Eleonora Menicucci: as lutas das mulheres no Brasil e no mundo
O 8 de março é um Dia Internacional de luta das mulheres. É um tempo de comemorar conquistas, de reafirmar as pautas de luta, relembrar sua origem e dialogar com as mulheres de todo o mundo, manifestando solidariedade. Simboliza a busca da igualdade, a busca de uma sociedade justa e igualitária.
8 de março abre o calendário de lutas das mulheres brasileiras, e este é um ano decisivo para as mulheres e para todos os movimentos populares no Brasil. Um ano de lutas, onde continuaremos a dizer não ao neoliberalismo, ao autoritarismo, ao negacionismo e também qual e como é o país que queremos viver. É fundamental, nesta disputa, termos um governo pautado por outro projeto de país. Quando elegemos Lula Presidente foi para construirmos um governo que se apoie em um projeto popular, feminista , antirracista e totalmente voltado para a classe trabalhadora e camadas populares.
Este é o maior desafio dos movimentos de mulheres e feministas , posto que o cenário tem demonstrado um governo de alianças muito amplas e de ¨pacificação nacional ¨, mas continuaremos pressionando com nossas pautas.
As mulheres, organizadas nos movimentos feministas, nos movimentos populares, tem sido as principais protagonistas das lutas de resistência à barbárie dos tempos pós golpe de 2016 que tirou da Presidência a primeira mulher eleita e reeleita – Dilma Rousseff- sem nenhum crime de responsabilidade fiscal; nossa resistência continua como na luta contra a ditadura militar, nos anos 1964 – 1978.
Se posicionam firmemente contra o atual modelo neoliberal, uma fase do capitalismo patriarcal e racista.Em 2015, a Marcha das Margaridas já denunciava a ameaça do golpe burguês, capitalista e misógino que a primeira presidenta mulher eleita no Brasil, Dilma Rousseff, viria a sofrer em 2016. O golpe foi e segue como uma ameaça à democracia e à vida das mulheres, contra o qual seguem em luta.
As mulheres se posicionaram contra a eleição do Bolsonaro, fizeram uma forte manifestação naquele ELE NÃO, pois já percebiam o retrocesso de tudo que haviam conquistado nos governos Lula e Dilma, compreendiam o caráter retrógrado, conservador e inimigo da classe trabalhadora, das mulheres, das pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+.
Esse posicionamento contra o governo, se expressou na votação das mulheres para as eleições 2018 e na de 2022, bem como na rejeição ao governo Bolsonaro,por conhecerem no seu cotidiano o que tem significado o desmonte das políticas públicas para as mulheres, consolidadas pelos governos do Lula e da Dilma.
As mulheres estão na frente das lutas pela liberdade e democracia, contra as desigualdades, contra a guerra, contra as políticas neoliberais, a violência policial que mata seus filhos, o racismo e o genocídio dos povos negros e indígenas, nas comunidades defendendo seus territórios e modos de vida. Defendem a autonomia sobre seus corpos, exigem uma vida sem violência e sem feminicidios .
Neste 8 de Março no Brasil estaremos juntas com as feministas francesas, comemorando a constitucionalização da conquista do direito de interromper uma gravidez indesejada, aprovada pelo governo francês.
E enquanto nossos vizinhos na América Latina avançam nessa pauta, no Brasil o desafio ainda é evitar retrocessos e manter a luta para ampliar conquistas. No Brasil a realização do aborto é permitida apenas em 3 situações: gravidez decorrente de estupro, risco de vida da mulher desde o Código Penal de 1940 e em 2012 o STF aprovou a realização do aborto nos casos de gravidezes de fetos anencéfalos. È importante ressaltar que mesmos nessas situações consideradas legais, temos assistido um enorme retrocesso de diminuição de hospitais do SUS que realizam o procedimento agravada com as dificuldades de acesso. Lembro aqui o criança de 11 anos estuprada durante quase toda sua infância pelo pai , do Espirito Santo que mesmo com autorização da mãe nenhum hospital do estado autorizou o procedimento, fazendo-a deslocar para o estado de Pernambuco.
