar criticamente os dados, verificar que consequências têm essas violações, se resultam em inquérito, se o inquérito vira processo judicial e que caminho tomam as denúncias que chegam à polícia. A partir da análise, pretendemos problematizar essa questão gravíssima e debatê-la com a sociedade”, afirmou.

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