No auge do debate sobre o uso político da ABIN, relembramos a experiência do país com serviços de inteligência nos últimos quase 100 anos

Henrique Nunes 

O presidente está acuado. O problema, no entanto, é não saber de fato quem é o inimigo. Defensores da liberdade? Veículos de Imprensa? Forças econômicas divergentes? Comunismo? As opções são muitas e o mandatário da República sabe que precisa agir. Ou, melhor, intervir. Em reunião de emergência, decide usar o serviço de inteligência para alimentar o Executivo com informações estratégicas – que, a bem da verdade, tinham a finalidade de salvar a sua própria pele. 

Estamos em 1927, últimos anos da intensa e conturbada gestão de Washington Luis. Carioca de Macaé, advogado de formação e com base ideológica republicana, o então presidente construiu sua trajetória política toda em São Paulo – com cargos no Legislativo e Executivo (foi prefeito da Capital e governador), além de participação ativa na Assembleia Constituinte Estadual em 1905. 

Após breve passagem pelo Senado, é escolhido por unanimidade para assumir a Presidência do Brasil em 1926, como representante paulista no revezamento com Minas Gerais no período conhecido como política do café-com-leite.

Luis carregava um viés progressista que resultou em alterações econômicas e estruturais agudas no país – antes, ele já havia sido um dos responsáveis pelas primeiras experiências em reforma agrária em solo brasileiro. 

Há quem diga que foi essa “visão além do alcance” que convenceu o então presidente a criar a primeira agência de inteligência do Brasil. Os motivos reais ainda não estão claros em pesquisas relacionadas ao período. O fato é que Luis, como é de praxe em quem ousa sentar-se na cadeira mais importante da política nacional, passou a acumular inimigos tão logo assumiu o cargo. 

A criação do Conselho da Defesa Nacional (CDN) veio em forma do Decreto nº 17.199, de 29 de novembro de 1927, um ano após o início da gestão. Em estudo publicado por Joanisval Brito Gonçalves, consultor jurídico do Senado Federal, “o órgão tinha como função estudar e coordenar informações sobre “todas as questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da Pátria”. De caráter eminentemente consultivo, o CDN não tinha um segmento encarregado de operacionalizar a atividade de inteligência. Talvez isso contribua para a compreensão do porquê da queda de Washington Luís”, aponta o documento. 

A queda ocorreu em 1930, quando Luis já havia rompido com Minas Gerais ao tentar emplacar o baiano Vital Soares como vice de Julio Prestes em sua sucessão. Quem acabou eleito foi Getúlio Vargas e Luis acabaria exilado do país. Como se vê o serviço de inteligência não foi tão eficaz a ponto de evitar a sua derrocada. 

Nem ao ponto de dois anos antes, impedir que Washington Luis tomasse um tiro da ex-amante em pleno Copacabana Palace. O fato ocorreu em 23 de maio de 1928 e a autora do disparo foi a marquesa italiana Elvira Vishi Maurich. A versão oficial foi de que o chefe da República tivera uma crise de apendicite. Quatro dias depois a jovem marquesa foi encontrada morta. A versão da polícia foi de que teria sido suicídio.

Da SNI à ABIN

Embora tenha havido órgãos com atribuições semelhantes após a iniciativa criada por Washington Luis, foi o Serviço Nacional de Informação (SNI) que mudaria a história do jogo. Fundado em 1964, como consequência imediata do Golpe Militar, o SNI foi aliado indispensável para colocar em práticas os mais ardilosos planos de repressão, colhendo informações sobre militantes de esquerda, partidos políticos, sindicatos e setores da Igreja Católica.

O órgão perdeu forças a partir de 1985, com o início da redemocratização, e acabou extinto no primeiro ano do governo de Fernando Collor, em 1990. Por quase uma década, falar sobre serviço de inteligência no Brasil era mexer num vespeiro que nenhum outro governante queria. O tema voltou à tona no segundo mandatado de Fernando Henrique Cardoso sob o pretexto de reestruturar o que até então era apenas uma subsecretaria da Casa Militar. 

FHC, ao sancionar a lei em 1999, criava o Sistema Brasileiro de Inteligência e oficializa a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). “Se não houver um órgão de informação democrático, ele não terá capacidade de realmente desenvolver a sua potencialidade porque ficará sob suspeita”, disse.

Segundo FHC, a Abin nasceu “abençoada pela democracia” e jamais seria usada para interferir na política, que no passado foi tão nociva também no Brasil”. 

Mudanças e Gabinete paralelo 

A ABIN seguiu subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência (GSI), órgão que costuma ser gerido por militares, até 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) extinguiu o gabinete e transferiu a agência para o controle civil, subordinado à Secretaria de Governo.

A medida foi desfeita por Michel Temer (MDB) e mantida durante o governo Jair Bolsonaro. 

É aqui que a história ganha o seu capítulo mais conturbado em décadas, com suspeitas contundentes de que o ex-presidente teria criado uma Abin paralela sob comando de seu filho Carlos Bolsonaro. 

A PF apura se houve a formação de uma suposta organização criminosa, apelidada de “Abin paralela”, para monitorar, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), adversários do ex-presidente e de sua família.

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