Um dado alarmante é que no Brasil o aborto é a 4 causa de mortalidade materna e a 5 causa de internação no SUS. O que nos escancara a hipocrisia e falta de sensibilidade com a vida das mulheres que o poder público e a sociedade patriarcal tratam a questão do aborto ; sem a menor
sensibilidade com a vida das mulheres e, pior, as mulheres que morrem em decorrência de um aborto com procedimento mal feito se tornam responsáveis e apenas mais uma estatística.
A principal referência histórica das origens do Dia Internacional das Mulheres é a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em 1910, em Copenhague, na Dinamarca, quando Clara Zetkin e outras militantes apresentaram a resolução para instituir oficialmente um Dia Internacional das Mulheres. Nesta resolução não foi definido uma data. É certo que a partir daí, as comemorações começaram a ter um caráter internacional, expandindo‐se pela Europa, a partir da organização e iniciativa das mulheres socialistas. Antes desta resolução, já se comemorava um dia de luta das mulheres, especialmente nos Estados Unidos. Foi somente em 1922, que o dia 8 de Março passou a ser comemorado, unificadamente, e que corresponde ao dia 23 de fevereiro no calendário ortodoxo. É em referência a luta que foi travada pelas mulheres na Cidade de São Petersburgo. Em fevereiro de 1917, as manifestações de mulheres tomaram as ruas. Eram manifestações contra a guerra, a fome, a escassez de alimentos. Ao mesmo tempo, operárias do setor têxtil entraram em greve. Essas manifestações cresceram, envolveram outros grupos e deram início à Revolução Russa.
Nos anos posteriores a 1970 este Dia passou a ser associado erroneamente a um incêndio que ocorreu em Nova Iorque em 1911. O que fica evidenciado, a partir de diversas pesquisas das fontes históricas, é que a referência a uma greve de trabalhadoras americanas, ou a manifestações de mulheres, ou a um incêndio com a morte de um grande número de mulheres como sendo a motivação para a criação de um dia da mulher não aparecem registradas nas diversas fontes pesquisadas no período. Uma das pesquisadoras é Renée Côté, que publicou em 1984, no Canadá, sua instigante pesquisa em busca dos elos perdidos da história do Dia Internacional das Mulheres.
Neste 8 de Março de 23 as mulheres no Brasil convocam a todas as pessoas e todos os movimentos a lutarem Pela Vida das Mulheres, em defesa da democracia e pela punição para racistas, machistas, transfóbicos ,lesbofóbicos e golpistas de 8 de janeiro; lutar contra o machismo, combater a fome, lutar contra o racismo e a LGBTQIA+fobia, dando uma resposta as necessidades concretas do nosso povo: comida, terra, água, serviços públicos, direito de existir sem violência. Essas lutas são parte da disputa pelo modelo de sociedade que queremos. Por direitos trabalhistas, legalização do aborto e Sem anistia ao Bolsonaro e todos/todas golpistas.
A luta contra a fome e a pobreza passou a ter lugar de destaque na pauta feminista e dos movimentos de mulheres. Entre 2020 e 2021, primeiro ano da pandemia de Covid-19, a falta de comida saltou de 11, 2% para 19,3% nos lares comandados por mulheres. A maior ocorrência da fome entre famílias tendo as mulheres como responsáveis pode ser explica, dentre outros fatores, pela diferença de rendimentos que desfavorece as mulheres em relação aos homens.
Entre 2020 e 2021, mais de 6 em cada 10 (63,0%) domicílios tendo as mulheres como responsáveis estavam em algum nível de insegurança alimentar, sendo maior nos domicílios cujos responsáveis eram pessoas pretas ou pardas.
E surge o conceito de relações de Gênero
Considero importante um pouco da história da construção do conceito de gênero pelas mulheres feministas, para que se possa compreender o sentido do seu uso como uma categoria últil de análise histórica como nos disse Scott J.(Àvila, M B e Dabat, R C., 1991, SOS Corpo). Dessa maneira, costuramos os elos perdidos da História do Dia Internacional das Mulheres e reafirmamos que as relações de gênero, como as de classe social e de raça são absolutamente estruturantes de uma sociedade realmente democrática sem discriminações .
