Em mais um capítulo de uma saga judicial longínqua, o fundador do WikiLeaks ganha o direito de recorrer em ação contra os Estados Unidos e a possibilidade de acionar dispositivo sobre liberdade de expressão

O criador do WikiLeaks, Julian Assenge: privado de liberdade desde 2010 Foto: Wikicommons/Embaixada do Equador


Nesta segunda-feira (20), o Tribunal Superior de Justiça de Londres concedeu o direito ao jornalista Julian Assange de apresentar um novo recurso contra sua extradição aos Estados Unidos. A decisão ocorreu pouco tempo depois de dois juízes britânicos pedirem, em março, mais informações ao governo norte-americano sobre o caso, além de solicitarem que o australiano possa recorrer à Primeira Emenda da Constituição do país, que trata da liberdade de expressão, no caso de confirmação da extradição.

Nos Estados Unidos, Assange pode ser condenado pelos vazamentos, a partir de seu site WikiLeaks, de cerca de 700 mil documentos confidenciais relacionados às atividades diplomáticas e militares do governo. Dentre as informações vazadas, chamou bastante a atenção um vídeo que mostra o ataque de helicópteros americanos em Bagdá, em 2007, que deixou dezenas de civis feridos, entre eles dois funcionários da agência Reuters.

Outro vazamento com grande repercussão foi o de que a NSA, a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, havia grampeado diversos líderes mundiais, entre eles, a presidenta Dilma Rousseff e também ministros de seu governo.

Em frente ao tribunal, durante a audiência, centenas de manifestantes favoráveis à Julian Assange comemoraram o resultado, muitos deles jornalistas e ativistas dos Direitos Humanos e pela liberdade de imprensa. No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se manifestou, por redes sociais, apontando que ele deveria ganhar um prêmio Pulitzer ao invés de ter sido preso e silenciado. “Espero que a perseguição contra Assange termine e ele volte a ter a liberdade que merece o mais rápido possível”, afirma Lula em seu perfil no X, o antigo Twitter.

Sua esposa, a advogada Stella Assange, com quem tem dois filhos, falou à imprensa, em frente ao tribunal, após o resultado da audiência e mandou um recado a Joe Biden dizendo que “o governo dos Estados Unidos deveria aproveitar este momento para abandonar o caso e colocar um fim nisso”.

No total, Assange enfrenta 18 acusações baseadas na Lei de Espionagem dos EUA e, se condenado, pode pegar até 175 anos de prisão. Em sua defesa, o advogado Edward Fitzgerald afirma: “Meu cliente está sendo processado por realizar uma prática jornalística comum, de obter e publicar informações confidenciais, informações verdadeiras e de interesse público evidente e importante.”

Ao longo dos anos, o estado de saúde física e mental de Julian Assange sempre foi uma preocupação. Neste sentido, os Estados Unidos apontam que, em caso de extradição, o ativista receberá os tratamentos necessários e que não deve ser detido na prisão de segurança máxima de Florence.

Segundo informações do The Wall Street Journal, o Departamento de Justiça do país avalia a possibilidade de fazer um acordo que pode libertar Assange. Segundo o jornal, se a tratativa for formalizada, ele deve se declarar culpado de malversação de documentos confidenciais, um delito de menor gravidade, mas a defesa aponta que, por enquanto, não há nenhum indicativo nesse sentido.

PRESSÃO – No mundo todo, protestos, especialmente de jornalistas, pedem a libertação de Assange Foto: Wikicommons

PARA ENTENDER O CASO

A saga do jornalista australiano começou em 2010 quando saíram os documentos mais sensíveis com relação à atuação militar dos EUA. Em 2012, já sofrendo represálias, houve uma denúncia de abuso sexual contra ele na Suécia, fazendo com que fosse ameaçado de extradição para o país. Dessa forma, Assange buscou asilo na embaixada do Equador em Londres, ainda em 2012, onde permaneceu até 2019, quando o presidente Lenín Moreno cancelou o acolhimento político.

Neste mesmo ano, em 2019, ele foi preso pela polícia britânica e encaminhado ao presídio Belmarsh, de segurança máxima, onde está atualmente. Na ocasião, o Departamento de Justiça norte-americano descreveu os vazamentos do WikiLeaks como “um dos maiores vazamentos de informações confidenciais na história dos Estados Unidos”. Em 2021, o Tribunal Superior de Justiça do Reino Unido chegou a negar o pedido de extradição dos EUA, mas a decisão foi cancelada.

LIBERDADE DE IMPRENSA

A notícia da possibilidade de recurso para o fundador do WikiLeaks movimentou o debate sobre o acesso às informações de interesse público. “Se Julian Assange for condenado, será uma sentença de morte para a liberdade de imprensa”, disse ex-relator especial das Nações Unidas sobre Tortura, Nils Melzer, uma das vozes contrárias à extradição.

A Anistia Internacional, importante entidade de Defesa dos Direitos Humanos com mais de sete milhões de apoiadores mundo afora, também se pronunciou por meio da porta-voz Agnés Callamard, secretária-geral da Anistia, que destacou que “ a publicação de conteúdos do interesse público é uma pedra angular da liberdade dos meios de comunicação social. Extraditar Julian Assange para que enfrente alegações de espionagem por publicar informação estabeleceria um precedente perigoso e deixaria muitos jornalistas apreensivos e inseguros em todo o mundo.”

Rebecca Vicent, da Ong Repórteres Sem Fronteiras, comemorou a decisão de recurso e disse que há um avanço, no sentido de debater o assunto e a possibilidade de colocar a liberdade de imprensa como central.


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