A formação do capitalismo brasileiro se deu de forma tardia, herdando um forte componente do coronelato rural, que mesmo após a abolição da escravatura, em 1888, manteve as rédeas do poder político. A quartelada de 1889 liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca destituiu o imperador Dom Pedro II e instaurou a República. “O povo assistiu àquilo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando ser uma parada militar”, disse então o jornalista Aristides Lobo, em carta ao jornal Diário Popular. 

A instauração da República ignorou os milhões de escravizados recém-libertos e entregou-os à própria sorte, em vez de promover uma reforma agrária, dando lotes de terras aos libertos e condições mínimas de habitação, a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos. Querendo obrigar o negro liberto a voltar a trabalhar para os senhores, o Estado Republicano instaura a Lei da Vadiagem: quem fosse encontrado nas ruas sem vínculo de emprego era direcionado à detenção. 

Começou aí a criminalização racializada da pobreza que, somada ao êxodo interno, transformou regiões urbanas em bolsões de miséria onde pobres ficaram à margem da “modernização”. A essa população marginalizada, restou a ocupação de cortiços, morros e periferias de grandes centros, algo quase perpetuado. 

A ausência de aparelhos de Estado nestas regiões, com exceção das forças policiais, aliada à necessidade de sobrevivência, criaram um quadro de emergência social, com aumento da criminalidade. A entrada das drogas, mercado rentável, dado o alto consumo nas classes médias e nas elites, criou uma espiral de criminalidade e a dividiu territórios. No Rio de Janeiro, a entrada do jogo do bicho e outras ilicitudes logo ganhou o respaldo de setores das forças de segurança. 

Rota de passagem no tráfico internacional de drogas, o Brasil viu recrudescer as lutas entre facções criminosas – em muitos casos, com a conivência de forças policiais. A rota do tráfico também intensifica o tráfico de armas, equipando quadrilhas com verdadeiros arsenais de guerra. O desprezo pela vida e a certeza da impunidade, dada a pouca efetividade das investigações, fez explodir, ao longo dos anos, o número de morticínios, de feminicídios, estupros, casos de pedofilia e de violência doméstica. 

A lógica da segurança pública, seguindo o caráter autoritário da sociedade, é agravada pela busca por um inimigo interno: na política, os “subversivos”; no cotidiano, a pobreza. A militarização da segurança pública, instaurada pelo golpe de 64, entupiu presídios e criou, ao negar a ressocialização efetiva, um efeito de criação e proliferação e organizações criminosas. 

A falência institucional dos estados, cujo epicentro é o Rio de Janeiro, expõe a disfuncionalidade do aparato repressivo adotado até aqui. A criação dos chamados esquadrões da morte, grupos de extermínios que logo começaram a cobrar do comércio, em periferias, taxa de segurança – que alcançou conjuntos habitacionais e derivou a um cotidiano de exploração constante, da TV a cabo ao gás de cozinha, as chamadas milícias. 

Iniciadas por agentes públicos das “bandas podres” das forças policiais, as milícias derivaram para o banditismo explícito. Mesmo modus operandi do tráfico. Hoje, os pobres, em especial mulheres, são as vítimas recorrentes. Nesse corolário do caos, a esquerda brasileira, cuja luta contra a opressão sempre esteve na ordem do dia, quedou-se absorta. Residem aí as dificuldades das forças progressistas em formular alternativas a esse estado de coisas cada vez mais sombrio. 

É hora de mudar

Vista sempre como uma questão que compete a estados, a segurança pública teve da parte de sucessivos governos federais um tratamento paliativo e acessório, mesmo nos governos de FHC, Lula e Dilma Rousseff, por uma e outra abordagem mais explícita, a pauta continuou não sendo a prioridade tal qual deveria.

Eleito para o 3º mandato com a promessa de criar o Ministério da Segurança Pública, Lula escolheu Flávio Dino para assumir o MJ acumulando a segurança pública. Escolha correta. Dino, desde o início, enfrentou com firmeza o golpismo do 8 de janeiro e abriu uma parceria com os estados para fortalecer as ações de segurança. O combate sem trégua ao crime organizado, ao garimpo ilegal, o desmatamento da Amazônia e ao armamento irresponsável fez dele o alvo principal das corporações criminosas e seus associados. 

Reestruturar o papel constitucional da segurança pública e construir um pacto federativo que eleve ao plano institucional o Sistema Único de Segurança Público, o SUSP, é o caminho!

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