A democracia clássica, dos direitos naturais não contempla a noção da igualdade entre as e os diferentes, ao contrário, toda sua construção teórica e prática como afirma Rousseau (Pateman, 1992), exclui as mulheres da cidadania, portanto não se pode considerar igualdade sem a maioria da população. Aqui a questão da igualdade de gênero é fundamental para que a democracia seja ressignificada tanto teórica, como prática. Gênero, raça e classe são, portanto, dimensões estruturantes da democracia.
Ao utilizar o conceito de gênero nesse estudo, resgataremos o percurso teórico-metodológico enquanto categoria de análise, que transversa todos os campos de conhecimento em discussão nessa proposta
E é isso que a diferencia do uso tradicional da variável sexo (frequentemente com uma conotação descritiva) nas pesquisas, ao ser problematizada pelo feminismo quando mostrou que as relações de gênero não são produtos de um destino biológico, mas, antes de tudo, construções que possuem uma base matéria.
Assim, essas pesquisadoras francesas formularam, em termos de divisão sexual do trabalho, um quadro que permitiu conhecer simultaneamente a realidade e, não mais os estereótipos do trabalho feminino em todos os aspectos.
Um trabalho paralelo de desconstrução e reconstrução dos conceitos usualmente utilizados e de desvendar sua neutralidade mostrando suas características sexuadas, conduzindo, necessariamente, a uma crítica dos modos de conceituação no conjunto das Ciências Sociais. (Kergoat, 1996)
O uso do termo gênero é aqui utilizado muito além do significado puramente gramatical, para tornar-se explicativo dos atributos específicos que cada cultura impõe ao masculino e ao feminino, a partir do lugar social e cultural construído hierarquicamente como uma relação de poder entre os sexos. O termo “sexo” reporta ao significado biológico, enquanto “gênero” representa, na perspectiva relacional uma elaboração cultural sobre o sexo (Oliveira, 1997)
Finalizando…
As mulheres estão sempre, cotidianamente em Movimento, se transformando e buscando com suas pautas transformarem o mundo, e também sabem que toda transformação é dialética, cheia de ir e vir, de altos e baixos , de avanços e recuos. Mas nesse movimento ao se transformarem enquanto sujeito de direitos, percebem conscientemente que o processo dialético não abre possibilidade de retorno ao lugar de onde partiram, isto é, o lugar de não sujeitos, de oprimidas, subjugadas sem direito à esfera pública. Essas são as mulheres que romperam com as diferentes desigualdades de classe, gênero, raça, geracional, orientação sexual que as oprimiam. São trabalhadoras do campo, da cidade, das águas e das florestas que seguem em luta ocupando diferentes espaços de poder e exigindo mais espaços de decisões em todas as frentes de luta seja , na sociedade civil, seja no parlamento, seja em cargos de governo.
A sociedade brasileira e o Estado têm uma enorme dívida com as mulheres e principalmente com as mulheres pretas. Sem dúvida, convivemos cotidianamente com a escravidão que não se acabou com a abolição. Todos os dados de pesquisa apontam que as mulheres negras são as mais estupradas, as que ganham 30% a menos que as mulheres brancas e que mais morrem; o feminicidio entre as mulheres pretas é uma chaga que não cansamos de denunciar Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021,foram registrados 1341. Desse total 37,5% são brancas e 62% são negras.
Esses dados são subnotificados por diferentes motivos: as mulheres ainda tem vergonha de denunciar as violências e os profissionais que preenchem o atestado de óbito em grande maioria não colocam a causa como feminicídio.
Assim, são três os paradigmas fundamentais para conquistarmos a igualdade de gênero na sociedade: para trabalho igual , salário igual; garantia do exercício dos direitos sexuais e direitos reprodutivos bem como o acesso à saúde integral de todas as mulheres; o direito da mulher estar no lugar que ela escolher e principalmente nenhuma mulher a menos, nos queremos todas VIVAS.
Eleonora Menicucci de Oliveira
Profa Tirular Sênior da UNIFESP e Visitante Sênior da UFABC
EX Ministra de Políticas para as Mulheres do Gov Dilma Rousseff
Presidenta do Conselho Curador da FPA