Argentina: Sergio Massa na frente

Pesquisa mostra o peronista à frente dos conservadores, mas Milei ainda é ameaça. Em debate, o “hermano Bolsonaro” disse que a ditadura não desapareceu com 30 mil argentinos

A disputa presidencial na Argentina se aproxima da hora da verdade, com o candidato peronista Sérgio Massa, ministro da Economia no governo Alberto Fernández, à frente das pesquisas eleitorais. No início da semana, Massa superou o candidato da extrema-direita Javier Milei, de acordo com levantamento da Atlas Intel. Segundo a pesquisa, Massa tem 30,7% das intenções de voto contra 27,9% de Milei.

Milei protagonizou no último final de semana o debate presidencial que deixou a Argentina perplexa diante das declarações do “Bolsonaro argentino” ao tentar negar a violência da ditadura naquele país nos anos 70 e 80. Candidato presidencial de coligação La Libertad Avanza, o extremista Milei tentou minimizar as mortes ocorridas sob o governo militar. Ele disse que “não foram 30 mil” o número de desaparecidos, lembrando que houve “uma guerra” contra o terrorismo nos anos 1970.

“Nós, liberais, valorizamos a visão de memória, Verdade e Justiça, mas começamos pela verdade. Não foram 30 mil os desaparecidos foram 8. 753”, disse. E acrescentou: “Por outro lado, estamos absolutamente contra essa visão torta da história. Para nós durante os anos 70 houve uma guerra e nessa guerra as forças do Estado cometeram excessos, mas também os terroristas de Montoneros, do ERP, mataram pessoas, colocaram bombas, fizeram desastres, e cometeram crimes contra a humanidade”.

Depois de endossar a teoria dos demônios, amplamente difundida entre os negacionistas, Milei dobrou a aposta e falou sobre a “turma dos direitos humanos”. “Também não concordamos com o trabalho dos direitos humanos. Aqueles que usaram a ideologia para ganhar dinheiro, para fazer negócios obscuros, ou não se lembram de algo como sonhos compartilhados ou o que é a própria Universidade das Madres de la Plaza de Mayo”.

“Vocês continuam a discutir a história e a reescrevê-la. Nós viemos governar uma Argentina nova e diferente, que é impossível com os mesmos de sempre”, finalizou Javier Milei em sua intervenção. Na televisão, Milei só ouviu críticas por sua intervenção desastrosa da candidata da Frente de Esquerda. “A direita é sempre enfrentada”, disse Myriam Bregman. “Precisaria de quatro ou cinco horas para responder às barbaridades. São 30 mil [desaparecidos] e foi um genocídio”.

A tentativa de Milei de reescrever a história da Argentina mostra o nível de disputa acirrada que cerca a sucessão presidencial. O fato de Massa ter superado o candidato da extrema-direita, que se apresenta como libertário e anti-sistema, é sinal de que a corrida pela Casa Rosada tende a se tornar uma briga feroz até o dia 22 de outubro, quando os argentinos vão às urnas.

Por isso a virada que vem em boa hora. Milei vinha liderando todas os levantamentos divulgados até setembro. Agora, parece que a disputa entra em situação de equilíbrio com Massa podendo trabalhar para ir ao segundo turno à frente dos dois candidatos da direita — além de Milei, também disputa a candidata Patricia Bullrich, ex-ministra da Segurança do governo de Maurício Macri, antecessor de Fernández. Ela tem 27,7%.

Milei foi o grande vitorioso das eleições primárias em agosto e agora surge tecnicamente em situação de empate com a candidata de direita, que representa o partido Juntos por el Cambio. A margem de erro é de dois pontos porcentuais para mais ou para menos. O instituto Atlas Intel entrevistou 3.778 pessoas pela internet entre 20 e 25 de setembro. A pesquisa foi divulgada pelo jornal argentino Perfil. O número de indecisos é de 3,8%. Eleitores que votariam em branco somam 1,8%, e 1,4% diz que votaria nulo.

Apesar da vantagem de Massa, a situação ainda é incerta. Em um eventual segundo turno entre Massa e Milei, o candidato da extrema-direita aparece com 43,5%, contra 37,5% do governista de centro-esquerda. O número de indecisos e dos votos em branco e nulos chegam a 19%. Massa também perderia para Bullrich, por 44,9% a 34,9% — sem conseguir atrair os votos em branco, nulos e indecisos, que somam 20,2% neste cenário. 

A ex-ministra da Segurança também venceria as eleições em segundo turno contra Javier Milei, por 36,8% a 31,5%. Neste cenário, os votos em branco, nulos e indecisos chegam a 31,7%. Segundo o instituto de pesquisa, Bullrich, com 35%, e Milei, com 34%, superam Sérgio Massa (30%) em imagem positiva. O presidente Alberto Fernandéz aparece com apenas 14%. 

As dificuldades do peronismo se devem à grave crise econômica que atravessa a Argentina, com inflação em alta e um cenário incerto. O país tem hoje 40,1% dos argentinos em situação de pobreza, segundo dados divulgados ainda em agosto pela agência governamental de estatísticas, Indec. Deste total, cerca de 9,3% passam fome. Ao todo, cerca de 11,8 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza e mais de 2 milhões não conseguem ter o mínimo da cesta básica para sobreviver, em uma população de mais de 29 milhões.

Em um debate televisivo transmitido no final de semana, Massa chegou a pedir desculpas aos argentinos pelo agravamento da crise. Ele admitiu que a inflação é maior problema dos argentinos e pediu perdão por não ter conseguido reduzir o índice de preços. Massa apanhou de todos os lados no debate televisivo, mesmo depois de prometer uma lei que permita o retorno ao país dos recursos depositados no exterior sem o pagamento de impostos, além de um plano de desenvolvimento das exportações.

“Explique aos argentinos como, sendo o pior ministro da Economia, você vai ser um bom presidente. Fez tudo errado. Dobrou a inflação”, criticou Bullrich, cuja família milionária e o fato de ter servido ao governo de Maurício Macri que ampliou a desigualdade no país a coloca em situação confortável — apesar da disputa acirrada com o candidato da extrema-direita.

Massa também foi criticado pela candidata Myriam Bregman, que reclamou da desvalorização do peso argentino em quase 20% em 14 de agosto, um dia após as primárias. Decisão foi para cumprir exigência do Fundo Monetário Internacional (FMI). •