Alberto Cantalice

“Tudo que era sólido se desmancha no ar, tudo que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas”. Essa proclamação de Marx, nos idos de 1848, longe de contestar a religiosidade – o que foi largamente difundido pelos adeptos do laissez faire e da mão invisível do mercado – questiona a superexploração e a deificação do modo de produção capitalista como a panaceia que iria transformar o mundo.

É fato incontestável que o aprofundamento das relações capitalistas de produção trouxe mudanças significativas no modo de vida das nações. Em especial nos países que se incorporaram nas revoluções industriais: os EUA e a Europa. A Revolução de 1917 na Rússia acendeu um sinal de alerta para essas nações: seria impossível manter o status quo reinante, caso se construísse, na fronteira da Europa e da Ásia, uma sociedade que se intitulava socialista –  sociedade cuja ideia-força era a dominância dos operários e camponeses nos destinos do país.

Os ecos do Outubro russo impactaram decisivamente os rumos do capitalismo no mundo. Especialmente após a debacle de 1929 na Bolsa de Valores de Nova York: a primeira crise sistêmica enfrentada pelo modo de produção capitalista. Antes disso, o empobrecimento crescente da população na Itália, produzida pela Primeira Guerra Mundial já tinha proporcionado a assunção do fascismo de Benito Mussolini, em 1922. 

O rescaldo advindo do Tratado de Versalhes que trouxe pesadas sanções à Alemanha, aliado à crise econômica produzida pelo tsunami de 29, promoveu a vitória de Adolf Hitler e a instauração do nazismo. Este teve terreno fértil para crescer dado a divisão entre comunistas e sociais-democratas e cujo sectarismo de ambos os levou a uma derrota acachapante.

A crise de 1929 também varreu os EUA, levando o presidente Franklin Roosevelt a implementar o New Deal: uma série de projetos e programas para recuperar e reformar a economia, com forte presença regulatória e de investimentos por parte do Estado. 

A necessidade de regular e unificar o capitalismo levou a que após a 2º grande guerra se instalasse a Conferência de Bretton Woods, cuja finalidade era reorganizar o capitalismo no período do pós-guerra e acabar com o “protecionismo econômico” e o imperialismo: o grande causador de conflitos e de crises como a de 1929 e as duas grandes guerras. Daí o surgimento do Fundo Monetário Internacional, o FMI e o Banco Mundial.

Pontificaram nessa Conferência as ideias do economista britânico John Maynard Keynes que defendia uma forte presença estatal na economia construindo um Estado de bem-estar social pelos Estados, ao passo que se mantinha a livre iniciativa nas relações econômicas: a economia de mercado.

Esse modelo produziu uma rápida retomada do emprego e da renda nos EUA e os 30 anos gloriosos na Europa ocidental.

A calcificação do socialismo real no Leste Europeu e a estagnação da China, deixaram de inspirar grande parte das massas trabalhadores nos países desenvolvidos, que viviam a plenitude da social-democracia. O poder aquisitivo nos países escandinavos passou a ser o sonho de consumo mundo afora.

O aggiornamento chinês de Deng Xiaoping trouxe para o território asiático milhares de plantas industriais das transnacionais americanas e europeias que viviam um período de estagflação: a mistura tenebrosa de estagnação econômica com a inflação crescente.

As vitórias de Ronald Reagan nos EUA e de Margareth Thatcher na Grã-Bretanha, fez emergir a maior desregulamentação do capitalismo mundial desde Bretton Woods. Essa desregulamentação, atrelada à perda de empregos e a desindustrialização promovida pela emigração das plantas industriais para o Oriente, encontrou a URSS vivendo um período de estagnação econômica e de falta de recursos financeiros, pois ao entrar na corrida armamentista com os EUA, deixou de prover sua população dos bens de primeira e segunda necessidade.

A excessiva burocratização nas instâncias de poder; o apego a uma gerontocracia partidária; e a falta de perspicácia na questão econômica levará ao fim da URSS e à derrota dos países do Leste, que caíram tal qual castelo de cartas.

O fim do socialismo real e a restauração capitalista na região vieram na contramão do crescimento do chamado socialismo com características chinesas. Uma conjugação de forte presença estatal em parceria com o mercado, que tirou a China do atraso econômico elevando-a a condição de 2ª economia do mundo.

Por outro lado, as economias capitalistas optaram pelo enfraquecimento do papel do Estado e a emergência da financeirização da economia. O ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria, foi substituído gradualmente pelo modo dinheiro-dinheiro, sufocando a produção da força de trabalho, já diminuída pela robotização e pela maquinaria. Produzindo a maior crise na história da civilização mundial, com as crises climáticas e o aumento do desemprego e da miséria.

Sem alternativas para a manutenção da ordem capitalista como se afigura, o grande capital para não colocar as questões sociais no posto de comando, aposta no individualismo e num certo progressismo despolitizante. Alimenta o conservadorismo e o fundamentalismo religioso e ataca o Estado.  Rompe a lógica da ciência, e estimula governos de caráter autoritário. O polo impulsionador da emergência da aliança extrema-direita e do grande capital tem seu epicentro nos EUA e na liderança de Donald Trump.

Hoje, na ausência da chamada guerra-fria, a extrema-direita elegeu a China como adversária. Não à toa, personagens da política do ridículo, idiotas como Milei e Órban, atacam os chineses – e Trump a coloca como o adversário a ser abatido.

A China vem demonstrando que a sua luta pelo desenvolvimento e inclusão deu certo. Extinguiu a miséria e melhorou a olhos vistos as condições de vida de seu povo. Enquanto isso, os neo e os os ultraliberais patinam em seus respectivos países.

Nesse momento histórico, não é preciso sequer ir a Marx, que abriu esse artigo em citação do século 19..Basta buscar Jean Jacques Rousseau: “Uma sociedade só será democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha que vender-se”. Não há futuro para a humanidade sem distribuição da renda e da riqueza.

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