‘Conae do povo’ ocupou UNB para discutir novo Plano Nacional de Educação 2024-2034
Fernanda Otero
A Conferência Nacional Extraordinária de Educação (Conae), edição 2024, entrou para a história como uma das mais bem sucedidas promovidas pelos governos do PT. Os 1847 delegados ratificaram a proposta do documento base que criticou duramente a política de abandono e sucateamento a que foi submetida a educação nos últimos anos. A Conae aconteceu em Brasília entre os dias 28 e 30 de janeiro, e foi convocada em caráter extraordinário para elaborar o Plano Nacional de Educação 2024-2034.
Organizada em apenas oito meses, a Conae comprova a eficácia de manter a mobilização dos trabalhadores para lutar pelas políticas públicas progressistas. Eles não soltaram as mãos, em especial durante o ataque que sofreram depois do golpe à presidenta Dilma Rousseff em 2016. A criação do Fórum Nacional de Participação Popular (FNPE), manteve o setor unido e mobilizado.
O Ministério da Educação não deixou por menos: mobilizou recursos e secretarias para garantir a realização da conferência. Camilo Santana, Ministro da Educação, marcou presença em duas ocasiões: na abertura e no dia da visita do Presidente Lula. Outros ministros do governo federal e a primeira-dama, Janja Lula da Silva, também passaram pela “Conae Popular”.
O Fórum Nacional de Educação (FNE) é coordenado pelo pernambucano Heleno Araújo, professor da Rede Estadual de Ensino desde 1993. Araújo
foi eleito para coordenar o FNE em 2015, mas teve o mandato interrompido em abril de 2017. Reassumiu a missão em março de 2023, após portaria do Ministério da Educação que restituiu o Fórum. Na última reunião do pleno em 2023, foi reconduzido para um novo mandato de quatro anos.
Leia a seguir trechos de entrevista de Heleno Araújo à Focus.
Focus: Como foi sua origem no movimento sindical?
Heleno Araújo: Começou exatamente no dia 2 de julho de 1993, o dia em que me apresentei na Escola Custódio Pessoa, em Paratibe, após o concurso da Rede Estadual de Pernambuco. A categoria estava em greve; eu me apresentei à diretora da escola, entreguei os documentos e disse a ela que iria para a Assembleia de Greve da categoria. Fui e lá preenchi minha ficha de inscrição, tornando-me sócio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação de Pernambuco (Sintepe). Isso ocorreu em julho de 1993. Em 1996, fui convidado por dirigentes do sindicato para participar das reuniões preparatórias para a eleição, que ocorreu em agosto daquele ano. A chapa, encabeçada pela atual senadora Teresa Leitão, foi eleita e eu fui eleito para ocupar a Secretaria de Políticas Sociais. No mês de dezembro de 1996, tomamos posse no sindicato, marcando o início da minha atuação como dirigente sindical. Seis meses depois, assumi a Secretaria de Formação do sindicato. Passei pela vice-presidência e presidência do Sintep Pernambuco, sendo indicado para compor a direção da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Na CNTE, fui secretário de Assuntos Educacionais durante vários mandatos, e atualmente estou no segundo mandato de presidente. Antes de ingressar na confederação, também ocupei a secretaria geral e presidência da CUT Pernambuco.
Qual é o segredo de Pernambuco para que seus políticos sejam tão calmos, tenham essa personalidade democrática e estejam sempre prontos para o diálogo e para enfrentar desafios, em especial na área da educação?
Nós temos um histórico de luta no estado de Pernambuco, desde a época do império, da colônia. Creio que essa movimentação, esse espírito por liberdade, pela república em nosso país, tem sido transmitido de geração em geração, o que nos levou a um reconhecimento nacional e internacional, em particular na área da educação. Hoje, nós temos como patrono da educação Paulo Freire, que também nasceu em Recife, cidade onde nasci, e acho que é a partir desse lugar que nós estamos. Recife é considerada uma capital muito desigual, muito desigual. Quando o prefeito João Paulo (Lima e Silva), do Partido dos Trabalhadores, estava à frente da prefeitura, cerca de um milhão de habitantes viviam em condições difíceis, de pobreza e miséria, sem acesso à moradia adequada ou condições dignas de vida. O professor Márcio Pochmann incluiu Recife e Olinda em sua lista de 100 cidades brasileiras com maior concentração de pessoas ricas, dentro de 5.570 municípios. Isso mostra a forte desigualdade existente em Recife, onde há uma população que necessita da atenção e do cuidado do Estado. É claro que essa questão não se restringe apenas a Pernambuco, existem outros lugares em situações similares. Essa realidade desperta em nós, recifenses e pernambucanos, um senso de luta por igualdade, direitos e justiça social. Refletimos muito sobre isso em nossa juventude e isso impulsionou nossa atuação. Embora eu não seja da Sociologia e no contexto da sua pergunta sobre influências nacionais e por ter nascido em Pernambuco, acredito que esses fatores têm um papel importante.
