É fundamental que a sociedade se informe sobre as capacidades e limitações da IA, questione as narrativas promovidas pelas corporações e participe ativamente na definição de um futuro tecnológico que seja ético, justo, sustentável e que amplie os direitos das trabalhadoras e trabalhadores

Por Sérgio Amadeu da Silveira, para a Focus Brasil

Existem diversos tipos de IA realmente existentes, mas dois predominam atualmente. Um se baseia na abordagem simbólica, no uso da lógica para a manipulação de símbolos. Outro, a conexionista, se inspira na rede neural do cérebro humano para processar informações. Ela simula as redes neurais artificiais, compostas por unidades de processamento (neurônios artificiais) interconectadas, para extrair padrões e tomar decisões a partir de dados. O aprendizado ocorre por meio do ajuste dos pesos das conexões entre os neurônios artificiais, a partir de algoritmos de otimização, permitindo que o sistema melhore seu desempenho em tarefas específicas com base na experiência. Isso é metaforicamente chamado de treinamento. 

Os dados são o insumo fundamental dos modelos da IA realmente existente. Para criar os grandes modelos de linguagem, os LLMs, tais como o GTP, é necessário reunir bilhões de dados e muitas horas de computação para que os algoritmos sejam capazes de extrair padrões dos dados e cumprirem seus objetivos. Assim, uma das principais infraestruturas da IA são os Data Centers, locais adequados ao armazenamento e processamento de dados. Existem vários tipos de Data Centers conforme seu tamanho, características e modelos de negócios. Muitos deles são chamados de hiperescala e possuem em um único prédio mais de 300 mil computadores capazes de realizar um alto processamento de dados.

Além de um elevado gasto de energia, a economia digital dependente de dados e a crescente utilização de IA baseada em dados tem exigido uma grande quantidade de água para manter a temperatura adequada dos ambientes e das máquinas que rodam os modelos algorítmicos e vasculham suas bases de dados. As implicações ambientais das infraestruturas necessárias para suportar essas tecnologias são extremamente preocupantes. O treinamento de modelos avançados de IA, como o LaMDA do Google, gerou aproximadamente 36.000 toneladas de CO2 na atmosfera. O paradigma de uma IA dependente cada vez mais de dados é um grande desafio para a sustentabilidade ambiental.

Essa situação é agravada pela concentração de poder e conhecimento nas mãos de grandes corporações tecnológicas, as Big Techs, que dominam tanto a infraestrutura quanto o desenvolvimento da IA, muitas vezes em detrimento da pesquisa acadêmica e com pouca regulamentação ou supervisão. Em 2022, havia 32 modelos significativos de aprendizado de máquina produzidos pelas corporações, em comparação com apenas três produzidos pela academia. 

No campo do jornalismo e da educação, o aumento da automação e a utilização de sistemas de IA estão gerando não somente melhorias. Os sistemas automatizados, em especial, os grandes modelos de linguagem estão trazendo também a precarização de diversas atividades. Isso não apenas afeta o emprego, mas também a qualidade e a profundidade da educação e da informação jornalística. A substituição da criatividade e do discernimento humanos por decisões algorítmicas pode reduzir a diversidade tecnológica e cultural, bem como comprometer a integridade profissional nessas áreas.

Os problemas éticos relacionados à coleta e ao uso de dados também são preocupantes, com muitos algoritmos sendo treinados com dados coletados sem consentimento explícito, levantando questões de privacidade e segurança. A opacidade dos processos de decisão dos sistemas de IA pode facilitar a discriminação e o viés, perpetuando desigualdades existentes. Assim, torna-se crucial que governos e organizações internacionais estabeleçam diretrizes claras e rigorosas para o desenvolvimento e a implementação de IA, garantindo o uso responsável e ético dessas tecnologias.

A necessidade de uma abordagem multidisciplinar no estudo e desenvolvimento da IA é evidente, envolvendo uma colaboração entre técnicos, especialistas em ética, sociólogos, juristas e políticos. Esta abordagem holística é essencial para entender as implicações amplas da IA e para desenvolver tecnologias que beneficiem toda a sociedade, e não apenas interesses corporativos específicos.

Por fim, a importância da conscientização e da ação coletiva não pode ser subestimada. É fundamental que a sociedade se informe sobre as capacidades e limitações da IA, questione as narrativas promovidas pelas corporações e participe ativamente na definição de um futuro tecnológico que seja ético, justo, sustentável e que amplie os direitos das trabalhadoras e trabalhadores.

Sérgio Amadeu da Silveira é professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), sociólogo e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Autor dos livros: Tudo sobre tod@s: redes digitais, privacidade e venda de dados pessoais; Exclusão Digital: a miséria na era da informação; Software Livre: a luta pela Liberdade do conhecimento; entre outros.

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