Como na literatura, na música também há uma barreira entre o Brasil e o restante da América Latina. É que se depreende da performance do Brasil no Grammy Latino. Na premiação de 2023, ocorrida na última quinta-feira, 16, em Sevilha (Espanha), o Brasil não levou nenhum prêmio entre as categorias principais: álbum, gravação e canção do ano, além de artista revelação.

Ainda que a música brasileira tenha concorrido em várias delas, nossos principais prêmios em 2023 estiveram nas categorias específicas para língua portuguesa ou em gêneros exclusivamente brasileiros, como samba/pagode ou sertanejo, na quais o Brasil concorreu com… o Brasil, na maioria das vezes. 

 “TecnoShow”, da paraense Gaby Amarantos, venceu como o melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa.  O grupo carioca Planet Hemp foi consagrado como autor de  melhor álbum de rock ou de música alternativa em língua portuguesa com  “Jardineiros”. A baiana Xênia França levou o prêmio de melhor álbum de pop contemporâneo em língua portuguesa com “Em Nome da Estrela”. “Negra Ópera”, do carioca Martinho da Vila, recebeu o título de melhor disco de samba/pagode 

Dois prêmios póstumos foram concedidos na noite de ontem, para João Donato e Marília Mendonça. “Serotonina”, de Donato,  ganhou na categoria melhor disco de música popular brasileira, enquanto “Decretos Reais”, lançado depois da morte de Marilia Mendonça, foi vencedor de o melhor álbum de música sertaneja. 

O casal Tiago Iorc e Duda Rodrigues levaram o gramofone de melhor canção em língua portuguesa por “Tudo o que a Fé Pode Tocar”. Eli Soares venceu na categoria de melhor álbum de música cristã em língua portuguesa com “Nós”.

A explicação para esse relativo isolamento da música brasileira numa  premiação destinada a destacar a produção de toda a América Latina não reside apenas na língua, como talvez seja o caso na literatura. Antes, é atestado de dois fenômenos. 

O primeiro é que a música brasileira existe e opera num circuito praticamente fechado, de produção, fruição e consumo. O segundo é o fato de que o grande mercado norte-americano não está nem aí, de certa forma, para a música brasileira, a não ser como curiosidade exótica ou objeto de culto pequeno e   localizado.

Ainda que a música brasileira tenha chamado a atenção pela sua originalidade desde os Oito Batutas de Pixinguinha excursionando na década de 1920 do século passado ou dos concertos de Bossa Nova nos anos 1960 nos Estados Unidos,  a indústria de música nunca reservou aos artistas brasileiros um lugar de destaque permanente na arena pop (e Anitta que o diga).

Mesmo assim, ganhar um Grammy Latino é palco importante para qualquer artista brasileiro.  Em seu discurso de agradecimento, Gaby Amarantos dedicou o prêmio às mulheres negras, da Amazônia e da periferia: “Eu sou uma artista da Amazônia, da Floresta Amazônica do Brasil. E faço música da periferia negra de Belém do Pará. Quero agradecer, sou uma artista independente. Estou há 20 anos trabalhando com esse estilo. Recebo com muita honra, alegria esse prêmio reconhecendo a música como música de raízes brasileiras. Viva o tecnobrega!”.

Dor de cotovelo à colombiana

Na premiação de ontem, noite que consagrou duas colombianas, a veterana  Shakira (melhor canção e melhor música pop com “Shakira: Bzrp Music Sessions, Vol. 53”) e a novata Karol G levou (melhor álbum do ano, melhor álbum de urbana e o de interpretação urbana por “Tqg”). A venezuelana Joaquina conquistou o reconhecimento como artista revelação, em uma categoria que tinha a brasileira Natascha Falcão concorrendo.

A vitória de Shakira justamente com a música gravada (com o rapper Bizarrap) que fez para o ex-marido Gerárd Piqué, cuja letra tem referências bastante diretas sobre as traições que sofreu ainda casada com o jogador de futebol, teve gosto de superação (e vingança) para a cantora.  Na época em que foi lançada, a música a colocou no topo da lista de artistas latinos mais ouvidos no mundo, mas também rendeu à cantora muitos ataques masculinos nas redes pela exposição do ex-ídolo do Barcelona e da Seleção Espanhola. Não satisfeita,   compôs mais uma série de canções sobre o mesmo tema. “Te Felicito”, “Monotonía”, “TQG” e “Acróstico”.

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