E como foi a sua chegada ao Fórum Nacional de Educação?
Em 2005, eu fui indicado para compor a direção da CNTE durante um congresso que aconteceu em janeiro daquele ano. Assumi a função de delegado na Secretaria de Assuntos Educacionais, posição previamente ocupada pela nossa senadora Teresa Leitão e pelo ex-deputado federal, Carlos Abicalil, que também foi presidente da entidade. Nas atribuições desse cargo, era minha responsabilidade o acompanhamento do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Este fórum incluía diversas entidades nacionais como Andes, Fasubra, Sinasefe, Contee e outras, eu representava a CNTE. Esse fórum realizou vários congressos nacionais de educação, mas devido à dificuldade de manter um consenso entre as partes, ele deixou de existir. Em 2006, quando foi criada a Comissão Organizadora da Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb), fui designado pela CNTE para representar a confederação por conta da minha atuação como secretário de Assuntos Educacionais. Participei da Comissão Organizadora da Coneb 2007-2008 e mantive a representação da CNTE na Conae 2009-2010. Em 2010, por portaria do ministro Fernando Haddad, foi criado o Fórum Nacional de Educação, composto por 50 entidades nacionais, 39 titulares e 11 suplentes. Como representante da CNTE, participamos da coordenação da Conferência Nacional da Educação em 2014. No final da Conae 2014, em reunião do FNE, a CNTE foi a entidade indicada pela sociedade civil para coordenar o fórum por quatro anos, entre 2015 e 2018, período que culminaria com a próxima Conferência Nacional de Educação. Contudo, em 2017, a portaria número 577 do Ministério da Educação, de 27 de abril de 2017, interrompeu a coordenação do fórum, o que nos tirou a possibilidade de organizar e planejar a conferência de 2018. O ministro Camilo Santana assinou a portaria de reconstituição do fórum em março de 2023 garantindo a recomposição das 50 entidades que foram interrompidas em 2017. A CNTE foi reconduzida à coordenação para completar seu mandato, o que nos permitiu organizar a edição extraordinária da Conae 2024. Hoje, com 64 entidades nacionais, o Fórum Nacional da Educação desempenha um papel essencial na mobilização social, fomentando debates e elaborando políticas educacionais que ansiamos implementar no país, trabalhando em conjunto com os fóruns municipais, estaduais e o Fórum Distrital de Educação. Na próxima reunião do pleno, discutiremos a coordenação adjunta, os coordenadores das duas comissões permanentes, além de definir a secretária executiva do Fórum para esse próximo período de quatro anos.
– Como foi organizada a Conae 2024?
– Logo após a portaria de reconstituição do FNE, começamos a trabalhar imediatamente na construção da edição extraordinária da Conae, baseados em um documento referência consensual aprovado pelo Fórum. Debates intensos foram realizados nos fóruns municipais para propor emendas. Essas emendas, uma vez aprovadas pela maioria, foram encaminhadas para avaliação nos fóruns estaduais e eventualmente ao Fórum Nacional de Educação, onde o documento base foi consolidado. Importa ressaltar que novas propostas não são aceitas na etapa nacional, o critério que nós utilizamos é que quem está aplicando a política educacional nos municípios, nas redes estaduais, é que apresenta as emendas. Assim, garantimos que as propostas vêm de baixo para cima, pois respeitamos o princípio de que as sugestões emergem do contexto municipal e estadual. Divergências são naturalmente discutidas e as emendas aceitas pela maioria são incorporadas ao documento final. A próxima etapa envolve a entrega deste documento ao Ministério da Educação, e vamos solicitar ao ministro que façamos a entrega ao presidente Lula. O documento final da Conae será a referência para a elaboração do projeto de lei do Plano Nacional de Educação para a próxima década, de 2024 a 2034. Após o projeto ser enviado ao Congresso, continuaremos mobilizados para garantir que os deputados votem e aprovem o que foi apresentado na Conae.
Qual é o papel dos coordenadores dos fóruns estaduais dentro do Fórum?
Os coordenadores estaduais desempenham um papel fundamental, dado o formato federativo de nosso país e sua dimensão continental, torna-se inviável que nós, do Fórum Nacional de Educação, façamos uma interlocução direta com os municípios, que somam 5.570. Portanto, não disporíamos de estrutura para tratar diretamente com cada um deles. Assim, os fóruns estaduais assumem uma importância crucial nesse processo, pois por meio deles conseguimos articular os 27 fóruns – 26 estaduais mais o Fórum Distrital – com os quais mantemos um diálogo constante, esclarecendo dúvidas e avançando no processo de elaboração. Cabe a cada Fórum Estadual a tarefa de articular-se com seus respectivos municípios.
Consideremos, por exemplo, os estados de Minas Gerais e Bahia, com mais de 800 e 600 municípios respectivamente, ou ainda São Paulo, com sua grande extensão. A coordenação estadual, portanto, precisa exercer uma articulação intensa e um trabalho vigoroso. Contamos com o suporte da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), que está organizada nos municípios e atua junto aos secretários municipais, organizando também os conselhos municipais. Isso proporciona um contato direto em todos os municípios. A Uncme tem uma contribuição significativa nesse processo. O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), com suas secretarias estaduais que atuam nos Fóruns Estaduais, promove a conexão com os municípios, o que é de grande auxílio na nossa estrutura.
É imperativo que os Fóruns Estaduais mobilizem seus municípios e incentivem a criação dos Fóruns Municipais de Educação, fundamentais para a realização das Conferências Municipais. Orientações são fornecidas para a formação de uma comissão organizadora em cada município, a qual deve incluir, no mínimo, representantes de cinco segmentos da comunidade educacional: trabalhadores em educação, estudantes, pais e responsáveis pelos estudantes, conselheiros de educação e gestores educacionais.
Esta comissão organizadora, composta por esses cinco segmentos, têm a responsabilidade de coordenar a Conferência Municipal, especialmente onde não existe um Fórum Municipal de Educação estabelecido. Fica evidente que os Fóruns Estaduais têm uma grande responsabilidade, tendo que mapear onde existem ou não Fóruns Municipais, estimulando a sua criação e apoiando sua coordenação. O objetivo é viabilizar a realização das plenárias e das Conferências Municipais de Educação.
Portanto, os coordenadores estaduais desenvolveram um trabalho tenaz e extenso no decorrer do último ano, com o propósito de viabilizar a concretização das etapas municipais e estaduais da educação.
– O senhor mencionou que as entidades podem se manifestar caso não concordem com certo ponto. Gostaria de saber se as entidades têm, individualmente, poder de veto. Poderia explicar essa dinâmica?
– O Fórum possui uma base extremamente variada e diversa, com interesses sociais distintos. Temos representantes de entidades privadas, centrais sindicais, setor público, setor privado, educação básica, superior, representantes da classe trabalhadora, representantes de empresários. Existe a possibilidade, por exemplo, de uma entidade da iniciativa privada optar por vetar a inclusão de um determinado tópico, ou não concordar com determinado assunto.
A metodologia que desenvolvemos para elaborar esse documento deposita em cada entidade o poder de veto, a mesma adotada desde a Coneb de 2007. Assim, o documento referência aprovado no plenário do Fórum inicialmente não apresenta contradições entre as entidades participantes. Formamos um grupo de relatoria para preparar a minuta do documento. Esta minuta é então debatida na Comissão Especial de Monitoramento e Sistematização, atualmente composta por 22 entidades, incluindo representantes do Ministério da Educação e da sociedade civil. Este colegiado busca o consenso, e se qualquer uma das partes discordar de um ponto, este é removido do documento antes de ser aprovado na comissão. O documento só é aprovado por consenso. Todas as 64 entidades do Fórum têm que concordar que o documento referência está pronto para o debate.
Com o documento referência aprovado por consenso, iniciamos os debates nas conferências municipais. As questões que não alcançaram consenso no documento são reintroduzidas para discussão. Caso haja propostas de emendas, elas são debatidas e votadas; as que obtiverem maioria são incorporadas ao documento que, após as conferências municipais, segue para as estaduais, onde novas emendas podem ser apresentadas e votadas.
As emendas aprovadas nas etapas estaduais e no Distrito Federal são enviadas ao Fórum Nacional da Educação, transformando o documento referência no documento base, o qual não admite mais novas emendas, pois já compila as aprovadas anteriormente. Este documento é dividido em três blocos: o primeiro contém emendas indicadas para aprovação, o segundo, aquelas indicadas para rejeição – ambas as sessões baseiam-se no critério de aprovação em pelo menos cinco estados. O terceiro bloco apresenta emendas aprovadas em pelo menos cinco estados, as quais podem ser destacadas para discussão. Aprovadas, compõem o documento final, que é o resultado de todo esse processo participativo e democrático. Este documento fornecerá orientações e sugestões para a formulação do projeto de lei do Plano Nacional de Educação para a próxima década.
– Quando o documento final estará concluído?
– Essa conferência teve um caráter extraordinário; ela foi elaborada, concebida e executada em apenas oito meses. Portanto, representou um esforço intenso por parte de todos os envolvidos: os integrantes do Fórum Nacional, dos Fóruns Estaduais e Municipais.
A comissão responsável pela relatoria do documento prometeu entregá-lo até a próxima semana. Até então, estará tudo aperfeiçoado, sistematizado, com todos os ajustes finalizados. Vamos encaminhá-lo para a revisão linguística, assegurando que tudo esteja de acordo. Acredito que até o final da próxima semana teremos o documento finalizado. Agora, com o documento pronto, uma comissão o entregará imediatamente ao Ministro da Educação, Camilo Santana, para que ele possa dar início ao processo de elaboração do projeto de lei, o qual está atrasado. O governo anterior não cumpriu essa tarefa. E o governo Lula está corrigindo as falhas do governo anterior, reconstruindo o processo. Por essa razão, faremos a entrega diretamente ao ministro, para que ele e sua equipe possam começar a elaborar o projeto de lei. Além disso, solicitaremos ao ministro uma audiência com o presidente Lula, para que, em uma cerimônia com ele, possamos também entregar esse documento final. A partir de então, cabe ao governo federal a tarefa de elaborar o projeto de lei.
– Quais seriam, na sua opinião, os temas mais polêmicos desde a elaboração do documento referência?
– Para compreender a situação, é preciso considerar o contexto do debate externo que migrou para as redes sociais e capturou a atenção da grande mídia, atraindo condenações da extrema-direita e de conservadores em relação ao documento referência. Contudo, esses grupos não participaram dos debates nas etapas municipais, estaduais ou no Distrito Federal. Portanto, suas críticas a tópicos como o homeschooling, a educação domiciliar e o programa de escola militarizada – pontos que debatemos intensamente, incluindo questões da comunidade LGBTQIA+ – não foram incorporadas no documento base, justamente porque essas ideias não foram defendidas ou, se foram, perderam na votação das etapas municipais e estaduais.
No documento base, então, não havia necessidade de nos preocuparmos com tais divergências, pois elas não progrediram pelas etapas preparatórias da conferência. Mesmo assim, na etapa nacional, houve representação desses grupos, que participaram com delegados e tentaram influenciar o regimento da conferência com destaques que visavam desmantelar sua estrutura. Pretendiam anular o documento base e todas as ações tomadas pela Comissão Especial de Monitoramento e Sistematização. Caso fossem bem-sucedidos, a etapa nacional não teria sido realizada. No entanto, mais uma vez, suas propostas foram derrotadas por uma esmagadora maioria de votos.
Mantivemos o processo de construção acordado – eles contestaram o conteúdo e perderam nas etapas preparatórias; e posteriormente, na etapa nacional, contestaram a metodologia e também foram derrotados. Consequentemente, as discordâncias que ocorreram durante os estágios preparatórios e na etapa nacional foram resolvidas através do voto. Nas plenárias de eixos e na plenária final, as divergências foram minimizadas, incidindo apenas em detalhes, questões muito pontuais.
Na plenária final, realizada em 30 de janeiro, os debates focaram nesses detalhes, os quais aperfeiçoamos pela votação do plenário. As questões mais polêmicas, como a ideologia de gênero, o homeschooling e as escolas militarizadas, já haviam sido rejeitadas durante as etapas preliminares. Portanto, na etapa nacional, lidamos mais com questões pontuais e detalhes técnicos, que também foram debatidos e decididos por meio de votação, compondo assim o documento final.
– Por que eles defendem que esse atual plano nacional fique em vigor até 2026?
– Veja, acredito que estamos diante de um movimento, um processo que visa alterar o governo federal em 2026, até passar a próxima eleição. Creio que há a percepção de que, sob um governo progressista, há o incentivo à participação popular e a abertura para discutir temas relevantes para a vida das pessoas. Contudo, a extrema-direita se opõe ao debate sobre sexualidade e sobre questões ligadas à população LGBTQIA+, e outros temas atuais que preferem ignorar ou omitir.
Argumentam contra a existência da escola ao defenderem a educação domiciliar, querem mudar a Constituição Federal que atualmente exige que as famílias matriculem seus filhos na escola, seja ela pública ou privada. Eles querem que a matrícula seja facultativa. Para famílias com condições financeiras, essa alteração permitiria manter os filhos em casa com acesso a professores particulares. Entretanto, 86% das matrículas públicas são de estudantes oriundos de camadas sociais menos favorecidas, que dependem da escola. Mudar a Constituição pode inadvertidamente levar essas famílias a manter os filhos em casa para ajudar nos trabalhos domésticos ou cuidar dos irmãos mais novos, abandonando assim a educação formal.
Esse grupo não considera as implicações dessas mudanças para quem depende do sistema educacional. Eles veem apenas a sua realidade, sem perceber as necessidades dos outros. Portanto, a escola acaba sendo um campo de batalha ideológico. Nos apresentam a escola militarizada como se fosse uma solução para problemas sociais, mas o verdadeiro objetivo é formar jovens em uma cultura de celebração militar, algo diametralmente oposto aos nossos princípios. Nosso foco é defender uma escola solidária, que promova cooperação, cidadania e respeito mútuo.
Há um temor de que o governo Lula possa potencializar nossas ideias, e por isso tentam uma prorrogação do PNE até 2028, pois, caso ele saia em 2026, eles poderiam retomar temas como homeschooling, escolas militarizadas e a condenação à população LGBTQIA+. É exatamente por esta razão que o MEC está correto em atender à nossa demanda contra essa prorrogação, defendendo que o debate ocorra no Congresso. Podemos perder no Congresso? Sim, podemos perder no voto no Congresso, mas é lá o espaço para discutir e definir políticas públicas, para avançar propostas que sejam mais inclusivas e humanistas. Este é um espaço político onde as ideias devem ser confrontadas, e é no Congresso Nacional que veremos o desenrolar e o resultado final para a formação do próximo plano.
– Você tem religião, professor?
– Sou católico, minha religião é católica. Passei por todos os sacramentos e ritos da Igreja Católica.
– Como o ensino religioso foi tratado no documento referência?
– Sim, considero este ponto bastante tranquilo. Temos, dentro do fórum, a ANEC, Associação Nacional de Escolas Católicas, e a ABIEE, Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas. Portanto, para nós, isso não representa um problema. Igualmente, não nos preocupa a existência de escolas militares associadas à polícia ou ao exército nos estados. O militar que deseja que seu filho siga a carreira militar tem à disposição escolas específicas para isso, com regras e legislação próprias. O que nos incomoda é a transformação de escolas públicas, como a minha escola em Paratibe, Pernambuco, que preza pela gestão democrática e pela participação, em instituições militarizadas por militares aposentados. Isso não podemos aceitar, pois vai contra o tipo de sociedade que almejamos, na qual a educação não deve ser impositiva e militarizada.
No que tange à questão religiosa, somos firmes. Não temos nenhum problema com a existência de instituições confessionais diversas, como as adventistas, outros ramos evangélicos ou católicos. Porém, o Estado brasileiro é laico e, como tal, não deve interferir na instrução religiosa. A minha formação religiosa, por exemplo, ficará a cargo da minha família. Portanto, a escola pública, refletindo o Estado laico, não deve ofertar aulas de religião. Isso não quer dizer que somos contrários às religiões, mas acreditamos que cabe às famílias a decisão da educação religiosa dos filhos, quer seja em escolas confessionais, quer seja em outras instituições de sua escolha.
– Quais foram os altos e baixos no decorrer dos três dias?
Acredito que a tensão mais aguda ocorreu no início, com as expectativas acerca do credenciamento e da primeira plenária de regulamento. Como em qualquer evento, houve desafios logísticos e informações desencontradas que geraram ansiedade inicialmente. Contudo, a disciplina demonstrada por delegados e delegadas durante a plenária inaugural, apesar de um atraso inicial, foi exemplar. Conseguimos adentrar o cerimonial do Ministério da Educação com apenas 15 minutos além do planejado, o que considero um ponto alto do processo.
Outro momento relevante foi durante a votação do documento final, abraçando todos os sete eixos propostos. Isso coroa a Conferência Nacional de Educação Extraordinária de 2024, cumprindo o nosso papel enquanto sociedade civil e concluindo a tarefa com o apoio e financiamento público. Produzimos um documento representativo que será entregue ao governo, reflexo do intenso trabalho realizado.
– Do ponto de vista político, o senhor identifica alguma questão que foi negativa?
– Do ponto de vista político, não percebo nada negativo. Por quê? O fórum tem o papel de realizar a conferência e isso foi feito. As críticas que vieram do outro lado, seja da oposição ao governo Lula ou daqueles contrários às nossas ideias, são apenas isso, críticas. Mas o papel que está estabelecido pela lei, especificamente nos artigos 5º e 6º da lei do PNE, atribui ao fórum a responsabilidade de organizar a conferência; portanto, não vejo pontos negativos politicamente neste processo. As manifestações ocorridas durante a conferência são expressões legítimas de democracia. Cada faixa, cada cartaz, cada grito se insere neste contexto.
É importante que as pessoas entendam que realizar a conferência é apenas uma das etapas de um necessário processo de participação popular em nosso país. Nosso documento final reflete o que demandamos para que as políticas educacionais se transformem em leis que atendam às nossas necessidades e importância para o cumprimento do papel das escolas, universidades e pós-graduação no contexto nacional.
O Ministro Camilo Santana destacou em seu discurso de abertura que este documento servirá de referência para o projeto de lei do PNE – um segundo passo importante nesse processo. Entretanto, há ainda outro passo gigantesco: nossa atuação no Congresso Nacional. Precisaremos dialogar com todas as deputadas e deputados federais, senadoras e senadores, e paralelamente, dialogar com eleitores nos municípios. Devemos dizer-lhes que elaboramos um documento que promove melhorias na educação básica, profissional e superior. É importante que os eleitores conscientizem seus representantes da importância desse documento para suas vidas e para as futuras gerações.
Os parlamentares devem respeitar a vontade da maioria, votando conforme indicamos para aprimorar o processo de ensino-aprendizagem, da creche à pós-graduação. Portanto, teremos que manter esse papel ativo: eleitores conversando com parlamentares, mantendo um diálogo constante e atuação permanente para alcançar um PNE que realmente atenda às necessidades do povo, garantindo o direito ao acesso, permanência e conclusão dos estudos em todas as etapas e modalidades.
A luta não acabou. Ela segue viva e precisamos de você para manter esse processo de mobilização por conquistas significativas para a educação pública brasileira. Estamos defendendo a educação pública e regulamentando a educação privada, e para isso, contamos com sua presença nessa batalha.
– Como foram organizados os colóquios?
Os colóquios, realizados no âmbito da CONAE, são uma construção histórica que se mantém desde o início. Desde a CONEB, a metodologia segue a mesma. E por quê? Os colóquios representam a oportunidade para que as entidades componentes do Fórum Nacional da Educação possam expressar suas posições. Quando uma entidade tem o poder de vetar no documento referência ou de participar do debate com emendas — e caso estas sejam derrotadas — o colóquio serve para aprofundar o debate e explicar os acontecimentos. Eles constituem um espaço para detalhar as discussões em torno das emendas incorporadas ao documento base, sendo um aspecto interessante do processo. Realizamos isso na CONEB em 2008 e em todas as conferências subsequentes: a CONAE em 2010, 2014, a CONAP em 2018, 2022 e agora em 2024.
O que é notável, é que, embora se diga frequentemente que há dispersão quando o plenário se divide em grupos, não foi isso que aconteceu na CONAE em 2024, nem nas conferências anteriores. Os colóquios estavam lotados, com filas de pessoas que queriam participar, mas não havia mais espaço. Isso mostra o alto nível de engajamento no debate e na discussão; uma participação intensa e sem dispersão. As delegadas e os delegados, assim como os observadores inscritos, mantiveram-se firmemente comprometidos, discutindo e aprofundando o debate, o que também foi espetacular. Resolvemos “problemas bons” — ou seja, lidamos com a alta demanda de participação que superava a capacidade dos espaços disponíveis. Estes “problemas bons” surgiram em várias ocasiões durante a CONAE de 2024. Destaco também as plenárias de eixos, em que dedicamos cinco horas de trabalho, mas em dois dos eixos o trabalho prolongou-se até às 22 horas. Ou seja, foram muitas horas de trabalho contínuo e engajamento até tarde da noite, demonstrando o compromisso de todos em alcançar consensos. Esses são momentos preciosos que evidenciam nossa dedicação à educação pública do país e o cuidado com a regulamentação da educação privada.
– Como o Fórum se envolve no debate sobre a reforma do ensino médio?
– O Fórum está totalmente engajado. Criamos um grupo de trabalho temporário que produziu três documentos, analisando todo o processo de construção da proposta enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional. O Projeto de Lei 5230, conta com a colaboração do FNE. Não conquistamos tudo que desejávamos, já que sabemos que, na elaboração e discussão de políticas, não se ganha 100%. Portanto, o projeto entregue ao presidente Lula, que foi enviado ao Congresso Nacional, é aquele que o Fórum Nacional de Educação defende.
Você pode questionar se esse projeto contém tudo o que queríamos. Não, não tem. No entanto, nos comprometemos com o MEC, juntamente com o CONSED, que é o Conselho de Secretários Estaduais, o Fórum de Conselhos Estaduais de Educação, o Conselho Nacional de Educação e a União Brasileira dos Estudantes. Nos comprometemos a pensar e elaborar uma proposta, que, embora não tenha 100% do que queríamos, foi construída de forma coletiva e com concessões da nossa parte, mas o projeto é o resultado de uma construção coletiva.
É essencial que o relator deste projeto, o nosso interlocutor, compreenda e respeite essa construção coletiva, sem impor o conteúdo de uma lei que foi produto de medida provisória em 2017, sem debate. A medida provisória impõe, mas não discute – e isso subtrai a essência do debate que temos agora. Então, é crucial que o relator entenda isso, e o Fórum Nacional de Educação está preparado para explicar-lhe essa circunstância.
– O que significa a participação do presidente Lula?
A presença do presidente Lula foi de grande importância na conferência. Ele sempre se fez presente, como ocorreu na conferência de 2010, e também contamos com a presença da presidenta Dilma Rousseff em 2014. Agora, essa tradição se repete com o presidente Lula, refletindo o empenho de um governo democrático e popular. Esse apoio presidencial endossa a importância da participação da comunidade na formulação das políticas educacionais.
O próprio presidente frequentemente ressalta essa necessidade. No último encontro dos interconselhos, ele reiterou a importância de integrar a população para que ela cobre, fiscalize, controle e exija que o governo atenda a todas as demandas. A presença de Lula na conferência reforça este posicionamento e incentiva a luta por um Plano Nacional de Educação que realmente incorpore nossas demandas na legislação e que seja efetivamente implementado pelo Estado brasileiro.
É importante destacar que a conferência é organizada por entidades ativas na sociedade e financiada pelo poder público, através do Ministério da Educação, que participa ativamente com todas as suas secretarias no Fórum Nacional da Educação, teve uma forte influência e um forte trabalho na organização dessa conferência. A presença do presidente Lula não apenas confirma esse compromisso como também enfatiza a dedicação do Ministério da Educação em trabalhar por essa ação coletiva.– Vocês estão preparados para realizar a próxima conferência nacional em 2026?
– Vamos precisar fazer alguns ajustes na estrutura, na organização. Queremos poder realizar uma conferência com menos dificuldades no processo de organização, mas o Fórum está preparado, sim. Um Fórum que consegue fazer uma conferência extraordinária em oito meses está mais do que preparado para fazer uma conferência daqui a dois anos, com certeza.